quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Brasil, país das contradições

"A civilidade está em crise. Na saída de um restaurante, Chico Buarque foi hostilizado por coxinhas que o acusavam de defender corrupto e de morar em Paris. Mas dentre os Coxinhas estava o neto de Mário Garnero, banqueiro que em 1985 fora acusado de fraude financeira, via Brasilinvest. O mais agressivo, que bradava contra a corrupção, era filho de usineiro acusado de grilagem e genocídio. Chico mora no Rio. Mas o neto do banqueiro tem imóveis no exterior. Morava em St. Moritz antes de se mudar para Londres, quando namorava a patricinha Paris Hilton".

O Brasil é o país das contradições. Durante o Advento, tempo no qual cristãos esperam a comemoração do nascimento do seu deus-menino e dizem praticar a fraternidade e a paz, um fato tomou, agressivamente, as mídias sociais e o noticiário. Foi o flagrante da bancária Fabíola na entrada de um motel. A mim não interessam as razões da Fabíola para ter um amante, a crocodilagem do muy amigo ‘gordinho da Saveiro’, a ira do marido ou o interesse do cineasta indignado, mas o linchamento midiático de quem não cometera qualquer ilícito penal ou civil ou praticara qualquer ato lesivo, a não ser à expectativa de exclusividade sexual do marido traído. O clamor por justiça diante da condenação à morte, por apedrejamento, da iraniana flagrada em adultério foi esquecido, assim como a adúltera apresentada, para apedrejamento, a Cristo sob o fundamento de que a Lei de Moisés o autorizava. Fabíola foi apedrejada midiaticamente. Em pleno Advento foi esquecida uma das mais lapidares lições do deus-cristão, bem como o que faziam as mães dos que a condenaram no momento de suas concepções.

A civilidade está em crise. Na saída de um restaurante, Chico Buarque foi hostilizado por coxinhas que o acusavam de defender corrupto e de morar em Paris. Mas dentre os Coxinhas estava o neto de Mário Garnero, banqueiro que em 1985 fora acusado de fraude financeira, via Brasilinvest. O mais agressivo, que bradava contra a corrupção, era filho de usineiro acusado de grilagem e genocídio. Chico mora no Rio. Mas o neto do banqueiro tem imóveis no exterior. Morava em St. Moritz antes de se mudar para Londres, quando namorava a patricinha Paris Hilton.

Mas nem tudo são baixarias de coxinhas e de pessoas em conflito com a sexualidade. A contradição se completa quando, em momento de crise, o governador Pezão fecha hospitais e anuncia renúncia de tributos para fábrica de bebidas e montadoras de automóveis e se dispõe a pagar dívida de R$ 40 milhões da SuperVia com a Light, e o prefeito Eduardo Paes aumenta o subsídio para o Carnaval em prejuízo da Educação e Saúde. Setor sem contrariedades é o financeiro. Segue com os maiores lucros da história. Em momento de encolhimento do setor produtivo e demissões, o maior banco brasileiro fechará o ano com lucro de R$ 25 bilhões.




Publicado origariamente no jornal O DIA, em 27/12/2015, pag. 18. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2015-12-27/joao-batista-damasceno-brasil-pais-das-contradicoes.html

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

domingo, 20 de dezembro de 2015

A morte do 'Presidente' e o descaso na Saúde

"A Cinelândia tinha o seu ‘Presidente’. Era o morador de rua Sérgio Luis Santos das Dores, 63 anos, que morreu segunda-feira passada, sem adequada assistência. Seu corpo foi velado na Câmara de Vereadores, a Gaiola de Ouro, tal como personalidade de Estado. As circunstâncias da morte do ‘Presidente’ é expressão do que se faz com os trabalhadores no Brasil. Era um funcionário do IBGE até adoecer nos anos 90. Ao invés de tratamento, recebeu aposentadoria por invalidez e abandono".

Poucos cariocas sabem onde fica a Praça Floriano, nome do marechal que presidiu a República antes que o mando local assaltasse o poder pelo país afora e instituísse a ‘República do Café com Leite’. Mas todos conhecem a Cinelândia, nome popular para a região da praça e do seu entorno que se popularizou a partir dos anos 30, em razão dos cinemas em cada prédio.

Trata-se de ponto de encontro de lideranças políticas e militância e o mais importante palco de manifestações da história do Brasil. Ainda hoje é o local favorito para comícios, expressão de ativistas, de nacionalistas e da esquerda.

