sábado, 5 de janeiro de 2019

Oligarquia laranja


Uma cor dá unidade a um grupo social ou identidade a um objeto de marketing. O verde da bandeira brasileira é símbolo da Casa de Bragança; o amarelo dos Habsburgo. Collor quis se identificar com uma cor e dizia ter aquilo roxo. Os trabalhadores se apropriaram do vermelho, simbolizando o sangue derramado nas lutas por direitos sociais. Quem se apropriará do laranja?
Foi empossado na presidência da República um capitão da reserva do Exército brasileiro, sem histórico militar que o recomende. Eleito vereador no Rio de Janeiro, em 1988, elegeu-se a partir de 1990 deputado federal, por sete mandatos consecutivos. Em 28 anos como deputado não fez qualquer trabalho relevante. Não compôs comissões, não parlamentou com seus pares, não produziu nada que pudesse justificar os ganhos ao longo deste período. É o político que por mais tempo insistiu que não era político, gozando das benesses do cargo. Ao se eleger deputado contribuiu na eleição da então esposa para vereadora. Depois elegeu os filhos para casas legislativas diversas e, também, inseriu o irmão na política.
A oligarquia familiar que foi constituída é de papel. Não tem base material ou social. E por isso é frágil. Tem a mesma firmeza de quem, no alto, depende de quem segura a escada. Sua base ideológica são os remanescentes do porão da ditadura empresarial-militar que a abertura "lenta, gradual e segura" manteve intacta e que a redemocratização não foi capaz de superar e que hoje sai dos bueiros, tal como o mau cheiro dos cadáveres insepultos.
A base eleitoral permanente do clã bolsonariano são as pensionistas das Forças Armadas, notadamente as filhas solteiras. Há familiares de militares - viúvas, filhas e até netas - que por pouco e irrelevante tempo de serviço prestado às Forças Armadas vivem sucessivamente por décadas do pensionamento militar.
Anuncia-se a Reforma da Previdência que retirará direitos dos trabalhadores assalariados. Mas, a reforma poderia começar pela instituição de um regime único de pensionamento a todos os dependentes, com supressão da pensão às 'filhas solteiras', notadamente quando aptas ao trabalho ou vivendo em uniões estáveis e sendo mães de proles a lhes suceder no 'benefício'.
O governo começa mal. Um deputado pode se eleger por 28 anos fazendo mesuras e tensionando relações, sem compromisso com a aprovação de qualquer projeto. Mas, no Executivo terá que tomar decisões e mostrar a que veio. Terá que produzir resultado positivo, sob pena de se tornar um mero ocupante da cadeira presidencial, sem o exercício dos poderes correspondentes. Os discursos de posse mostraram que o presidente temporário não está qualificado para o segundo papel. Continua no tensionamento e em palanques. Para tensionar haverá muitos. O papel do governante é outro.
Para reduzir a tensão a primeira tarefa pode ser explicar a movimentação de R$ 1,2 milhão na conta do PM que assessorava o filho e o depósito dos R$ 24 mil na conta da primeira dama. Ninguém acreditou na estória do empréstimo, que apenas reforçou suspeita de ocorrências comuns em casas legislativas. Queiroz, elo fraco do clã presidencial, é tratado nas redes sociais como laranja. As instituições podem até não ter funcionado a ponto de conduzir coercitivamente o faltoso a diversas intimações. Tampouco ter ido onde estava para tomar seu depoimento. Mas a sociedade, que é permanente, não deixará tal fato ser varrido para debaixo do transitório tapete presidencial.


Publicado originarimaente no jornal O DIA, em 05/01/2019, pag. . Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2019/01/5608060-joao-batista-damasceno--oligarquia-laranja.html#foto=1


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