sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Adeus ao amigo Sílvio Tendler!

 Adeus ao amigo Sílvio Tendler!

                                            João Batista Damasceno



As fotos registram dois dos muitos encontros que tive com meu amigo Sílvio Tendler. Todos recheados de ironia, sarcasmo e seriedade. Mas nenhum com sisudez.

O pássaro no meu ombro, na foto à esquerda, é Renè. O nome francês é porque o Silvio não sabia o sexo do animal. Daí que poderia manter o nome quando descobrissem ou ele declarasse ser do sexo masculino, feminino, interssex ou neutro. Sem embarcar no identitarismo, Sílvio ria da situação. Passei longos momentos conversando com Sílvio, com a participação do Renè. Renè participava das conversas e repetia o som que emitíamos ao fim de cada frase. Renè assobiava A Internacional (quando queria). Na maioria das vezes emitia uns sons que não sabíamos o que significava, mas o incluíamos na conversa. E era muito divertido. A foto é de 02 de março de 2024. Numa das internações hospitalares do Sílvio, Renè – sentindo sua falta – saiu pela janela para procurá-lo e nunca mais voltou.

A outra foto registra a exibição e debate do documentário do Sílvio “Os Advogados Contra A Ditadura”. Nela estão o Silvio, a inigualável Eny Moreira, Modesto da Silveira e eu. Sem os três eu me sinto órfão mais uma vez.

Com o Sílvio eu me divertia fazendo coisas sérias. Numa delas foi numa reunião do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), onde ambos éramos Conselheiros Titulares, e uma corja indecente queria punir um idoso que – durante a pandemia – se descuidara e trocara de roupa diante da câmera. O ancião supunha ter desligado a câmera, quando o havia feito tão somente do microfone. Os moralistas, sem ética, queriam compor uma comissão para investigação da conduta do velhinho. Opus-me que os próprios acusadores formassem a Comissão Torquemada para investigação da nudez inadvertida. Retiraram um deles da Comissão Savonarola e incluíram o Sílvio. O Sílvio era o único opositor da formação da comissão e da punição do descuidado ancião.

Ao fim da reunião, satisfeito com a inclusão do Sílvio na Comissão de Investigação por Ato Atentatório à Moralidade dos e das Vestais da ABI, sugeri que a apresentação do Relatório da Comissão de Investigação fosse precedida da apresentação do filme “Toda Nudez Será Castigada”. O Sílvio se escancarou de rir e um escroto, que hoje ocupa cargo de Conselheiro da Presidência da República, nos recriminou, dizendo que aquela comissão era coisa séria.

Nas reuniões que fizeram, para apurar a nudez, o Silvio preparou um parecer que começava relatando o julgamento d`As Bruxas de Salém e outras atrocidades registradas na história, bem como relembrou a história de cada um dos algozes do ancião. Todos se calaram, a comissão encerrou seus trabalhos, não fez qualquer relatório e o assunto jamais voltou a ser comentado nas reuniões da ABI. Em consequência o velhinho que se descuidara e trocara de roupa com exibição online deixou de viver sob a espada de Dâmocles que o sujeitava a situação vexatória. Tratou-se de uma comissão criada, instalada e esquecida, sem ato de encerramento dos seus trabalhos. Era coisa de gente moralista, com a ética própria dos moralistas, ou seja, de gente desocupada que não tinha outra coisa a fazer senão promover o mal-estar a terceiros. Os escrotos são maus e desejam a infelicidade alheia. Este é o sentido do termo.

Não faltaram trapalhadas. Na exibição do filme, também do Sílvio, “Ousar Viver! Histórias da Maria”, no antigo Estação Botafogo, em 11 de março passado, às 18h00, o Sílvio me mandou áudio da porta do cinema: “Estou te esperando! Estou te esperando! Já estou aqui no cinema”. Fui prá lá. Estava nas proximidades e cheguei em minutos. A exibição começaria às 20h00.

Foram muitos os encontros, conversas e provocações com o Sílvio. Todas com muito humor. Nossos últimos desencontros e mensagens foram no início de julho. Num ele reclamou que eu não estava num restaurante que ele esperava me encontrar. Noutro, ele me chamou para ir à sua casa. Mas eu acabara de chegar em casa cansado e fiquei de ir outro dia. Entrei em férias, viajei em julho, retomei às atividades no Tribunal e na universidade em agosto, quando ele já estava internado, e não fui ao seu encontro.

Sílvio não era tímido quando queria reclamar a visita dos amigos. Numa das suas internações eu lhe mandei mensagem perguntando como estava. Ele não disse do seu estado. Disse onde estava e o número do quarto. Fui imediatamente vê-lo. Ao entrar no quarto ele caiu na gargalhada e disse: “Você entendeu que o que eu queria era visita". Rimos juntos.

Rirei toda vez que lembrar das conversas que tivemos. Algumas impublicáveis!

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