domingo, 13 de abril de 2014

Defensores e autonomia

“A Defensoria Pública foi instituída para o povo e para a defesa dos interesses dos necessitados, razão da sua existência. Seu funcionamento há de obedecer à representação outorgada ao defensor público que assiste a parte, tornando-se odiosa qualquer ingerência de agentes públicos investidos transitoriamente em cargos de mando, notadamente diante da possibilidade de agirem norteados pelas razões dos governantes.”

Na obra ‘Rei Henrique IV’, de William Shakespeare, o conspirador Ricardo faz planos para sua chegada ao poder e afirma: “A primeira coisa que faremos será matar todos os defensores do povo.” Cooptar ou matar são formas de impedir que aqueles que têm o encargo de defender o povo o façam. Shakespeare, o maior escritor da língua inglesa, morreu no mesmo dia que Miguel de Cervantes, o maior escritor da língua espanhola. Ambos em 23 de abril de 1616. Na obra de ambos, encontramos narrativas de prepotência dos governantes, subornos e injustiça contra os pobres. A defesa dos interesses do povo é o primeiro degrau para o acesso à Justiça e o primeiro direito que os déspotas tentam suprimir.

A Organização dos Estados Americanos (OEA), durante a 41ª Assembleia-Geral, realizada na República de El Salvador, aprovou resolução dispondo sobre as garantias para o acesso à Justiça e o papel dos defensores oficiais. O documento foi o primeiro ato normativo aprovado pela OEA abordando o tema do acesso à Justiça como direito autônomo, que permite exercer e proteger outros direitos, além de impulsionar o papel da Defensoria Pública Oficial como ferramenta eficaz para garantir o acesso à Justiça das pessoas em condição de vulnerabilidade, notadamente em face do capital e do Estado.

A defesa dos assistidos há de ser substancial e efetiva, e não apenas formal. Isto tem levado à postulação de atendimento à recomendação da OEA visando a que sejam adotadas medidas que garantam aos defensores públicos independência e autonomia funcional, afastando-se ingerências de administradores ou governantes sobre as atuações, o que poderia resultar em prejuízo para os assistidos.

A Defensoria Pública foi instituída para o povo e para a defesa dos interesses dos necessitados, razão da sua existência. Seu funcionamento há de obedecer à representação outorgada ao defensor público que assiste a parte, tornando-se odiosa qualquer ingerência de agentes públicos investidos transitoriamente em cargos de mando, notadamente diante da possibilidade de agirem norteados pelas razões dos governantes. O Código Penal define como crime a mudança de lado pelo advogado ou o patrocínio recíproco dos interesses das partes em litígio. São os crimes de tergiversação ou patrocínio simultâneo. A preocupação com problemas da municipalidade, do Estado ou dos organizadores de grandes eventos, em prejuízo dos interesses dos assistidos, por agente publico encarregado de defender os interesses dos pobres, tangencia a incidência nestas condutas descritas em lei como crime.


 

Publicada originariamente no jornal O DIA, em 13/04/2014, pag. 12. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-04-12/joao-batista-damasceno-defensores-e-autonomia.html

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