terça-feira, 6 de dezembro de 2016

As faltas de Modesto e de Fidel


No Brasil se desmonta o projeto de Brasil para os brasileiros. Mas Fidel Castro liderou a maior referência de soberania e afirmação de nacionalidade do povo latino-americano; foi um Davi que venceu Golias. Por sua ação e de seus companheiros, Cuba deixou de ser cassino e bordel dos magnatas estadunidenses. A máfia, expulsa de Cuba, aplicou seus recursos em empresas de comunicação na América do Sul e por seus noticiários lhe difamam. Fidel é referência para os que lutam por um país soberano e assombra os que entregam as riquezas do povo em troca de assento na mesa da Casa Grande da banca internacional”.

2016 será marcado como o ano das tragédias institucionais no Brasil. Depois do golpe na presidenta eleita, da invasão da Câmara dos Deputados por facções totalitárias e da tomada da Alerj por agentes públicos armados — que afirmavam ser donos do Estado porque concursados e estáveis enquanto os deputados são renováveis a cada quatro anos —, tivemos a brutal repressão em Brasília aos estudantes (que protestavam contra a PEC 55), a chantagem de membros do MP ao Legislativo (porque não aprovou suas proposições) e a aprovação na Câmara da criminalização de juízes (por suas opiniões e exercício da jurisdição). Neste surto institucional, no Brasil, perdemos Modesto da Silveira, advogado desassombrado que enfrentou a ditadura empresarial-militar, e Fidel Castro, em Cuba.

No Brasil se desmonta o projeto de Brasil para os brasileiros. Mas Fidel Castro liderou a maior referência de soberania e afirmação de nacionalidade do povo latino-americano; foi um Davi que venceu Golias. Por sua ação e de seus companheiros, Cuba deixou de ser cassino e bordel dos magnatas estadunidenses. A máfia, expulsa de Cuba, aplicou seus recursos em empresas de comunicação na América do Sul e por seus noticiários lhe difamam. Fidel é referência para os que lutam por um país soberano e assombra os que entregam as riquezas do povo em troca de assento na mesa da Casa Grande da banca internacional.
As mortes de Modesto da Silveira e de Fidel os fazem deixar de ser presenças e os transformam em referências permanentes. O impacto de suas mortes são seus legados. Com Fidel, aprendemos que não adianta chegar aos cargos apoiado em velhas forças. As transformações sociais somente foram possíveis em Cuba porque recusou o apoio do Exército de Batista para chegar ao poder; derrotou o Exército de Batista e se assentou nas forças do povo.
Hoje milhões de crianças dormirão nas ruas; nas periferias, vidas de jovens negros e pobres serão violentamente exterminadas, e milhões sentirão a falta da implementação dos direitos à saúde e à educação ou morrerão por causa disto. Mas nenhuma destas pessoas estará em Cuba. Isto é o que Modesto da Silveira também queria para os brasileiros e para tanto dedicou sua vida na luta. A maior homenagem a este notável advogado do povo será continuarmos suas batalhas.


 
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 03/12/2016, pag. 13. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2016-12-03/joao-batista-damasceno-as-faltas-de-modesto-e-de-fidel.html


No vale da sombra da morte


“Igrejas podem abrigar organizações com finalidades diversas, inclusive crimes contra o Estado ou a sociedade. O golpe que se opera no Brasil é formulado pelas elites e empresas de comunicação orientadas contra o povo, apoiadas pelo obscurantismo restante dos anos de chumbo e daqueles que cresceram sob suas asas. O futuro não é promissor. Poder político orientado por religiosos oportunistas e herdeiros dos porões da ditadura é o vale da sombra da morte”.

Evitando as guerras religiosas que devastaram a Europa, os portugueses não admitiram — por razão de Estado — em seu território outra crença que não a fé católica. Prevenindo conflitos, o Marquês de Pombal expulsou do Brasil os jesuítas em 1759, não sem premiar outras ordens para se aquietarem diante do martírio de seus irmãos, e anexou significativa parcela das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste à colônia. A relação do Estado e Igreja no Brasil sempre foi permeada por tensões e partilha de interesses.

No período Vargas, momentos de tensões e concessões entre Estado e Igreja se alternaram, tal como quando da edição de uma Lei de Divórcio por Getúlio Vargas — a fim de possibilitar que Amaral Peixoto (sogro de Moreira Franco, que é sogro de Rodrigo Maia) se casasse com sua filha Alzira Vargas. Homologado o divórcio, a lei foi revogada, e o assunto caiu no esquecimento. A Igreja quase sempre apoiou, taticamente, os projetos conservadores do Estado, que também eram seus, embora com distintos objetivos estratégicos.

