No verão de 2020 algumas “palmeiras
do amor” localizadas no Aterro do Flamengo floriram. Uma ficava perto da
passarela da Marina da Glória e outras em frente ao antigo Hotel Glória, junto
ao posto de gasolina. Eu as fiquei namorando. Fui visitá-las enquanto floriam.
Durante os meses de janeiro e fevereiro de 2020 eu as visitei várias vezes na
espera das sementes.
No início de março de
2020 eu vi que em pouco tempo teria as sementes desejadas. As flores estavam
secando e caindo e as sementes que não vingaram já se desprendiam. O próximo
passo seria a queda das sementes germináveis, o que poderia durar até um ano a
contar do início da floração. Mas em 17 de março foi decretado o lockdown
para evitar a propagação do coronavírus e fiquei confinado em casa. Não coletar.
A Palmeira Talipot ou Palmeira
do Amor, cujo nome científico é Corypha umbraculifera, floresce apenas
uma vez na vida e depois morre. Desta vez a floração foi na primavera. Há nove floridas no Aterro do Flamengo. Cinco estão pelo meio do Aterro, bem perto da
praia. Três perto do posto de gasolina em frente ao antigo Hotel Glória e uma entre o Monumento dos Pracinhas e o MAM. Fui visitá-las. As copas carregadas de flores chamam a atenção. No alto
das árvores, milhões de pequenas flores amareladas formam uma espécie de grande
coroa. Duas delas, que floriram primeiro, já estão secando e soltando os
frutos.
A
espécie é nativa do sul da Índia e do Sri Lanka e foi introduzida no Aterro do
Flamengo na década de 1960 pelo paisagista Roberto Burle Marx. A árvore é rara.
E sua floração mais ainda. O motivo da raridade da floração é que demora de 40
a 70 anos para florescer. Antes da introdução no Aterro do Flamengo por Burle
Marx, dois exemplares já haviam sido plantados no Jardim Botânico, e – também -
floresceram nesta primavera.
O parque tem cerca de 70
palmeiras dessa espécie. Ao longo dos anos de 1960 foram plantadas mais de cem.
Algumas palmeiras em floração foram vistas próximas ao MAM, em 1992. Ou seja,
menos de 30 anos depois da inauguração do parque, em 1965. Burle Marx morreu em
1994, logo depois. Não chegou a ver a floração da palmeira plantada no seu
sítio, em Barra de Guaratiba. Uma semana depois de sua morte ela iniciou o
processo de floração.
A árvore pode atingir
até 30 metros de altura o que equivale a um prédio de 10 andares. É um
raro caso de morte admirada. A palmeira do amor fica bonita antes de se
despedir da vida.
Hoje, peguei a bicicleta
e fui ao encontro delas. Queria apenas localizá-las e calcular quando poderia
apanhar as sementes. Ao chegar uma semente caiu sobre o capacete de ciclista
que usava. Pronto! Tive a atenção chamada peça própria árvore de que já era
tempo de coleta. Eu não conhecia a semente e fui apresentado da forma mais incomum.
Como ameaçava chover tinha levado um saco plástico para proteger o aparelho
celular. Deixei de lado a finalidade daquele invólucro e o enchi de sementes.
Enquanto coletava um senhor
magro, barbudo e com roupas rotas e sinais de vida sofrida se aproximou e me
perguntou se aquelas sementes eram comestíveis. Disse que não. Ele quis saber
porque eu as apanhava. Disse que as plantaria e expliquei que árvore era e que
somente em 50 anos ela floresce e depois morre. Disse que havia fotografado
aquelas que estavam floridas e morriam e que plantaria as sementes para ver nova
florada daqui a 50 anos. Ele riu e me disse que não era para ele, porque já tem
67 anos. Eu respondi que tinha mais de 60, mas que esperaria a florada. Afinal,
não tenho pressa. Ele riu e me disse: “Se é assim, eu vou esperar também”. E
partiu rindo.
Continuei a coleta. Umas
senhoras acompanhadas de várias crianças e adolescentes passaram por mim. Era
uma família típica da periferia que viera à praia e que a estava deixando
porque o tempo se tornara nublado e ameaçava chuva. Um dos meninos se aproximou
de mim e perguntou: Isto que o senhor está pegando se come? O menino, magro, olho
fundo, tinha a expressão de uns 10 anos. Mas certamente tinha mais idade. O que
eles desejavam é que aquilo fosse comestível. Imaginei que tinham fome. Bastou
dizer que não era comestível e foram embora. Sequer tive tempo de falar da
origem, beleza e outras características da Palmeia Talipot. Quem tem fome tem
pressa e não pode parar por questão estética.
Brizola talvez tenha sido
o governante que melhor entendeu este país. Ele sabia que tendo comida na
escola as crianças não se tornam faltosas. Ao contrário, desejam frequentar até
nas férias. Um político “de esquerda”, oposicionista dos CIEPS, tinha presença constante
no noticiário de certa empresa de comunicação onde dizia que “escola não é
restaurante”. Por ser um professor de história, atribuíam-lhe autoridade para
criticar a alimentação escolar. É verdade
que escola não é restaurante, mas pela alimentação podem-se estabelecer
vínculos de sociabilidade. E escola não se destina apenas a transmitir
conteúdo.
Colhi algumas dezenas de
sementes. Já tenho a informação do professor Danilo, coletor de semente que deu
aula de ecologia para meu filho desde o jardim de infância, que não deve ser transplantada.
É recomendável que seja semeada no recipiente que irá ser colocado na terra. Já
busquei outras informações para aumentar a capacidade de germinação. Não me foi
possível coletar há 5 anos, por causa do coronavírus, que me impôs reclusão, mas
foi possível hoje. Daqui a 50 anos postarei novas fotos, com as floradas que advierem.




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