sábado, 8 de fevereiro de 2025

O preço dos alimentos e o neoliberalismo

 


A economia brasileira tem se fundado na exportação de commodities, ou seja, matéria-prima produzida em larga escala, negociada mundialmente, em estado bruto ou pouco industrializada e estocável em grande quantidade. São matérias-primas básicas, não processadas industrialmente, servindo para a produção de produtos mais complexos e de maior valor agregado. O que agrega valor à matéria prima é o trabalho humano. Se exportamos matéria prima, possibilitamos a criação de empregos nos países destinatários e deixamos de criar em nosso país.

Ao longo de sua história a economia brasileira esteve voltada para suprir as potências mundiais de matérias primas. Nosso gentílico, qualidade pela qual somos conhecidos, decorre da atividade dos exploradores de pau brasil que o levavam para a Holanda, onde era triturado para produzir tinta. Brasileiro é a profissão de quem extraía, transportava ou vendia pau brasil. Deveríamos ser brasilienses ou brasilianos. O sufixo eiro designa profissão e não local de nascimento: carpinteiro, pedreiro, açougueiro, verdureiro, cozinheiro etc. Fomos designados pela atividade econômica originária e não pelo local no qual nascemos.

Depois do pau brasil veio o ciclo da cana, produzindo-se açúcar para adoçar a vida dos europeus, em seguida a descoberta do ouro nas minas do interior do Brasil deu origem aos mineiros, e depois veio o ciclo do café. Hoje exportamos soja, café em grão, carne bovina e minério de ferro em estado bruto. A exportação de commodities não favorece o desenvolvimento.

Getúlio Vargas buscou a industrialização do Brasil criando a estrutura básica para o desenvolvimento autônomo, tentando retirá-lo da periferia do sistema internacional, porque dependente dos países centrais do capitalismo estaremos consagrados à subordinação. Vargas criou a base industrial: a Companhia Siderúrgica Nacional, a Petrobrás e deu o pontapé inicial para a criação da Eletrobrás instalada em 1962 pelo Presidente João Goulart. Mas adveio o Golpe Empresarial-militar de 1964 e o Brasil tomou novo rumo.

A redemocratização do Brasil e a Constituição de 1988 deram esperanças de retomada de rumos. Mas a classe dominante brasileira, aliada ao capital internacional, e os lacaios da burocracia estatal e da classe política fisiológica desnaturaram a Constituição Cidadã e pouco resta do seu texto original. Da sua edição em 05/10/1988 até 20/12/2024 foram 135 emendas constitucionais, algumas de duvidosa constitucionalidade.

Tratando dos fundamentos da República, seus fundamentos e princípios para a regência das relações internacionais previa a Constituição: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho; o pluralismo político; a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza, da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais; a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; independência nacional; a prevalência dos direitos humanos; a função social da propriedade; a defesa do consumidor; a defesa do meio ambiente; a busca do pleno emprego, além da erradicação do analfabetismo; a universalização do atendimento escolar; a melhoria da qualidade do ensino; a formação para o trabalho e a promoção humanística, científica e tecnológica do País.

O país democrático pensado por Ulisses Guimarães está em seu discurso de promulgação da Constituição de 1988 quando disse que "Traidor da Constituição é traidor da pátria. (...) Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. (...) O Estado prendeu e exilou. A sociedade, com Teotônio Vilela, pela anistia, libertou e repatriou. A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram.”

Os rumos tomados pelo Brasil são diferentes dos pretendidos pelos Constituintes e declarados no discurso de Ulysses Guimarães. As emendas constitucionais são aprovadas sem consideração ao que previa o poder constituinte originário. A Constituição diz que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Quando o povo o exerce diretamente tal vontade se sobrepõe à vontade dos seus representantes. O povo brasileiro decidiu, em plebiscito, entre presidencialismo e parlamentarismo. E venceu o presidencialismo. Mas navega a todo o vapor uma emenda constitucional para instituir o semipresidencialismo no Brasil.

O objetivo de erradicar a miséria e a fome foi esquecido, salvo por políticas assistenciais. Os estoques reguladores que o Estado criava para ofertar produtos e baixar o preço quando por algum motivo os preços se elevassem, foram extintos. Rege o preço dos alimentos a neoliberal lei do mercado onde a redução da oferta, por qualquer motivo, força a alta dos preços ante a manutenção da procura. Afinal, comer é uma necessidade biológica. E não é de hoje. Sob a gerência do ministro neoliberal Paulo Guedes o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro extinguiu os estoques públicos e em 2022, último ano de seu governo, os alimentos aumentaram 11,64%, mais que o dobro da inflação oficial que foi de 5,79%. Mas não adianta praguejar o malfeito. É preciso fazer diferente, sob pena de perder-se a confiabilidade e tornar o país propenso à crença em boatos e fake News.

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 08/02/2025, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/02/6999838-joao-batista-damasceno-o-preco-dos-alimentos-e-o-neoliberalismo.html

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