Em 1964, a Igreja estava ao lado dos golpistas. Mas deles se distanciou e se tornou principal opositora. Os golpistas buscaram apoio na ala mais conservadora católica e no seio protestante, onde não faltaram concessões de rádio e televisão, apoio às denominações tradicionais e auxílio aos neopentecostais da teologia da prosperidade para cultos eletrônicos e de massa inspirados em Billy Graham.

O militar Paulo Leivas Macalão, um dos principais divulgadores das Assembleias de Deus no Brasil, fundador da Assembleia de Deus de Madureira e compositor da maioria dos hinos da Harpa Cristã, rendeu-se à Vila Militar. A supremacia dos senhores do porão afastou daquela igreja os sucessores do fundador. Contemporanemente o templo andou frequentado por Eduardo Cunha e Michel Temer.

Igrejas podem abrigar organizações com finalidades diversas, inclusive crimes contra o Estado ou a sociedade. O golpe que se opera no Brasil é formulado pelas elites e empresas de comunicação orientadas contra o povo, apoiadas pelo obscurantismo restante dos anos de chumbo e daqueles que cresceram sob suas asas. O futuro não é promissor. Poder político orientado por religiosos oportunistas e herdeiros dos porões da ditadura é o vale da sombra da morte.
 


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 19/11/2016, pag. 14.

Apoio aos estudantes


“A exigência de agente do Ministério Público Federal confunde o questionamento da legitimidade do ocupante da presidência da República com atividade político-partidária, bem como ordena a apuração de autoria de quem colocou ou permitiu a manifestação do pensamento, com ameaça de propositura de ação de improbidade administrativa, representação por crime de prevaricação e propositura de ação civil pública indenizatória por suposto e infundado ‘dano moral coletivo’”.
É preocupante a crescente onda de cerceamento das liberdades públicas no Brasil, tendo como exemplo a censura à liberdade de manifestação no Colégio Pedro II, ora envolvendo a decisão sobre liberdade de vestimenta, ora sob a atuação do Ministério Público Federal com ‘recomendações’ escritas para que sejam retiradas faixas, cartazes ou panfletos que denotem o sentimento de ilegitimidade do presidente da República após golpe na presidenta democraticamente eleita.
A exigência de agente do Ministério Público Federal confunde o questionamento da legitimidade do ocupante da presidência da República com atividade político-partidária, bem como ordena a apuração de autoria de quem colocou ou permitiu a manifestação do pensamento, com ameaça de propositura de ação de improbidade administrativa, representação por crime de prevaricação e propositura de ação civil pública indenizatória por suposto e infundado ‘dano moral coletivo’.
Procuradores da República no dia do 28º aniversário da Constituição da República editaram documento visando a provocar uma reflexão sobre a missão dos membros do Ministério Público Federal, que – disseram - deve ser “permeada com a defesa dos direitos dos indivíduos, da sociedade e do próprio funcionamento da máquina pública” e “para evitar que ações motivadas em objetivos nobres e legítimos terminem servindo para perseguições de qualquer natureza”.
É tempo de conclamar os agentes públicos do sistema de justiça e educadores a rememorarem o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), do qual resultou a reforma do ensino após a Revolução de 1930 e o Manifesto dos Educadores (1959) do qual resultou a primeira lei de diretrizes e bases da educação nacional de onde se extrai que a educação precisa ser examinada do ponto de vista de uma sociedade em movimento; não dos interesses de alguns, mas dos interesses gerais, sob a premissa de que a escola é uma instituição onde se socializa para a cidadania; é um horizonte cada vez mais largo que precisa atender à variedade das necessidades dos grupos sociais, corolário do pluralismo político elencando como fundamento da República no primeiro artigo da Constituição.
Quem foi estudante e se formou para a cidadania reconhece a importância do que fazem os estudantes atuais. Quem foi apenas adestrado, não!
 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 05/11/2016, pag. 12.

Em defesa de Eduardo Cunha?


