sábado, 13 de dezembro de 2025

Os julgamentos de Sócrates, de Cristo e de Glauber Braga

 

No ano 399 a.C. o filósofo grego Sócrates foi acusado de não crer nos deuses da cidade, introduzir culto a novas divindades e de corromper a juventude ateniense, incentivando-a a questionar as tradições e autoridades. Foi acusado de ameaça à ordem política e social. A nova divindade sobre a qual Sócrates falava aos jovens seria uma voz ou sinal interior que os proibia de fazer certas coisas, mas não lhes dizia o que fazer, tal como a consciência ética que nos impede de certos comportamentos. A condenação à morte foi uma forma política de silenciar sua filosofia crítica, que desafiava as crenças e estruturas de poder.

Do julgamento de Sócrates podemos tirar ao menos duas conclusões: quando o destino da minoria fica entregue à sanha da maioria instala-se a tirania e aqueles desafiam as estruturas consolidadas correm o risco de linchamento. Platão, discípulo de Sócrates, dedicou sua vida a pensar a questão da justiça, diante da injustiça que presenciara.

O pensador alemão Hans Kelsen disse que, dentre os que se ocuparam da questão da justiça, duas cabeças alçam-se muito acima de todas as demais: Platão e Cristo. Este dedicou sua vida à justiça e aquele dedicou sua obra. Quatro anos antes da condenação de Cristo, seu primo, João Batista, fora decapitado porque denunciava as iniquidades do rei da Judeia.

Tanto no julgamento de Sócrates quando no de Cristo a maioria não se importou com a inocência dos acusados. Dentre os 500 juízes que compunham o Conselho de Sentença de Atenas, poucos foram os que votaram pela absolvição do filósofo. No julgamento de Cristo não se tem notícia de voto em seu favor. A literatura religiosa registra que o povo clamava por Barrabás, incentivado por um sacerdote, Caifás, que chegou a rasgar as próprias vestes para incentivar a multidão a condenar o inocente. Há sempre um líder religioso na defesa das injustiças sociais.

Assisti aos julgamentos de cassação dos deputados Glauber Braga e Carla Zambelli. Os julgamentos podem se realizar sob o rito e tipo ideal, com honesta narrativa dos fatos, sua reconstituição e aplicação racional da lei prevista para o caso concreto. Mas também podem ser enviesados para atender a interesses escusos. Nestes, narrativas substituem a reconstituição dos fatos e o Direito pode merecer “piruetas interpretativas” para distorcer o resultado. Mas há julgamentos em que sequer há o requinte de substituição dos fatos por versões ou de “interpretação conforme do Direito” para prejudicar o acusado. São os julgamentos orientados pela cólera. Não são julgamentos. São vinganças por quem detenha o poder momentaneamente. Foi o que assisti no julgamento do deputado Glauber Braga.

O deputado Glauber Braga vem se notabilizando por denunciar a apropriação do orçamento público em forma de emendas parlamentares. Cerca de 50 bilhões de reais do orçamento público vem sendo apropriado anualmente por parlamentares com destinação a prefeituras de suas bases eleitorais, onde são convertidos, também, em espetáculos sertanejos superfaturados ou outros gastos dos quais lhes possam resultar financiamentos de campanhas, compra de voto, pagamentos a cabos eleitorais e ao próprio enriquecimento. Para se ter uma ideia do montante do orçamento consumido em emendas parlamentares, imaginemos alguém que gaste R$ 1,00 por segundo. Tal pessoa consumiria um salário-mínimo em 25 minutos. Mas levaria 12 dias para consumir um milhão e 32 anos para consumir um bilhão. Para consumir 50 bilhões seriam precisos 1.600 anos. A verba destinada aos banqueiros e ao agronegócio ainda é maior. Por denunciar isto é que o deputado Glauber Braga irritou seus pares.

A acusação que lhe fizeram, capaz de anular os mais de 70.000 votos de cidadãos fluminenses, não poderia ser mais espúria. Acusaram-lhe de dar um chute na bunda de um provocador que injuriava sua mãe, que se encontrava no CTI e que morreu dias após o evento. Não tendo improbidade para fundamentar uma acusação idônea arranjaram-lhe um pretexto. E o presidente da Câmara marcou a data da cassação para o mesmo dia em que deveria ser cassada a deputada Carla Zambelli, presa na Itália.

O julgamento caminhava para a cassação do deputado Glauber Braga. Sua esposa, a deputada Sâmia Bomfim, o expressou de forma a emocionar até quem assistia à sessão. O próprio acusado não se defendeu. Ao contrário. Manteve a altivez e repetiu que sua participação no parlamento não seria para se acomodar aos vícios. Mas, aproximando-se o final da sessão, alguém que usa o cérebro para pensar e não o fígado, sugeriu a substituição da pena de cassação pela pena de suspensão pelo prazo de seis meses, o que foi acolhido até pelos seus companheiros. O Parlamento estaria por demais exposto se consumasse a iniquidade. A Bancada BBB (boi, bala e Bíblia) manteve a proposta de linchamento. Mas perdeu. Pelo exercício de legítima defesa da honra da mãe, o deputado Glauber Braga foi condenado à suspensão do mandato por seis meses. Na mesma noite foi votada a cassação da deputada Carla Zambelli. O número mínimo de votos pela cassação não foi atingido. O resultado dos julgamentos foi: um deputado popular a quem não se pode acusar de ato de improbidade foi suspenso por seis meses e uma deputada condenada criminalmente por decisão transitada em julgado, presa no exterior, inelegível, com os direitos políticos suspensos em razão da condenação, permanece detentora de mandato parlamentar.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 13/12/2025, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/12/7178908-joao-batista-damasceno-os-julgamentos-de-socrates-de-cristo-e-de-glauber-braga.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário