sábado, 22 de abril de 2023

Atos terroristas de 8 de janeiro: faça-se luz!

Os poucos segundos de exibição das cenas dos atos terroristas do dia 8 de janeiro foram suficientes para derrubar o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República. Os atos foram registrados em 22 câmeras, gerando cerca de 165 horas de gravação, num total de 250 gigabytes. As gravações vazaram para a rede de TV depois que houve recusa do ministro em fornecê-las, segundo se noticiou, à CPI da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).

Não é possível formular juízo vendo apenas alguns segundos dos registros. As notícias que mostram a presença do ministro demitido no Palácio não nos dizem que tais imagens foram captadas às 16h30min, portanto, depois dos atos terroristas. É possível que o trato dispensado aos terroristas tenha ocorrido depois que a situação estava controlada e que apenas se tratava com dignidade as pessoas presas e as conduzia ao segundo andar de onde seriam encaminhadas para a formalização da prisão em flagrante.

Segundo noticiou a imprensa, o ministro havia recusado a remessa das imagens à Câmara Legislativa do DF, alegando que os arquivos eram grandes demais. O presidente da CPI, deputado distrital Chico Vigilante, do PT, chegou a dizer que forneceria um HD externo para armazenar as imagens. Estaria o ministro se protegendo ou protegendo colegas de farda em razão de fidelidade castrense?

É preciso considerar que um oficial militar ingressa numa escola preparatória na adolescência, depois numa academia militar e ao longo da vida é adestrado a ter fidelidade aos seus pares e à sua instituição. Não raro sequer estabelecem vínculos fora do círculo profissional. Quando muito, estabelecem relações externas em razão de conveniências pessoais. O que falam entre si entre eles permanece. A exemplo do que demonstrou o ex-comandante do Exército, general Villas Bôas, a interlocução que estabelecem institucionalmente com a sociedade não corresponde ao que realmente pensam.

No Brasil, salvo exceções, sempre que podem atacam a democracia e a soberania popular. Foram dezenas as intervenções militares ao longo da República. A mais emblemática durou 21 anos e comprometeu o futuro do país, além de ter se notabilizado por torturas, assassinatos, desaparecimentos de pessoas, roubos, estupros e outras perversidades.

Duas questões precisam ser consideradas para a tomada de decisões futuras sobre o destino do país: 1) os golpistas não desistiram de afrontar a ordem democrática e o Estado de Direito e contam com apoio – inclusive financeiro – dentro e fora das instituições; 2) a conciliação não nos permite superar a agigantamento do papel das Forças Armadas desde o golpe que instituiu a República, quando passaram a se considerar Poder Moderador e avalistas das instituições, mesmo que a sociedade não lhes tenha atribuído tal papel.

Os atos terroristas de 8 de janeiro já vêm sendo investigados pela Polícia Federal, é objeto de atenção do STF – que também foi depredado – e pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Agora teremos também uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) a ser instalada pelo Congresso Nacional.

É fundamental para a vitalidade da República que se esclareçam os fatos. O funcionamento do aparato militar há de ser objeto de atenção por todos os que se se preocupam com a democracia e com o Estado de Direito. O general demitido é um ancião, na reserva, comandava um grupo de militares antes chefiados pelo ex-ajudante de ordens do general Silvio Frota e conta com mais de 50 anos no Exército. É preciso esclarecer se tinha condição de comando ou se estava ‘liderando’ um grupo rebelde que lhe fazia ouvidos moucos.

Em artigo pretérito elogiei a extraordinária compreensão institucional do ministro Flávio Dino quando decretou intervenção na Polícia Militar do DF no dia 8 de janeiro, recusando-se a editar decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com convocação das Forças Armadas para controle dos atos terroristas. Tivesse sido decretada a GLO os interventores estariam até hoje na Praça dos Três Poderes e as instituições ainda lhe deveriam louvores pelos atos que os próprios deram causa.

Conciliar não é legal. E sabemos disto desde a Lei da Anistia de 1979, que isentou os praticantes de crimes de Estado de responsabilização e que mesmo depois de anistiados, continuaram a colocar bombas pelo país. As sucessivas decretações de GLOs, colocando as FFAA em papel policial, as trouxe de volta à política. A manutenção dos acampamentos antidemocráticos após o dia 1º de janeiro foi uma falha. As instituições falharam ao não reconhecer o perigo fascista que subsistia, mesmo depois de derrotada nas urnas e de ter ameaçado a Justiça Eleitoral. Os acampamentos antidemocráticos, protegidos e auxiliados pelo Exército, eram a parte visível do ovo da serpente. 

Ótimo que mais uma investigação será engendrada. É preciso que sobre tais fatos haja luz. Afinal, a luz do sol é o melhor desinfetante par defenestrar os vermes e a democracia demanda publicidade.


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 22/04/2022, pag. 14. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2023/04/6617372-joao-batista-damasceno-atos-terroristas-de-8-de-janeiro-faca-se-luz.html

sábado, 8 de abril de 2023

500º artigo, passando pelas jornadas de junho de 2013

 




Este é o 500º artigo que publico neste jornal, transcorrendo 15 anos. O primeiro artigo foi publicado em 3 de maio de 2008 e escrevi sobre o fenômeno da espetacularização dos julgamentos que se aprofundaria na sociedade brasileira. A prática se disseminou, resultando na Operação Lava Jato. Naquele artigo abordei o perigo do ajuste entre Judiciário, Ministério Público, polícia e mídia.

Outro tema abordado com frequência foi a militarização da política de segurança e extermínio de jovens pretos e pobres da periferia e favelas. Em junho de 2008, os jornais anunciavam que o Exército ocupava o Morro da Providência e que o governo federal havia recorrido da decisão judicial que determinara sua desocupação, porque as Forças Armadas não se incluem nos órgãos de segurança pública elencados no Art. 144 da Constituição.

A ocupação do Morro da Providência pelo Exército culminou com o sequestro e entrega de três jovens, que voltavam de um baile funk, a traficantes de um morro rival, onde foram torturados, executados e ‘desovados’ em lugar ermo distante. Tal como no ‘Mito de Cassandra’, que predizia o futuro, mas ninguém acreditava em seus prognósticos, não adiantou dizer sobre o que propicia a militarização da política de segurança.

Aqueles que retiraram os militares das Forças Armadas dos quarteis, e os colocaram em atividades policiais, foram os que os trouxeram para a política e colocaram para chocar o ovo da serpente que ameaçou as instituições nos últimos anos. Não basta que sejam nobres as nossas intenções. Quem tem poder de decisão precisa saber o efeito do que faz, precisa do indispensável senso de proporção, bem como senso de responsabilidade.

As crônicas registram ocorrências cotidianas e têm o desvalor do imediatismo, correndo o risco da excessiva subjetividade. Mas o pouco registro nelas contido possibilitam alguma reconstituição histórica. Analisando aquele período pelo retrovisor é possível perceber relatos do descontentamento de parcela da população com as políticas públicas divergentes das aspirações depositadas, até o surgimento das Jornadas de Junho em 2013.

A implementação de política de extermínio nas favelas e periferias, culminando com as ocupações militares, com Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) e decretação de GLOs (Garantia da Lei e da Ordem sob o comando das Forças Armadas), apenas oficializou o que o aparato repressivo do Estado, não desmontado com a redemocratização, continuava fazendo na periferia.

Desde 2003, os anseios depositados - visando a transformações sociais e dignificação do mundo do trabalho - foram frustrados e as políticas assistenciais, embora garantidoras do pão de cada dia, eram mero paliativo. Para garantir o circo foram direcionados vultosos recursos no patrocínio dos “Grandes Eventos” que prometiam legados. O Brasil se tornou destino de três grandes ocorrências desportivas sucessivas: Olimpíadas, Jogos Militares e Copa do Mundo de Futebol. Empreiteiras sorriam, mas a insatisfação popular era crescente.

A tentativa de demolição do antigo prédio que abrigou o Museu do Índio, para construção de shopping e estacionamento para a Copa de 2014, foi o aglutinador das insatisfações no Rio de Janeiro e propiciou as manifestações de 2013. Não foram os R$ 0,20, nem apenas o prédio notabilizado por Berta Ribeiro, Darcy Ribeiro e Marechal Rondon. Os motivos para as manifestações de 2013 também foram o descontentamento com os rumos que o país tomava, desde a escolha do presidente do Banco Central, gerando quebra das expectativas dos que empobreciam e tinham a vida precarizada.

Os setores progressistas, no exercício dos cargos, mas não no poder, colocaram-se como gestores da iniquidade. Enquanto assumiam compromisso com a “ordem” patrocinavam a desordem que empobrecia, torturava, executava e desaparecia com pessoas, a exemplo do Pedreiro Amarildo. Descrentes e com expectativas frustradas as massas reagiram à institucionalidade, via na qual depositavam suas esperanças.

Mas os “gestores da ordem”, compromissados com a ‘governabilidade’, não compreenderam a manifestação anti-institucional extremamente forte que emergia com pujança naquele junho de 2013 e tentaram sufoca-la. Incapazes de compreender a expressão popular, criminalizaram os movimentos sociais. Isto acentuou a desidentificação em curso e jogou a população para o lado daqueles que fizeram discursos antiinstitucionais que resultaram no terraplanismo, anticiência e nos atos terroristas de 8 de janeiro de 2023.

O descrédito no qual aqueles governantes mergulharam propiciou a aglutinação das massas em torno dos que entenderam a mensagem das manifestações e passaram a apregoar – oportunisticamente – o fim da política e dos poderes do Estado encarregado de políticas públicas.

Quem ocupa o trono tem culpa. Quando Édipo descobriu que a desgraça que se abatia sobre Tebas decorria do fato de ter matado seu pai e casado com sua mãe, não se desculpou alegando desconhecer sua ascendência. Furou os próprios olhos e partiu da cidade. Não adianta culpar os que ocuparam o vácuo deixado no seio popular. É preciso que as responsabilidades sejam assumidas e ‘novos rumos’ traçados.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 08/04/2023, pag. 14. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2023/04/6608295-joao-batista-damasceno-500-artigo-passando-pelas-jornadas-de-junho-de-2013.html