Quando será posto em liberdade um preso após ser reconhecida
a ilegalidade de sua prisão e decretada judicialmente sua soltura? Eis o dilema
das famílias! Familiares, por vezes, aguardam dias na porta de uma instalação
prisional a soltura de quem sai sem meios até para custear o transporte de
volta para casa. Dispõe a Constituição, como direito fundamental, que é
assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; que às
presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus
filhos durante o período de amamentação; que ninguém será processado nem
sentenciado senão pela autoridade competente; que ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; que aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa; que são inadmissíveis, no processo, as provas
obtidas por meios ilícitos; que ninguém será considerado culpado até o trânsito
em julgado de sentença penal condenatória; que o civilmente identificado não
será submetido a identificação criminal; que ninguém será preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente; que a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele
indicada; que o preso será informado de seus direitos, dentre os quais o de
permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado,
bem como que o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua
prisão ou por seu interrogatório policial. Além destes direitos há outro
importante: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir
a liberdade provisória”. Para assegurar tais direitos a Constituição impõe aos
magistrados: “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade
judiciária”. Trata-se de uma garantia da cidadania e um dever de os magistrados
relaxar a prisão ilegal.
No Estado do Rio de Janeiro, a Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária/SEAP, tem até “Guardião”, um aparelho para
intercepção de conversações telefônicas. Mas negligencia meios para imediato
cumprimento das decisões judiciais. Vivemos tempos estranhos. Ao longo das
últimas semanas li e assisti a manifestações de autoridades e agentes do
sistema de segurança propondo a desobediência às determinações judiciais,
notadamente das decisões contidas na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental/ADPF 635, onde o Supremo Tribunal Federal (STF) analisará a adoção
de um plano para redução de mortes nas operações policiais. Na ação, o Partido
Socialista Brasileiro (PSB) afirma que a política de segurança pública em nosso
Estado, “em vez de buscar prevenir mortes e conflitos armados, incentiva a
letalidade da atuação dos órgãos policiais”.
O aparato repressivo é profundamente eficiente. O orçamento
da área de segurança é, por vezes, superior ao orçamento das áreas de saúde e
educação juntas. Ainda que tais despesas obedecessem aos princípios
constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade, falta publicidade
(transparência) e eficiência. Administrar é gerir a escassez. Portanto, a opção
pela despesa e a execução orçamentária precisa levar em consideração o
benefício a se obter com o gasto correspondente.
O sistema é eficiente para criminalizar, mas não para
desfazer ou reparar injustiças. Quando estudante ouvia uma frase latina que
dizia: “in dubio pro reo”, ou seja, na dúvida, decide-se a favor do réu. Tal
princípio haveria de orientar a área tributária (em dúvida pró-contribuinte) e
a própria relação cidadão-Estado (em dúvida pró-cidadão). Afinal, numa
república democrática todo o poder emana do povo. O Estado é constituído pelos
cidadãos. Diversamente, nos estados autocráticos, próprios das ditaduras ou como
já foram os Estados justificados pela Teoria do Poder Divino dos Reis, a
cidadania decorria da benesse do Estado aos súditos.
As relações sociais são permeadas por conflitos de
interesses. Inexiste direito ou liberdade na natureza, onde os conflitos são
resolvidos pela lei do mais forte. As leis e os princípios decorrem da cultura
e da civilidade. Portanto, a existência de conflito entre quem decide e quem
deveria dar cumprimento à decisão é imprópria. Quando ocorre entre poderes do
Estado é expressão de desarmonia ou violação da independência entre eles.
Quando ocorre entre quem tem o dever de decidir e quem deveria cumprir a decisão
é desobediência, motim, insubordinação, rebelião, sublevação, insurgência ou
outra qualquer anomalia institucional demonstrativa da incivilidade. Quando o
juiz decide pela liberdade de um preso não pode a SEAP, seu “policial
classificador”, nem o Oficial de Justiça, postergar por dias o cumprimento da
ordem judicial. Nós os juízes, eu inclusive, decidimos, mas nem sempre temos
como acompanhar o efetivo cumprimento de nossas decisões.
Nem sempre o que decidimos é imediatamente cumprido. Estando
no 32º ano de efetivo serviço jurisdicional na magistratura fluminense, já o
vivenciei por milhares de vezes. Em se tratando de polícia, seja ela civil,
militar ou penal (penitenciária), seu controle externo compete ao Ministério
Público. Já vi estampado em jornais o pronto cumprimento de mandados de prisão
e de busca e apreensão por mim expedidos. Igualmente, pela mídia, já tomei
ciência de imediato cumprimento de alvarás de soltura, de presos com elevado
poder aquisitivo. Falta-me ciência, pela mídia, do tempo transcorrido entre a
decisão de soltura de um pobre e sua efetivação. Passarei a exercer este
controle. Não adianta ordenar. É preciso aferir se o que foi ordenado foi
cumprido.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 08/02/2025, pag.
12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/03/7016131-joao-batista-damasceno-os-pobres-e-o-cumprimento-dos-alvaras-de-soltura.html
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