terça-feira, 14 de maio de 2019

A máfia dos reboques


Na noite que de 13 de dezembro de 1968, foi decretado o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que suprimiu as liberdades no Brasil. A voz do vice-presidente da República, Pedro Aleixo, foi a única que se levantou contra. Ele disse ao general Costa e Silva: “Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país; o problema é o guarda da esquina”. O AI-5 lançou o país numa noite de terror por dez anos. A pretexto de combater a oposição operária e de esquerda disseminaram-se grupos denominados “Esquadrões da Morte”, praticantes de extorsões, corrupção e sequestros para financiarem suas atividades. Já existia no Brasil grupos estatais autorizados a matar. Mas, este período se caracteriza pela ascensão do que hoje chamamos milícias.
Com o AI-5 todas as garantias da cidadania foram suprimidas. Tudo era arbítrio. O presidente legislava por decretos-leis, intervinha nos Estados e municípios sem limitações, os direitos políticos podiam ser suspensos, os mandatos parlamentares cassados e o parlamento fechado, as publicações, os filmes e as músicas estavam sujeitos a censura prévia e manifestações eram proibidas. Os atos do regime não podiam ser apreciados pelo Poder Judiciário.
Se o arbítrio nas altas esferas de poder é perigoso, mais pernicioso é o poder do guarda da esquina, porque sem senso de proporção e responsabilidade. Busca nas redes sociais noticiam o que se chama “máfias dos reboques”, capazes de guinchar veículos regularmente estacionados, às vezes com apoio de pessoas uniformizadas não integrantes dos quadros dos órgãos titulares dos uniformes usados. Nesta semana a imprensa denunciou guardas empurrando carros regularmente estacionados para áreas proibidas para posteriormente multá-los e rebocá-los.
Aos sábados, no estacionamento público existente na Rua Erasmo Braga, quadrilátero entre a Avenida Presidente Antônio Carlos, Fórum do Rio de Janeiro, Escola da Magistratura (EMERJ), ex-procuradoria do Estado, e Secretaria de Administração guardas municipais costumam rebocar veículos regularmente estacionados. Durante a semana é uma via crucis trafegar pelo local. Um guarda municipal - às vezes encostado na banca de jornal, noutras ao lado da carrocinha de cachorro quente - costumava ajudar a tumultuar o trecho. Veículos, inclusive táxis, ficam estacionados por toda parte, fora das vagas. Aos sábados não há expediente em tais órgãos e poucos veículos por lá estacionam, salvo quem busca o plantão judiciário. A justiça funciona 24 horas por dia e todos os dias do ano.
No sábado passado, dia 04, um guarda e um reboquista faziam a festa. Indagado disse que embora veículos estivessem estacionados dentro das vagas não ostentavam cartão de identificação e que seriam rebocados. Foi preciso chamar um policial militar da segurança do tribunal e informar a ilegalidade que se praticava e ordenar que fosse o agente municipal preso em flagrante por desobediência se insistisse em rebocar veículos que estavam autorizados a parar naquele espaço. O guarda e o reboquista foram embora de cara feia. O reboquista com cara mais feia que o guarda. As taxas de reboque e estada no pátio municipal devem ter feito falta. Já oficiei para a direção da Guarda Municipal e SEOP relatando ilegalidades presenciadas. Nunca recebi resposta. A ordem para as ilegalidades deve ter hierarquia. Mas, a sociedade pode recorrer. Ainda há juízes no Brasil, inclusive no plantão judiciário!



Publicado originariamente no jornal O DIA, em 11/06/2018, pag. 8. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2019/05/5641216-joao-batista-damasceno--a-mafia-dos-reboques.html


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