“Quando da
aprovação da ‘Comissão da Verdade’, militares reformados, dentre os quais o
coronel do Exército — acusado de tortura durante a ditadura —Carlos Alberto
Brilhante Ustra, lançaram manifesto intitulado ‘Alerta à nação’, dizendo que a
‘Comissão da Verdade’ era um “ato inconsequente de revanchismo explícito e de
afronta à Lei da Anistia”. Subscreveram-no de soldados a generais e um único
magistrado: um desembargador do Tribunal de Justiça.
“A separação de
poderes foi concebida para evitar a junção de interesses que devem se controlar
reciprocamente. As parcerias que se estabelecem entre órgãos que devem
funcionar autonomamente podem implicar prejuízos para a ordem institucional. A
notícia de que o oficial acusado de chefiar uma quadrilha no 6º Batalhão da PM
ocupava cargo comissionado no âmbito do tribunal presidido por membro do Poder
Judiciário que subscrevera o manifesto contra a ‘Comissão da Verdade’ é
preocupante. Evidencia possibilidade da perda do distanciamento necessário ao
Poder Judiciário para realização da justiça.”
A desorganização dos serviços
públicos pelos coronéis na 1ª República visou a reforçar o mando pessoal e
afastar as objeções da institucionalidade. A Revolução de 30 reorganizou o
Estado e deu nova feição à realidade brasileira. Ainda nos restam traços
daquele período de construção das instituições e da identidade nacional. Mas do
Estado Novo herdamos também a polícia especial, reforçada pelo general
Riograndino Kruel em 1958, que pode ser considerada a avó dos atuais grupos
paramilitares chamados de milicianos.
Cada sistema político instaurado
deixa suas marcas depois de revogado. É o passado que insiste em se fazer
presente. A ditadura empresarial-militar teve um efeito deletério sobre os
órgãos públicos, que foi o inchaço das repartições civis e empresas estatais
com militares, em cargos e empregos, por deslavado nepotismo ou protecionismo,
mas também visando à coleta de informações sobre demais agentes públicos e
cidadãos.
A desmilitarização da estrutura do
Estado foi penosa, e a ela reagiu a linha-dura do regime, que detonava bombas
pela cidade para demonstrar sua imprescindibilidade, até o dia no qual uma
explodiu no colo de um deles no Riocentro, em 1981. A reforma administrativa
realizada no governo Collor extinguiu o Serviço Nacional de Informação, o SNI,
promoveu disponibilidades e demissões de servidores; atingiu injustamente
muitos funcionários públicos, mas foi a pá de cal no empreguismo e
aparelhamento militarista das repartições civis e empresas estatais.
No Rio, atualmente vivencia-se o
processo de militarização das instituições civis, com verdadeiros batalhões
alocados em órgãos públicos, nem sempre em atividades típicas. Quando da
aprovação da ‘Comissão da Verdade’, militares reformados, dentre os quais o
coronel do Exército — acusado de tortura durante a ditadura —Carlos Alberto
Brilhante Ustra, lançaram manifesto intitulado ‘Alerta à nação’, dizendo que a
‘Comissão da Verdade’ era um “ato inconsequente de revanchismo explícito e de
afronta à Lei da Anistia”. Subscreveram-no de soldados a generais e um único
magistrado: um desembargador do Tribunal de Justiça.
A separação de poderes foi concebida
para evitar a junção de interesses que devem se controlar reciprocamente. As
parcerias que se estabelecem entre órgãos que devem funcionar autonomamente
podem implicar prejuízos para a ordem institucional. A notícia de que o oficial
acusado de chefiar uma quadrilha no 6º Batalhão da PM ocupava cargo
comissionado no âmbito do tribunal presidido por membro do Poder Judiciário que
subscrevera o manifesto contra a ‘Comissão da Verdade’ é preocupante. Evidencia
possibilidade da perda do distanciamento necessário ao Poder Judiciário para
realização da justiça.
Publicado originariamente no jornal O DIA, de 18/05/2014,
pag. 16. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-05-18/joao-batista-damasceno-os-poroes-dos-tribunais.html
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