A Cinelândia tinha o seu ‘Presidente’. Era o morador de rua Sérgio Luis Santos das Dores, 63 anos, que morreu segunda-feira passada, sem adequada assistência. Seu corpo foi velado na Câmara de Vereadores, a Gaiola de Ouro, tal como personalidade de Estado. As circunstâncias da morte do ‘Presidente’ é expressão do que se faz com os trabalhadores no Brasil. Era um funcionário do IBGE até adoecer nos anos 90. Ao invés de tratamento, recebeu aposentadoria por invalidez e abandono.

Após a morte de sua mãe, foi morar na rua. Era sindicalizado. Fora alcóolatra, mas há 11 anos não bebia e sempre frisava isto quando parava em mesa na qual amigos se reunissem para um chope de fim de dia. Sentindo-se doente, procurou socorro médico na rede pública. Na unidade de saúde, foi diagnosticado erroneamente com abstinência alcoólica em razão da tremedeira, decorrente da doença de Parkinson, e lhe injetaram soro glicosado. Era diabético. As buscas, com ajuda de médicos da rede pública, localizaram-no num hospital com ferimento na perna sem curativo e com assaduras por falta de higiene.

Há cadastro nacional de carros, de eleitores e de contribuintes de Imposto de Renda. Mas inexiste um cadastro local que ajude a identificar um doente hospitalar na rede pública, mesmo que a internet seja instrumento que isto possibilite. Seus documentos extraviaram no hospital, mas, antevendo o descaso, uma produtora cultural os fotografou. De outro modo sequer poderia ser sepultado. Além das verbas de que os governantes se apropriam, a área da saúde precisa reinventar as relações humanas e passar a tratar da pessoa e não apenas da doença. Precisamos reinventar a solidariedade.





Publicado originariamente no jornal O DIA, em 20/12/2015, pag. 18. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-12-20/joao-batista-damasceno-a-morte-do-presidente-e-o-descaso-na-saude.html

domingo, 13 de dezembro de 2015

Hoje, 13 de dezembro, é o dia dos cegos

"Há 47 anos, em 13 de dezembro de 1968, Dia de Santa Luzia e dos cegos, uma escuridão se abateu sobre o Brasil. Fora editado o AI-5, que suprimiu os direitos e as garantias fundamentais. Os coveiros da democracia, com óculos escuros para esconder o sangue nos olhos, suprimiram o habeas corpus, cassaram mandatos legítimos e suspenderam as garantias dos juízes, dificultando que assegurassem os direitos dos cidadãos. As empresas de comunicação que não se alinharam ao regime foram censuradas ou fechadas, e as que enalteciam a brutalidade foram financiadas. O AI-17 possibilitou a expulsão das Forças Armadas dos que tinham compromisso com a democracia, com a ética e com o povo brasileiro. Corruptos e vendilhões da pátria progrediram nas carreiras, e os oriundos de famílias cujos negócios estavam associados a empresas estrangeiras usaram as instituições para se apropriar das riquezas nacionais".

Há 47 anos, em 13 de dezembro de 1968, Dia de Santa Luzia e dos cegos, uma escuridão se abateu sobre o Brasil. Fora editado o AI-5, que suprimiu os direitos e as garantias fundamentais. Os coveiros da democracia, com óculos escuros para esconder o sangue nos olhos, suprimiram o habeas corpus, cassaram mandatos legítimos e suspenderam as garantias dos juízes, dificultando que assegurassem os direitos dos cidadãos. As empresas de comunicação que não se alinharam ao regime foram censuradas ou fechadas, e as que enalteciam a brutalidade foram financiadas. O AI-17 possibilitou a expulsão das Forças Armadas dos que tinham compromisso com a democracia, com a ética e com o povo brasileiro. Corruptos e vendilhões da pátria progrediram nas carreiras, e os oriundos de famílias cujos negócios estavam associados a empresas estrangeiras usaram as instituições para se apropriar das riquezas nacionais.

Naquele cenário sombrio foi escolhido, entre eles, para ditador-presidente, o general Emilio Garrastazu Médici, cujo mandato foi marcado por perseguições, torturas, assassinatos e desaparecimentos.

Reclamamos da corrupção do mercado, existente em tempos de democracia e que seduz agentes públicos, porque dela tomamos ciência, possibilitada pela liberdade de expressão. Nas ditaduras não se pode falar o que fazem os ditadores. Quem quiser saber do patrimônio do general-ditador e da briga familiar pelo seu espólio pode consultar o processo do seu inventário que tramita, publicamente, na 5ª Vara de Órfãos e Sucessões no Fórum do Rio de Janeiro. Dele consta que o general, ditador e facínora, fez adoção exclusivamente para fraudar a Previdência Social. A adoção fora feita tão somente para fins previdenciários.

