"A Cinelândia tinha o seu ‘Presidente’. Era o morador de rua Sérgio
Luis Santos das Dores, 63 anos, que morreu segunda-feira passada, sem adequada
assistência. Seu corpo foi velado na Câmara de Vereadores, a Gaiola de Ouro,
tal como personalidade de Estado. As circunstâncias da morte do ‘Presidente’ é
expressão do que se faz com os trabalhadores no Brasil. Era um funcionário do
IBGE até adoecer nos anos 90. Ao invés de tratamento, recebeu aposentadoria por
invalidez e abandono".
Poucos cariocas
sabem onde fica a Praça Floriano, nome do marechal que presidiu a República
antes que o mando local assaltasse o poder pelo país afora e instituísse a
‘República do Café com Leite’. Mas todos conhecem a Cinelândia, nome popular
para a região da praça e do seu entorno que se popularizou a partir dos anos
30, em razão dos cinemas em cada prédio.
Trata-se de ponto
de encontro de lideranças políticas e militância e o mais importante palco de
manifestações da história do Brasil. Ainda hoje é o local favorito para
comícios, expressão de ativistas, de nacionalistas e da esquerda.
A Cinelândia tinha
o seu ‘Presidente’. Era o morador de rua Sérgio Luis Santos das Dores, 63 anos,
que morreu segunda-feira passada, sem adequada assistência. Seu corpo foi
velado na Câmara de Vereadores, a Gaiola de Ouro, tal como personalidade de
Estado. As circunstâncias da morte do ‘Presidente’ é expressão do que se faz
com os trabalhadores no Brasil. Era um funcionário do IBGE até adoecer nos anos
90. Ao invés de tratamento, recebeu aposentadoria por invalidez e abandono.
Após a morte de sua
mãe, foi morar na rua. Era sindicalizado. Fora alcóolatra, mas há 11 anos não
bebia e sempre frisava isto quando parava em mesa na qual amigos se reunissem
para um chope de fim de dia. Sentindo-se doente, procurou socorro médico
na rede pública. Na unidade de saúde, foi diagnosticado erroneamente com
abstinência alcoólica em razão da tremedeira, decorrente da doença de
Parkinson, e lhe injetaram soro glicosado. Era diabético. As buscas, com ajuda
de médicos da rede pública, localizaram-no num hospital com ferimento na perna
sem curativo e com assaduras por falta de higiene.
Há cadastro
nacional de carros, de eleitores e de contribuintes de Imposto de Renda. Mas
inexiste um cadastro local que ajude a identificar um doente hospitalar na rede
pública, mesmo que a internet seja instrumento que isto possibilite. Seus
documentos extraviaram no hospital, mas, antevendo o descaso, uma produtora
cultural os fotografou. De outro modo sequer poderia ser sepultado. Além das
verbas de que os governantes se apropriam, a área da saúde precisa reinventar
as relações humanas e passar a tratar da pessoa e não apenas da doença.
Precisamos reinventar a solidariedade.
Publicado
originariamente no jornal O DIA, em 20/12/2015, pag. 18. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-12-20/joao-batista-damasceno-a-morte-do-presidente-e-o-descaso-na-saude.html
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