A caçada aos imigrantes nos EUA propiciou a prisão da juíza
Hannah Dugan, no estado do Wisconsin, acusada de facilitar a fuga de um
perseguido pelo serviço de imigração. Juízes estadunidenses criticam o trabalho
da imigração, pois a detenção de imigrantes, quando nos tribunais, os leva a
recusarem comparecimento em audiências como testemunhas e mesmo quando vítimas.
Por todo o mundo os marcos civilizatórios sofrem ataques. A ofensiva aos juízes
e a criminalização da jurisdição não fica de fora da sanha neofascista. Até
setores autodenominados ‘progressistas’ caem no conto do punitivismo.
No Brasil o poder judiciário se fortaleceu ao longo da
República, mesmo com algumas vacilações e falta de entusiasmo institucional.
João Mangabeira afirmou que o STF foi “o poder que mais falhou” na República,
por não haver cumprido seu papel político-constitucional, apesar da fustigação
de Rui Barbosa. Na Primeira República, até mesmo o controle de
constitucionalidade das leis era por ele recusado. A ilegalidade nas
instituições tanto pode decorrer da exorbitância quanto da omissão. No Império
inexistia controle de constitucionalidade das leis, porque a sanção imperial
excluía qualquer vício do processo legislativo. O decreto que organizou a
justiça federal, quando da Proclamação da República, assegurou ao STF o poder
de interpretar as leis e verificar sua conformidade com a Constituição. Mas os
ministros, oriundos do Império, não assumiam tal poder. Hoje, há na sociedade
quem demonstre estranhamento ao ver o STF exercitando, plenamente, suas
competências constitucionais.
No âmbito dos Estados, os juízes, quando não integrantes do
quadro das oligarquias, estavam sujeitos à sedução ou à vingança. Dentre os
meios utilizados para submeter a magistratura estavam a disponibilidade e a
retenção de vencimentos, disse o ministro do STF Victor Nunes Leal, mineiro de
Carangola. Mas apesar das ameaças, o juiz gaúcho Alcides Mendonça Lima, em 28
de março de 1896, declarou a inconstitucionalidade de uma lei estadual. Em
razão do exercício de sua competência, o Ministério Público recebeu ordens do
governador Júlio de Castilhos para processar o juiz. E o fez alegando que
“ousou o denunciado afrontar o regime constitucional do Estado e arvorar-se em
supremo e original poder moderador”.
O juiz foi condenado pelo tribunal gaúcho. Rui Barbosa emitiu
parecer em sua defesa demostrando que um juiz estadual podia reconhecer a
inconstitucionalidade de lei estadual que contrariasse a Constituição da
República e que não podia ser punido pelo exercício da jurisdição. O STF
reformou a decisão e o absolveu, mas atuou timidamente no caso, esquivando-se
de apreciar a inconstitucionalidade da lei gaúcha em face da Constituição da
República. Um dos votos explicitou a negativa de adentrar ao cerne da questão
da validade da lei estadual gaúcha, sob o fundamento de que o recurso se
restringia ao julgamento do juiz pela sua atividade.
Machado de Assis, também escreveu sobre o tema. Não se pode
pretender que o “Bruxo do Cosme Velho” tivesse familiaridade com o conceito de
supremacia da Constituição, oriunda do ‘poder constituinte’, sobre as leis,
oriundas do ‘poder constituído’. Sem considerar que de decisão judicial se
recorre e não se pode criminalizar a jurisdição, sob pena de esmorecimento do
sistema de justiça, escreveu Machado de Assis em A Semana, no dia 05 de abril
de 1896: “Faço igual reflexão relativamente ao juiz da comarca do Rio Grande,
que, segundo telegramas desta semana, vai ser metido em processo. A causa
sabe-se qual é. Não consentiu o juiz em que os jurados votem a descoberto, como
dispõe a reforma judiciária do Estado; afirma ele que a Constituição Federal é
contrária a semelhante cláusula. Não sou jurista, não posso dizer que sim nem
que não. O que vagamente me parece, é que se o estatuto político do Estado
difere em alguma parte do da União, é impertinência não cumprir o que os
poderes do Estado mandam."
É indiscutível que Machado de Assis é o maior romancista da
literatura brasileira. É denso e enigmático. Sua produção literária abrangeu
praticamente todos os gêneros, incluindo poesia, romance, crônica, dramaturgia,
conto, folhetim, jornalismo e crítica literária. Após sua morte não faltaram
impiedosas acusações à sua memória. Os poucos que o criticaram foram esquecidos
pelo tempo. Silvio Romero disse ter sido “capacho de todos os governos”.
Hemetério José dos Santos disse que, logo que o casamento e a posição social o
levaram para outro ambiente, ao lado de gente branca, desprezara a madrasta,
por ser negra. E Pedro do Couto dizia que sua obra não tinha filosofia ou
psicologia e só lhe restava o mérito de “escrever bem”.
A leviandade dos críticos não lhes permitiu entender a
grandeza da obra de Machado de Assis. No último dia 21 comemoramos 186 de seu
nascimento. Sua obra precisa ser lida e estudada e seus equívocos pessoais,
como a defesa da condenação de um juiz pelo exercício de sua atividade,
precisam ser relevados. Se Cristo, considerado filho de Deus, secou uma
figueira porque não tinha fruto, sem considerar se era estação frutífera, por
que condenar Machado de Assis por uma opinião em tema que não era da sua especialidade?
Basta-nos a obra que nos legou. E já é muito. Se tivesse escrito em língua das
potências europeias estaria melhor posicionado mundialmente que Shakespeare,
Cervantes e muitos outros autores clássicos, e somente disputaria o podium com
Dostoievski.
Fonte: Publicado originariamente
no jornal O DIA, em 28/06/2025, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/06/7082553-joao-batista-damasceno-machado-de-assis-e-a-criminalizacao-dos-juizes.html
Machado de Assis ainda é o maior escritor brasileiro considerada a sua obra como um todo.
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