As referências às Sete Maravilhas do Mundo Antigo nos dão dimensão do
que foram capazes povos que viveram milhares de anos antes de nossa existência.
Além das sete escolhidas outras poderiam ser incluídas, dentre as quais as
construídas pelos nativos americanos e povos africanos. As pirâmides do Egito
são um assombro. Igualmente o são a Muralha da China e as construções no Peru,
notadamente Machu Picchu. O declínio das sociedades que produziram tais
grandiosidades nos mostra que as sociedades têm seus apogeus, mas também
declinam. Os valores que inspiram um povo numa determinada época podem não
subsistir e serem capazes de inspirar as gerações subsequentes. Civilizações
podem revisitar a barbárie.
O Código de
Hamurabi, mais antigo texto de defesa dos direitos humanos que se tem notícia
na história da humanidade, foi editado há cerca de 3.800 anos, 1.200 anos antes
da construção dos Jardins Suspensos da Babilônia. Nada resta dos jardins de
Nabucodonosor a não ser a geografia desértica na qual se situava e onde
empresas dos EUA subtraem petróleo depois da brutal invasão do Iraque.
No Brasil,
depois de um longo período considerando-nos país do futuro e com largos
progressos, que se acentuaram com a Revolução de 1930 e Getúlio Vargas e com os
avanços da Era JK, que promoveu 50 anos em 5, desistimos do pacto
civilizatório. Da Era JK resta-nos a política de extermínio, inaugurada com o
general Amaury Kruel, que instituiu o primeiro grupo de policiais autorizados a
matar, quando chefe do Departamento Federal de Segurança Pública, em 1957.
De lá para
cá, notadamente a partir de 1964, instituiu-se o desrespeito aos direitos da
pessoa humana, torturas, mortes e desaparecimentos de opositores. Além disto,
multiplicaram-se os esquadrões da morte, grupos de extermínio, mãos brancas,
justiceiros e por último as organizações paramilitares denominadas milícias.
As milícias
não são grupos alheios ao Estado. Assim como nos recentes conflitos internacionais
os Estados beligerantes têm utilizado mercenários e forças privadas
uniformizadas como se fossem Exército regular, tais grupos atuam a partir de
dentro da estrutura do Estado, sem o que já teriam sido enquadrados e cessadas
suas atividades. O livro ‘A República das Milícias: Dos esquadrões da morte à
era Bolsonaro’ nos dá um panorama de tal realidade; o assassinato da juíza
Patrícia Acioli por agentes do Estado, com arma e munição do Estado, porque
julgava tais grupos e os condenava, é demonstrativo dela.
A barbárie
impera e é comemorada. Depois de amanhã, dia 14, completarão quatro anos do
assassinato da vereadora Marielle Franco, sem que se tenha esclarecido quem a
mandou matar. Talvez jamais saberemos. A execução da jovem vereadora ocorreu no
27º dia da intervenção federal na área de Segurança do Rio de Janeiro que teve
como interventor o atual ministro Braga Neto. Se o assassinato de Marielle
tivesse sido considerado uma afronta à intervenção o crime teria sido
integralmente esclarecido. Mas ao contrário, se tornou símbolo de deboche com
quebra de placa na qual constava o nome da vítima. Os autores da barbárie
emolduraram a placa e a ostentam até a presente data.
O ano de
2018 foi um ano emblemático da História do Brasil. Foi o ano no qual se
consolidou um golpe contra as instituições democráticas e contra o Estado de
Direito. A mídia e instituições custaram a compreender o que se tramou e se
executou. Somente quando ameaçadas as instituições se desvincularam do projeto
em andamento. O cerco ao prédio do STF, as manifestações em frente a quarteis e
os ataques à magistratura demonstraram do que são capazes os que não têm apreço
pelos valores civilizatórios consagrados na Constituição de 1988.
Não se pode
afastar a hipótese de que o atentado à Marielle compusesse um projeto político,
tal como foram as bombas que explodiam pelo Rio de Janeiro nos estertores da
ditadura empresarial-militar, até o dia no qual uma delas explodiu no colo dos
terroristas oficiais no Riocentro em 30 de abril de 1981.
No último dia 8, Dia Internacional da Mulher, que evoca data de luta das
mulheres operárias por redução da jornada de trabalho e outros direitos, dentre
os quais o direito de voto, a foto do pedaço de placa emoldurada, segurada
pelos dois deputados que a quebraram, foi novamente postada nas redes sociais.
Trata-se de um gesto desumano que tripudia sobre a dor da família que até hoje,
decorridos quatro anos, não tem resposta sobre o motivo ensejador de tal
assassinato. A indiferença à dor alheia expressa o declínio das sociedades rumo
à barbárie. Mas ainda é possível reverter.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 12/03/2022. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2022/03/6356041-joao-batista-damasceno-destamparam-o-bueiro-da-barbarie.html
Falam tanto em Deus, mas caminham ao lado do satanás.
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