domingo, 20 de dezembro de 2015

A morte do 'Presidente' e o descaso na Saúde

"A Cinelândia tinha o seu ‘Presidente’. Era o morador de rua Sérgio Luis Santos das Dores, 63 anos, que morreu segunda-feira passada, sem adequada assistência. Seu corpo foi velado na Câmara de Vereadores, a Gaiola de Ouro, tal como personalidade de Estado. As circunstâncias da morte do ‘Presidente’ é expressão do que se faz com os trabalhadores no Brasil. Era um funcionário do IBGE até adoecer nos anos 90. Ao invés de tratamento, recebeu aposentadoria por invalidez e abandono".

Poucos cariocas sabem onde fica a Praça Floriano, nome do marechal que presidiu a República antes que o mando local assaltasse o poder pelo país afora e instituísse a ‘República do Café com Leite’. Mas todos conhecem a Cinelândia, nome popular para a região da praça e do seu entorno que se popularizou a partir dos anos 30, em razão dos cinemas em cada prédio.

Trata-se de ponto de encontro de lideranças políticas e militância e o mais importante palco de manifestações da história do Brasil. Ainda hoje é o local favorito para comícios, expressão de ativistas, de nacionalistas e da esquerda.

A Cinelândia tinha o seu ‘Presidente’. Era o morador de rua Sérgio Luis Santos das Dores, 63 anos, que morreu segunda-feira passada, sem adequada assistência. Seu corpo foi velado na Câmara de Vereadores, a Gaiola de Ouro, tal como personalidade de Estado. As circunstâncias da morte do ‘Presidente’ é expressão do que se faz com os trabalhadores no Brasil. Era um funcionário do IBGE até adoecer nos anos 90. Ao invés de tratamento, recebeu aposentadoria por invalidez e abandono.

Após a morte de sua mãe, foi morar na rua. Era sindicalizado. Fora alcóolatra, mas há 11 anos não bebia e sempre frisava isto quando parava em mesa na qual amigos se reunissem para um chope de fim de dia. Sentindo-se doente, procurou socorro médico na rede pública. Na unidade de saúde, foi diagnosticado erroneamente com abstinência alcoólica em razão da tremedeira, decorrente da doença de Parkinson, e lhe injetaram soro glicosado. Era diabético. As buscas, com ajuda de médicos da rede pública, localizaram-no num hospital com ferimento na perna sem curativo e com assaduras por falta de higiene.

Há cadastro nacional de carros, de eleitores e de contribuintes de Imposto de Renda. Mas inexiste um cadastro local que ajude a identificar um doente hospitalar na rede pública, mesmo que a internet seja instrumento que isto possibilite. Seus documentos extraviaram no hospital, mas, antevendo o descaso, uma produtora cultural os fotografou. De outro modo sequer poderia ser sepultado. Além das verbas de que os governantes se apropriam, a área da saúde precisa reinventar as relações humanas e passar a tratar da pessoa e não apenas da doença. Precisamos reinventar a solidariedade.





Publicado originariamente no jornal O DIA, em 20/12/2015, pag. 18. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-12-20/joao-batista-damasceno-a-morte-do-presidente-e-o-descaso-na-saude.html

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