O governador Cláudio Castro anunciou um aumento salarial para a Polícia
Militar e Corpo de Bombeiros. Mais de 46 mil militares terão direito a uma
gratificação correspondente a 150% do soldo já na folha salarial de janeiro, a
ser paga em fevereiro. A Polícia Civil ficou de fora do aumento e apenas terá
direito à recomposição parcelada, deferida a todos os funcionários do Estado
após embate com o legislativo.
O governador postou mensagem nas redes sociais dizendo que “se pudermos
valorizar ainda mais os nossos bombeiros e policiais militares, faremos. Não
mediremos esforços para garantir mais conquistas para a Segurança Pública”.
Inegável o direito de tais trabalhadores ao reconhecimento de seus trabalhos,
mas a declaração do governador restringe o conceito de segurança aos servidores
militares, excluindo até mesmo a Polícia Civil da área de Segurança.
Mais que o reconhecimento pelo tipo de atividade que vem sendo
desenvolvida pela policia fluminense, cuja violência tem se exponenciado ano a
ano, o que está em jogo é um projeto político alinhado com o governo federal.
No âmbito federal o presidente Bolsonaro fez incluir no orçamento deste ano
reajuste salarial apenas para as Polícia Federal e Polícia Rodoviária, base
bolsonarista do funcionalismo. Várias categorias de funcionários federais
reagiram à discriminação, e isto pode inundar o Judiciário com milhares de
ações requerendo a isonomia, além de outras medidas pelos servidores.
A tomada de parcela armada do funcionalismo como base política pode ser
medida que desorganiza o serviço público e pode ser danosa para a ordem
democrática e para as instituições. No início de 2020, no Estado do Ceará
governado por opositor do presidente, policiais militares iniciaram motim com
ofensa à integridade física e risco à vida de quem se opunha ao movimento. O
então ministro Sergio Moro visitou o estado e sua presença mais pareceu apoio
aos amotinados. Não se tratava de greve, pois agentes públicos armados não
fazem greve, mas comentem crime de motim, rebelião ou sedição. Todos estes
crimes consistem em afronta à ordem legal estabelecida a quem devem assegurar.
O projeto militar de poder que remanesceu após a redemocratização
impregna o conceito de que os policiais militares e bombeiros militares são os
responsáveis pela Segurança pública. São forças auxiliares do Exército. Neste
sentido, Segurança pública é repressão e violência, e nela não se enquadram
outros serviços públicos preventivos da insegurança. Tampouco se enquadra a
Polícia Civil e sua área técnica, responsável pelas investigações dos crimes e
pelas perícias indispensáveis à elucidação de determinados crimes. O
desprestígio da área investigativa em relação à repressiva propicia a
discrepância salarial onde um soldado iniciante, no Rio de Janeiro, tenha
ganhos superiores a um inspetor da Policia Civil com dez anos de serviço.
No conceito de Segurança pública vigente, somente quem a faz é quem está
na rua promovendo o enfrentamento, ainda que os bombeiros não sejam parte desta
atividade quando em serviço oficial. Assim como o governo federal, o governo
estadual privilegia os servidores militares em detrimento dos servidores civis.
A investigação dos homicídios não é privilegiada e por isto os inquéritos
acabam arquivados com a sigla A.I. (autoria ignorada). Poucos homicídios das
dezenas de milhares anuais no Brasil são elucidados por investigações.
O modelo de Segurança pública instituído em nossa sociedade, seja no
âmbito federal ou estadual, valoriza a violência e a repressão e mesmo dentro
das instituições policiais os órgãos de maior periculosidade são privilegiados.
No Rio de Janeiro tanto o Bope, da Polícia Militar, quanto a Core, da Polícia
Civil, recebem gratificação não deferida aos demais policiais.
A polícia castrense é a polícia da repressão e da violência, compatível
com a incivilidade dos tempos presentes. Não que a Polícia Civil fluminense
igualmente não tenha departamento para exercício da violência. A chacina do
Jacarezinho em maio de 2021 demonstra que ela igualmente tem grande capacidade
letal. A valorização dos servidores públicos em geral, pois todos
indispensáveis aos administrados, e a ampliação do conceito de Segurança
pública, para além do restrito conceito repressivo e violento, é o que nos
propiciará uma cultura humana, fraterna e solidária onde convivamos
civilizadamente.
Publicado em 15/01/2022. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2022/01/6317270-joao-batista-damasceno-policia-castrense.html
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