Napoleão III foi o primeiro
presidente eleito diretamente pelo voto popular na França, na metade do século
XIX. Impedido de concorrer à reeleição, deu um golpe e depois se proclamou
imperador. Acreditava ser possível governar acima dos interesses dos setores
que compõem a sociedade. E claro, sucumbiu!
Apoiado pelo clero e pelas
Forças Armadas, Napoleão III descuidou dos interesses concretos da sociedade.
Para satisfazer as massas empreendeu políticas assistenciais, gastando mais que
o erário permitia. No exterior, pretendeu ampliar o poder da França. É do seu
período a expressão América Latina. Foi uma tentativa de se contrapor aos
interesses dos Estados Unidos que, na divisão neocolonialista do mundo, que
pretendiam a América para os americanos, ou seja, a América do Norte, do Sul e
Central deveriam ficar sob a influência estadunidense.
Dentre as atuações
imperialistas, como a participação na Guerra da Crimeia de 1854 a 1856 que hoje
se reacende em nova versão no conflito da Rússia com a Ucrânia, Napoleão III
pretendeu entronizar Ferdinand Maximiliano de Habsburgo como Imperador do
México.
As ambições expansionistas da
França não surtiram bom resultado. A história registra que Ferdinand
Maximiliano foi um golpista a serviço de outro golpista, o próprio Napoleão
III. Ferdinand Maximiliano era austríaco da Casa de Habsburgo, era primo de D.
Pedro II; seu pai era irmão da Imperatriz Leopoldina, mãe de Dom Pedro II. O
amarelo da bandeira brasileira, que muitos se enrolam como se fosse símbolo
nativo nacional, é referência à cor daquela casa imperial europeia: o amarelo
de Habsburgo, assim como o verde se refere à casa portuguesa de Bragança.
Como os EUA estavam
totalmente arrasados em decorrência da Guerra de Secessão, que aboliu a
escravatura, Napoleão III acreditou que seria possível restaurar a presença
francesa no continente americano se contrapondo aos interesses da Inglaterra.
Foi neste cenário que um austríaco foi levado ao México para ser imperador de
um povo e de um país que não conhecia. Demagogicamente se esforçou para se
aproximar do povo e usava roupas nativas nas cores locais, se enrolava na
bandeira do México e aprendeu a falar espanhol. Mas, não tinha condições de
atender aos interesses concretos dos diversos grupos sociais: clero,
conservadores e liberais.
O clero reivindicava a
devolução das terras que se achava dono desde que ocupara o México e ajudara a
dizimar os Astecas, apropriando-se dos seus valores materiais e imateriais. Por
não poder atender a todas as exigências do clero e tendo que tomar algumas
medidas contra os conservadores para conquistar o apoio das massas, Maximiliano
perdeu o apoio destes setores. Os liberais sempre o consideraram um usurpador.
Sem demora, o imperador austríaco no México, entronizado por Napoleão III, foi
colocado diante de um pelotão de fuzilamento.
A primeira referência que se
tem registrada dos brasileiros como pessoas cordiais é de Ferdinand
Maximiliano. Ele a escreve para o primo D. Pedro II dizendo que mexicanos e
brasileiros eram homens cordiais e que os impérios deveriam se apoiar
reciprocamente. Veio ao Brasil visitar o primo, mas não contou com o apoio do
imperador brasileiro, muito mais preocupado em manter seu trono e as relações
com a Inglaterra.
É da troca de correspondência
do cônsul brasileiro na França, Ribeiro Couto, com o embaixador do México no
Brasil, Alfonso Reyes, que a expressão homem cordial se popularizou. Ribeiro
Couto, autor do romance Cabocla, escreveu ao embaixador mexicano no Brasil que
não somos nativos, nem africanos, nem ibéricos. Somos um novo povo, resultante
de muitos povos e nossa contribuição ao mundo seria o homem cordial.
O tema foi apropriado por
Sérgio Buarque de Holanda autor de Raízes do Brasil, gerando debate com
Cassiano Ricardo para quem a cordialidade não era bondade, mas comportamento
não balizado pela racionalidade. Tanto a bondade quanto o ódio podem ser
cordiais. Cordial vem de cordis e expressa comportamentos ditados pelo coração,
diversos dos comportamentos racionais decorrentes do uso do cérebro.
Talvez sejamos mesmo
cordiais, no sentido empregado por Cassiano Ricardo. Daí a cultura do ódio que
se alastra no presente momento. Em fim de campeonato de futebol e em períodos
eleitorais a venda de ansiolíticos deve diminuir. O povo se entorpece com a
torcida pelo time ou pelo candidato preferido, mesmo que sejam candidatos que
preguem o ódio e atuem contra os seus reais interesses. Sem fazer parte do time
em campo ou da cartolagem, os torcedores se esgoelam contra os seus próprios
interesses atuais e futuros.
Mas analisando o período
bonapartista, um filósofo escreveu que os fatos e personagens da história
ocorrem duas vezes: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. A
história do Imperador Maximiliano foi um episódio trágico da história do
México.
Publicado originariamente no jornal O
DIA, em 10/09/2022, pag. 14. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2022/09/6482275-joao-batista-damasceno-a-irracionalidade-contra-os-proprios-interesses.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário