Um professor foi preso em Goiás porque seu carro continha plotagem com palavras de desapreço político, dentre elas “Fora!” e “Genocida”. Um policial ordenou que se retirasse o adesivo, sob o fundamento de crime de calúnia descrito na Lei de Segurança Nacional (LSN).
Genocídio é o
extermínio deliberado de pessoas, motivado por diferenças étnicas, nacionais,
raciais, religiosas e sociopolíticas. O objetivo do genocídio é o extermínio de
um grupo social; é um tipo de limpeza étnica. Tanto a convenção para a
prevenção e a repressão do crime de genocídio, de 1948, quanto o Estatuto de
Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI), de 1998, contêm definição
idêntica. O crime de genocídio é definido no Brasil pela Lei.
A CPI da Covid
já nos indica que houve opção pela imunização do rebanho, mediante contágio, ao
invés da imunização pela vacina. Foi uma opção política, cujos objetivos
precisamos investigar. Em março do ano passado, diante da previsão de que
ocorreriam mortes generalizadas entre os idosos, se o vírus não fosse contido,
a Superintendente de Seguros Privados/Susep teria dito: “É bom que as
mortes se concentrem entre os idosos. Isso melhorará nosso desempenho
econômico, pois reduzirá nosso déficit previdenciário”.
Se o governo
fez opção pela morte de idosos e pessoas com comorbidades visando a reduzir os
gastos com a Previdência ou com o SUS é evidente que estamos diante de crime.
Tecnicamente não é genocídio; é crime contra a humanidade.
A definição legal
do crime de genocídio não tem correspondido ao uso coloquial em discursos de
manifestantes. A tentativa de extermínio da população indígena ou quilombola
para apropriação de suas terras ou das riquezas que nela se encontrem pode ser
definido como genocídio. De idosos e pessoas com comorbidades, não. O Estatuto
de Roma admite como crimes contra a humanidade os atos desumanos de assassinato
e extermínio ou os cometidos em ataques deliberados, como o são as chacinas à
luz do dia nas favelas cariocas. O extermínio de idosos e pessoas com
comorbidades, por razões econômicas, é crime contra a humanidade.
Para
caracterizar crime contra a humanidade é necessário que a conduta seja
generalizada ou sistemática contra parcela da população civil, além de
corresponder a uma política de Estado ou de uma organização que promova essa
política. E isto parece não faltar nas práticas governamentais.
Qualificar quem
tenha cometido crime contra a humanidade como genocida não é crime de calúnia,
como interpretou Sua Excelência, o sargento Goiano, do alto de seu oculto
saber. Caluniar é imputar falsamente fato definido como crime. Tem que ser
'fato' e 'falso'. Se for verdadeiro não é crime de calúnia. Difamar é a
imputação de fato não criminoso ofensivo à reputação.
A qualificação
depreciativa, mesmo que ofensiva, não está prevista na Lei de Segurança
Nacional. Opinião ou conceito desfavorável da crítica literária, artística,
científica ou política não caracteriza crime de injúria. Pode ferir o ego do
destinatário, mas não é crime. E mesmo que haja a exclusiva intenção de
insultar, se o ofendido for o presidente da República somente se procede por
requisição do Ministro da Justiça e não pela ação voluntariosa do guarda da
esquina em suas manifestações abusivas.
A qualificação
de alguém como genocida não é atribuição de fato. Fato é ocorrência concreta no
mundo natural. Um adjetivo não designa fato, pois apenas indica qualidade de um
ser. O sargento cometeu crime de abuso de autoridade e poderia ter sido preso,
ante indevido cerceamento do direito de ir e vir do professor. E isto ainda
pode ocorrer.
Esta semana eu
havia previsto falar sobre o retorno às aulas na rede pública de ensino do
Estado e Município do Rio de Janeiro, sem a vacinação da integralidade dos
professores e funcionários. Mas, a hermenêutica do policial goiano, que deveria
ter arranjado um outro com igual sentimento e decepção para formar uma dupla
sertaneja, tomou a minha atenção. Mas, impor que professores e funcionários
retornem às atividades sem que estejam imunizados, igualmente implica exposição
a risco e pode tornar autoridades estaduais e municipais também sujeitas a
sanções legais.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em
05/06/2021. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2021/06/6158965-joao-batista-damasceno-o-genocida-e-o-guarda-da-esquina.html
Uma aula de Direito propícia e necessária e todos deveriam ler e discutir, dentro do momento atual de tantas distorções, contra o entendimento dos fatos. Obrigada, Damasceno ! Vou compartilhar.
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