domingo, 23 de novembro de 2025

A floração da Palmeira do Amor, que enfeita o Rio





 

No verão de 2020 algumas “palmeiras do amor” localizadas no Aterro do Flamengo floriram. Uma ficava perto da passarela da Marina da Glória e outras em frente ao antigo Hotel Glória, junto ao posto de gasolina. Eu as fiquei namorando. Fui visitá-las enquanto floriam. Durante os meses de janeiro e fevereiro de 2020 eu as visitei várias vezes na espera das sementes.

No início de março de 2020 eu vi que em pouco tempo teria as sementes desejadas. As flores estavam secando e caindo e as sementes que não vingaram já se desprendiam. O próximo passo seria a queda das sementes germináveis, o que poderia durar até um ano a contar do início da floração. Mas em 17 de março foi decretado o lockdown para evitar a propagação do coronavírus e fiquei confinado em casa. Não coletar.

A Palmeira Talipot ou Palmeira do Amor, cujo nome científico é Corypha umbraculifera, floresce apenas uma vez na vida e depois morre. Desta vez a floração foi na primavera. Há nove floridas no Aterro do Flamengo. Cinco estão pelo meio do Aterro, bem perto da praia. Três perto do posto de gasolina em frente ao antigo Hotel Glória e uma entre o Monumento dos Pracinhas e o MAM. Fui visitá-las. As copas carregadas de flores chamam a atenção. No alto das árvores, milhões de pequenas flores amareladas formam uma espécie de grande coroa. Duas delas, que floriram primeiro, já estão secando e soltando os frutos.

A espécie é nativa do sul da Índia e do Sri Lanka e foi introduzida no Aterro do Flamengo na década de 1960 pelo paisagista Roberto Burle Marx. A árvore é rara. E sua floração mais ainda. O motivo da raridade da floração é que demora de 40 a 70 anos para florescer. Antes da introdução no Aterro do Flamengo por Burle Marx, dois exemplares já haviam sido plantados no Jardim Botânico, e – também - floresceram nesta primavera.

O parque tem cerca de 70 palmeiras dessa espécie. Ao longo dos anos de 1960 foram plantadas mais de cem. Algumas palmeiras em floração foram vistas próximas ao MAM, em 1992. Ou seja, menos de 30 anos depois da inauguração do parque, em 1965. Burle Marx morreu em 1994, logo depois. Não chegou a ver a floração da palmeira plantada no seu sítio, em Barra de Guaratiba. Uma semana depois de sua morte ela iniciou o processo de floração.

A árvore pode atingir até 30 metros de altura o que equivale a um prédio de 10 andares. É um raro caso de morte admirada. A palmeira do amor fica bonita antes de se despedir da vida.

Hoje, peguei a bicicleta e fui ao encontro delas. Queria apenas localizá-las e calcular quando poderia apanhar as sementes. Ao chegar uma semente caiu sobre o capacete de ciclista que usava. Pronto! Tive a atenção chamada peça própria árvore de que já era tempo de coleta. Eu não conhecia a semente e fui apresentado da forma mais incomum. Como ameaçava chover tinha levado um saco plástico para proteger o aparelho celular. Deixei de lado a finalidade daquele invólucro e o enchi de sementes.

Enquanto coletava um senhor magro, barbudo e com roupas rotas e sinais de vida sofrida se aproximou e me perguntou se aquelas sementes eram comestíveis. Disse que não. Ele quis saber porque eu as apanhava. Disse que as plantaria e expliquei que árvore era e que somente em 50 anos ela floresce e depois morre. Disse que havia fotografado aquelas que estavam floridas e morriam e que plantaria as sementes para ver nova florada daqui a 50 anos. Ele riu e me disse que não era para ele, porque já tem 67 anos. Eu respondi que tinha mais de 60, mas que esperaria a florada. Afinal, não tenho pressa. Ele riu e me disse: “Se é assim, eu vou esperar também”. E partiu rindo.

Continuei a coleta. Umas senhoras acompanhadas de várias crianças e adolescentes passaram por mim. Era uma família típica da periferia que viera à praia e que a estava deixando porque o tempo se tornara nublado e ameaçava chuva. Um dos meninos se aproximou de mim e perguntou: Isto que o senhor está pegando se come? O menino, magro, olho fundo, tinha a expressão de uns 10 anos. Mas certamente tinha mais idade. O que eles desejavam é que aquilo fosse comestível. Imaginei que tinham fome. Bastou dizer que não era comestível e foram embora. Sequer tive tempo de falar da origem, beleza e outras características da Palmeia Talipot. Quem tem fome tem pressa e não pode parar por questão estética.

Brizola talvez tenha sido o governante que melhor entendeu este país. Ele sabia que tendo comida na escola as crianças não se tornam faltosas. Ao contrário, desejam frequentar até nas férias. Um político “de esquerda”, oposicionista dos CIEPS, tinha presença constante no noticiário de certa empresa de comunicação onde dizia que “escola não é restaurante”. Por ser um professor de história, atribuíam-lhe autoridade para criticar a alimentação escolar.  É verdade que escola não é restaurante, mas pela alimentação podem-se estabelecer vínculos de sociabilidade. E escola não se destina apenas a transmitir conteúdo.

Colhi algumas dezenas de sementes. Já tenho a informação do professor Danilo, coletor de semente que deu aula de ecologia para meu filho desde o jardim de infância, que não deve ser transplantada. É recomendável que seja semeada no recipiente que irá ser colocado na terra. Já busquei outras informações para aumentar a capacidade de germinação. Não me foi possível coletar há 5 anos, por causa do coronavírus, que me impôs reclusão, mas foi possível hoje. Daqui a 50 anos postarei novas fotos, com as floradas que advierem.

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