Mas a Constituição Cidadã de 1988 igualou todos os filhos, naturais e adotivos, havidos no casamento ou fora dele, para efeitos de sucessão hereditária, e a ‘filha adotiva’ pretendia parte da herança, composta também por fazenda de gado no Sul, ainda que ele tenha morrido anteriormente. Era um ditador-pecuarista.

Em tempo de justiça, o Conselho Universitário da UFRJ cassou o título de Doutor Honoris Causa. Falta tirar a placa que o homenageia no canteiro central da via entre o Centro Tecnológico e o Centro de Ciências da Matemática e da Natureza. Estarei lá para ver.




Publicado originariamente no jornal O DIA, em 13/12/2015, pag. 18. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-12-12/joao-batista-damasceno-hoje-13-de-dezembro-e-o-dia-dos-cegos.html

domingo, 6 de dezembro de 2015

Nem golpismo, nem governismo!

"O reconhecimento da vitória do opositor na Argentina por percentual similar ao da vitória da presidenta Dilma ensina sobre a legitimidade democrática, expressa pela maioria, e haveria de obstar a sanha golpista em marcha. O encaminhamento do pedido de impeachment pelo presidente da Câmara dos Deputados é do mais baixo golpismo e revanche ante a possibilidade de sua cassação, por contas na Suíça com recursos de origem a esclarecer. Por fato menos gravoso o senador Delcídio teve prisão cautelar decretada".
"A defesa do Estado Democrático de Direito não se confunde com defesa do governo, nem apoio às suas desastradas opções contrárias aos interesses do povo brasileiro. A repressão policial dos governadores oposicionistas do Paraná, aos professores, e de São Paulo, aos alunos, tem precedente em governistas, tanto com o ex-governador Sérgio Cabral aos professores, quanto pelo ‘prefeito das Galáxias’ Eduardo Paes, com sua Guarda Municipal, aos moradores da Vila Autódromo".

O reconhecimento da vitória do opositor na Argentina por percentual similar ao da vitória da presidenta Dilma ensina sobre a legitimidade democrática, expressa pela maioria, e haveria de obstar a sanha golpista em marcha. O encaminhamento do pedido de impeachment pelo presidente da Câmara dos Deputados é do mais baixo golpismo e revanche ante a possibilidade de sua cassação, por contas na Suíça com recursos de origem a esclarecer. Por fato menos gravoso o senador Delcídio teve prisão cautelar decretada.

A defesa do Estado Democrático de Direito não se confunde com defesa do governo, nem apoio às suas desastradas opções contrárias aos interesses do povo brasileiro. A repressão policial dos governadores oposicionistas do Paraná, aos professores, e de São Paulo, aos alunos, tem precedente em governistas, tanto com o ex-governador Sérgio Cabral aos professores, quanto pelo ‘prefeito das Galáxias’ Eduardo Paes, com sua Guarda Municipal, aos moradores da Vila Autódromo.

A repressão aos manifestantes nas Jornadas de Junho de 2013 foi similar em todo o Brasil e foi gestada no Ministério da Justiça. Foi a presidenta quem encaminhou ao Congresso o projeto de Lei Antiterrorismo, criminalizando movimentos sociais, e usou o Exército na repressão aos manifestantes contra o leilão do Campo Petrolífero de Libra.

Dia 1º, enquanto se enterravam cinco jovens assassinados pela Polícia Militar, a Fecomércio iniciava implantação de ‘policiamento privado’ no Aterro, Lagoa e Méier, com as bênçãos do governador Pezão e apoio do governo federal. Trata-se da institucionalização de algo similar às milícias, dada a natureza privada da função pública usurpada. A letalidade pelas forças estatais seria menor não fossem as ocupações militares de favelas, com uso do Exército contra a população civil.

O assassinato dos jovens é reflexo da militarização da vida desde a instalação das UPPs, que o deputado fluminense, arauto governista, apoiava quando presidia a OAB e em razão do que destituiu a Comissão de Direitos Humanos que investigava as chacinas do Alemão e Coreia. O fascismo não se expressa apenas na tentativa de golpe e interrupção do mandato legítimo da presidenta eleita, mas em tudo que viola o Estado de Direito Democrático, venham de oposicionistas ou governistas.





Publicado originariamente no jornal O DIA, em 06/12/2015, pag. 18. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-12-06/joao-batista-damasceno-nem-golpismo-nem-governismo.html