“Mesmo num Estado Policial, os
direitos humanos não são violados por completo. Eles sempre são garantidos para
a parcela privilegiada da sociedade. A questão que se coloca é como
garanti-los, também, à parcela da sociedade composta por pobres, negros,
minorias e aqueles cuja posição na sociedade os coloca em situação de
invisibilidade social. O problema não é a falta de alternativa para política de
segurança humanizada, como demonstra a conduta de Zaccone; é a opção por uma
política que criminaliza a pobreza e trata excluídos como indesejáveis a serem
contidos ou exterminados”.
O delegado Orlando Zaccone recebeu
dia 1º, no Circo Voador, as medalhas Pedro Ernesto, outorgada pelo vereador
Renato Cinco, e Tiradentes, pelo deputado Carlos Minc. Medalhas e prêmios são,
por vezes, recusados por quem não se sente à altura da honraria. Mas, por
vezes, o recebimento pelo agraciado é que os honra.
Tiradentes é o mais célebre condenado
pela Justiça no Brasil, e Pedro Ernesto foi o primeiro prefeito do Rio a ir a
uma favela conversar com moradores. Seus antecessores tratavam favelados como
párias, indesejáveis que deveriam voltar aos seus lugares de origem, e não
faziam melhorias nos morros, pois seria estímulo à permanência dos pobres na
cidade, que haveria de ser maravilhosa apenas para alguns. Até hoje há quem
pense assim. Quando do desabamento do Morro do Bumba, em Niterói, uma emissora
de TV responsabilizou Brizola, morto em 2004, por haver instalado caixa d’água
e rede elétrica ali, o que teria ampliado a ocupação. Não se falou do sistema
excludente que gera a precariedade das moradias. Medalhas com os nomes de Pedro
Ernesto e Tiradentes evocam a visibilidade dos injustiçados. E ninguém melhor
que um delegado de polícia que defende os direitos dos excluídos para ganhar
tais honrarias ou honrar tais medalhas ao recebê-las.
Pode causar estranheza a existência
de delegados de polícia que pugnam pela defesa dos direitos da pessoa humana
num país onde imperam a política de extermínio de pobres e negros, os
desaparecimentos, as torturas em sede policial, os flagrantes forjados, as
escutas clandestinas, as imputações caluniosas e as condenações indevidas. Na
52ª DP, onde o conheci e tinha 400 presos, não faltou tratamento digno aos
encarcerados, mesmo com falta de espaço físico e com instalações inadequadas.
Foi um período no qual não houve rebelião ou fugas, por vezes falsamente
anunciadas para encobrir o desaparecimento de mortos em sessões de tortura nas
sedes prisionais.
Mesmo num Estado Policial, os
direitos humanos não são violados por completo. Eles sempre são garantidos para
a parcela privilegiada da sociedade. A questão que se coloca é como
garanti-los, também, à parcela da sociedade composta por pobres, negros,
minorias e aqueles cuja posição na sociedade os coloca em situação de
invisibilidade social. O problema não é a falta de alternativa para política de
segurança humanizada, como demonstra a conduta de Zaccone; é a opção por uma
política que criminaliza a pobreza e trata excluídos como indesejáveis a serem
contidos ou exterminados.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 07/12/2014,
pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-12-06/joao-batista-damasceno-honrando-a-medalha.html
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