Um tipo de
propaganda eleitoral fora da época, a pretexto de fiscalização e denúncia,
ronda o país. Trata-se de atuação ilícita de parlamentares, sem autorização das
respectivas casas a que pertencem. No auge da pandemia causada pelo Sars-Cov-2,
o incitamento por autoridade pública apurado na CPI da Covid, atiçou a
irracionalidade dos que invadiram hospitais para conferir a quantidade de
internados. Alguns se arriscaram ao adentrar alas reservadas a pessoas
contaminadas, bem como expuseram pacientes e profissionais de Saúde a riscos,
por ingresso sem a assepsia necessária.
A onda
desrespeitosa, midiática e visando a propaganda eleitoral seguiu para outros
ramos de atividade: escolas, universidades, hospitais psiquiátricos,
repartições públicas, abrigos, aldeamento indígena e moradias coletivas. O “pé
na porta do barraco”, praticado rotineiramente por agentes do Estado em favelas
e periferia, onde o direito constitucional à inviolabilidade do domicílio é
letra morta, tem levado vereadores e deputados a se comportarem com igual
desrespeito em relação a cidadãos usuários dos serviços públicos e aos
servidores que prestam os serviços.
A pretexto de
exercer seus mandatos, não faltam parlamentares, em ação midiática
caracterizadora de propaganda eleitoral extemporânea, expondo indevidamente, em
suas redes sociais, imagens captadas sem autorização. Alguns chegam a se
vestir, juntamente com seus assessores e seguranças, como se fossem uma
‘milícia fardada’ ou grupamento paramilitar, em violação à Constituição que
veda o uso de uniforme por grupos políticos.
O controle dos
atos da administração pública pode ser feito pelos escalões superiores,
mediante controle interno, ou de um poder sobre o outro, mediante controle
externo. As comissões parlamentares diversas e as CPIs são instrumentos de
controle que tanto pode ser interno quanto externo. Não se confunde com a
atividade midiática de indivíduo ocupante de mandato em afronta aos demais
órgãos da administração pública.
As atuações
institucionais devem ser desempenhadas com observância das leis que conferem as
funções aos órgãos e agentes. Nenhum agente público pode pendurar a identidade
funcional no pescoço e sair atuando como super-herói fora dos limites legais. A
lei que define os crimes de abuso de autoridade é textual e aqueles que agem
como justiceiros podem ser, com base nela, apenados. É crime de abuso de
autoridade “invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da
vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas
mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições
estabelecidas em lei”.
A invasão de
qualquer imóvel torna o parlamentar abusado sujeito à perda do mandato, por
decisão da própria casa a que pertença ou do Poder Judiciário. A exposição de
imagem de crianças ou adolescentes igualmente é ilícita, assim como é indevida
a exposição da imagem de alunos, professores, pacientes hospitalares e
profissionais de Saúde. Além da atividade legislativa, o parlamento tem a
prerrogativa de fiscalização dos atos do poder público.
Mas, tal
atuação há de ser institucional, ou seja, quando atribuída ao parlamentar pela
Casa da qual faça parte. Os membros do Poder Legislativo podem atuar
individualmente ou em comissões, mas sempre que lhes for atribuída tal função
por resolução do órgão a que pertençam. Nunca no exercício das próprias razões.
A indevida
atividade de parlamentar, sem expressa atribuição da Casa a que pertença,
ameaçando funcionários, filmando e expondo a imagem de pessoas e se
manifestando com falta de urbanidade, caracteriza crime, improbidade
administrativa, falta de decoro parlamentar e ilícito eleitoral. A propaganda
eleitoral fora de época enseja a reprimenda da Justiça Eleitoral. Uma das
consequências é o indeferimento de candidatura futura.
A mesma
Constituição que atribui poderes aos agentes políticos do Poder Legislativo
para a fiscalização dos atos da administração os delimita, assegura a todos o
direito à honra, à imagem, a inviolabilidade do domicílio e a liberdade de
exercício profissional, bem como veda tratamento degradante e humilhante. Os
agentes públicos, inclusive os parlamentares, estão sujeitos a conjunto de
deveres esculpidos na ordem jurídica e podem ser apenados por suas ilicitudes.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 23/10/2021, pag. 14. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2021/10/6260542-joao-batista-damasceno-parlamentares-propaganda-eleitoral-ilicita-e-abuso-de-autoridade.html
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