“É com a garantia dos direitos daqueles com quem não nos afeiçoamos que colocamos a prova nossa fidelidade aos valores com os quais dizemos ser comprometidos. Que todos tenham os seus direitos assegurados. Até mesmo Eduardo Cunha. E que a justiça se faça e imponha responsabilidades sem se confundir com vingança”.
Parcela da sociedade comemorou a prisão do ex-deputado Eduardo Cunha sem perceber que a violação de seus direitos é a exceção, à direita, necessária para violarem os direitos de qualquer um.
Dispõe a Constituição que ninguém será preso se por outro modo puder ser responsabilizado criminalmente e que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ainda que o próprio STF esteja negando o texto constitucional.
O juiz Sérgio Moro justificou a prisão de Eduardo Cunha com argumentação genérica, tal como abusivamente se faz todo dia no Brasil. O STF, que interveio no funcionamento parlamentar e afastou Cunha do exercício de seu mandato, já havia negado o pedido de prisão sob o fundamento de que outras medidas acautelatórias poderiam ser impostas e que a prisão era desnecessária.
A violação dos direitos do pior dos fascínoras é a porta aberta para violação dos direitos de toda a sociedade. É com a tácita autorização para se matar jovens negros na periferia que agentes do estado matam qualquer um, bastando-lhes posteriormente dizer que se tratava de traficante.
Quando Lula foi indevidamente conduzido coercitivamente, sem prévia intimação, a comentariasta televisa Cristiana Lobo dizia que não havia arbitrariedade porque era a 147ª condução ordenada por Moro. As 146 violações anteriores serviram para justificar a arbitrariedade cometida contra Lula. O que muitos não vêem é que Cunha, assim como o foi Severino Cavalcanti, é baixo clero; é pessoa com visibilidade, mas não é componente da estrutura real de poder no Brasil. Duvido que José Sarney, Romero Jucá, Renan Calheiros, José Serra, Tasso Jereissati, Aécio Neves, Michel Temer ou Fernando Henrique Cardoso venham a ser molestados. É fácil processar e julgar membros de setores populares, ainda que alçados a visibilidade, ou gente do baixo clero que cai em desgraça e passa a ter o valor de um cachorro morto na beira da estrada como é Eduardo Cunha.
É com a garantia dos direitos daqueles com quem não nos afeiçoamos que colocamos a prova nossa fidelidade aos valores com os quais dizemos ser comprometidos. Que todos tenham os seus direitos assegurados. Até mesmo Eduardo Cunha. E que a justiça se faça e imponha responsabilidades sem se confundir com vingança.
 
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 22/10/2016, pag. 11.

Estatística mascarada


“O homicídio contra o professor da UERJ Marcus Flávio do Amaral Vasconcellos, Pingo, foi registrado na Delegacia Policial como lesão corporal. O carro no qual viajava parou num sinal, no Méier, atrás de outro que estava sendo assaltado. Dois indivíduos que davam cobertura ao assalto devem ter acreditado que os professores eram policiais e disparavam contra o carro com tal intensidade que o seguro lhe deu perda total. O motorista foi atingido na testa de raspão e o professor Pingo levou um tiro na nuca. Hospitalizado, o professor permaneceu no CTI por 18 meses até falecer no domingo, dia da eleição. Mesmo que o professor tivesse sobrevivido o crime seria homicídio em sua modalidade tentada. Jamais lesão corporal, como se registram para mascarar estatísticas”.
 
O fracasso da política de segurança instituída no Rio de Janeiro chamada em 2007 de polícia de confronto pelo secretário Beltrame - e que intelectuais e artistas, naquela época, qualificaram em manifesto como política de extermínio – tem sido dolosamente mascarado pelos registros e estatísticas oficiais. Por isso o governo não liberou os dados para pesquisa sobre desaparecidos do projeto ‘Somos todos Amarildo’.
Na história da violência no Rio de Janeiro os agentes do Estado sempre estiveram um degrau acima. A militarização da polícia, sua cadeia de comando e o sistema de justiça que a protegeu elevou os patamares da violência urbana. Um criminoso encurralado pelos agentes do Estado não mais se rende, porque sabe: irá morrer. Por isso causa danos antes de ser exterminado. Já não existe a clássica expressão que valia tanto para policiais quanto para criminosos: “Perdi!”. Isto possibilitava ao policial desarmar o criminoso e prendê-lo ou a este liberar o policial para que, desarmado, partisse. A vida era preservada. A política de segurança do Estado é matar ou morrer. Mas, dentre os policiais somente morrem os praças; nenhum oficial em serviço.
O homicídio contra o professor da UERJ Marcus Flávio do Amaral Vasconcellos, Pingo, foi registrado na Delegacia Policial como lesão corporal. O carro no qual viajava parou num sinal, no Méier, atrás de outro que estava sendo assaltado. Dois indivíduos que davam cobertura ao assalto devem ter acreditado que os professores eram policiais e disparavam contra o carro com tal intensidade que o seguro lhe deu perda total. O motorista foi atingido na testa de raspão e o professor Pingo levou um tiro na nuca. Hospitalizado, o professor permaneceu no CTI por 18 meses até falecer no domingo, dia da eleição. Mesmo que o professor tivesse sobrevivido o crime seria homicídio em sua modalidade tentada. Jamais lesão corporal, como se registram para mascarar estatísticas.
Está chegando ao fim a gestão do secretário Beltrame. Felizmente! Mas, seu legado será lamentável. O que nos resta é romper com tal legado e instituirmos outra política de segurança que possibilite a humanização das relações sociais, a valorização da vida dos que morrem – policiais e população - nos confrontos, o enfraquecimento das milícias e apropriação pública pelo que é público.
 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 08/10/2016, pag. 11.