domingo, 7 de dezembro de 2014

Honrando a medalha

“Mesmo num Estado Policial, os direitos humanos não são violados por completo. Eles sempre são garantidos para a parcela privilegiada da sociedade. A questão que se coloca é como garanti-los, também, à parcela da sociedade composta por pobres, negros, minorias e aqueles cuja posição na sociedade os coloca em situação de invisibilidade social. O problema não é a falta de alternativa para política de segurança humanizada, como demonstra a conduta de Zaccone; é a opção por uma política que criminaliza a pobreza e trata excluídos como indesejáveis a serem contidos ou exterminados”.

O delegado Orlando Zaccone recebeu dia 1º, no Circo Voador, as medalhas Pedro Ernesto, outorgada pelo vereador Renato Cinco, e Tiradentes, pelo deputado Carlos Minc. Medalhas e prêmios são, por vezes, recusados por quem não se sente à altura da honraria. Mas, por vezes, o recebimento pelo agraciado é que os honra.

Tiradentes é o mais célebre condenado pela Justiça no Brasil, e Pedro Ernesto foi o primeiro prefeito do Rio a ir a uma favela conversar com moradores. Seus antecessores tratavam favelados como párias, indesejáveis que deveriam voltar aos seus lugares de origem, e não faziam melhorias nos morros, pois seria estímulo à permanência dos pobres na cidade, que haveria de ser maravilhosa apenas para alguns. Até hoje há quem pense assim. Quando do desabamento do Morro do Bumba, em Niterói, uma emissora de TV responsabilizou Brizola, morto em 2004, por haver instalado caixa d’água e rede elétrica ali, o que teria ampliado a ocupação. Não se falou do sistema excludente que gera a precariedade das moradias. Medalhas com os nomes de Pedro Ernesto e Tiradentes evocam a visibilidade dos injustiçados. E ninguém melhor que um delegado de polícia que defende os direitos dos excluídos para ganhar tais honrarias ou honrar tais medalhas ao recebê-las. 

Pode causar estranheza a existência de delegados de polícia que pugnam pela defesa dos direitos da pessoa humana num país onde imperam a política de extermínio de pobres e negros, os desaparecimentos, as torturas em sede policial, os flagrantes forjados, as escutas clandestinas, as imputações caluniosas e as condenações indevidas. Na 52ª DP, onde o conheci e tinha 400 presos, não faltou tratamento digno aos encarcerados, mesmo com falta de espaço físico e com instalações inadequadas. Foi um período no qual não houve rebelião ou fugas, por vezes falsamente anunciadas para encobrir o desaparecimento de mortos em sessões de tortura nas sedes prisionais.

Mesmo num Estado Policial, os direitos humanos não são violados por completo. Eles sempre são garantidos para a parcela privilegiada da sociedade. A questão que se coloca é como garanti-los, também, à parcela da sociedade composta por pobres, negros, minorias e aqueles cuja posição na sociedade os coloca em situação de invisibilidade social. O problema não é a falta de alternativa para política de segurança humanizada, como demonstra a conduta de Zaccone; é a opção por uma política que criminaliza a pobreza e trata excluídos como indesejáveis a serem contidos ou exterminados.

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 07/12/2014, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-12-06/joao-batista-damasceno-honrando-a-medalha.html


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