A concepção de que uma nova lei de abuso de autoridade
possa impedir ilegalidades de agentes públicos é mais uma crença fundada na
fantasia. Tal crença se afasta da análise concreta da formação brasileira e no
autoritarismo que permeia as relações sociais. A lei editada é inócua. Os fatos
que ela tipifica já estão elencados como crimes na legislação brasileira. Matar
é crime e em poucos países do mundo se mata tanto quanto no Brasil. Torturar é
crime hediondo, mas até um menino pego furtando chocolate em supermercado é
sujeito a tortura por milicianos contratados pelo comerciante. A filmagem e
divulgação demonstram a ousadia e confiança dos milicianos nos que os
incentivam. Derrubar moradia em área de vulnerabilidade social, com o uso do
`caveirão´, é violação ao direito social de moradia inscrito na Constituição,
mas os abusos dos condutores do `caveirão´ são comuns. Tudo o que fica na
frente está sujeito à destruição pelo veículo de guerra contra pobres:
barracos, carros, bicicletas, carrocinha de pipoca etc… Atirar do alto de
helicóptero na população favelada implicaria violação ao Tratado de Genebra, se
o Brasil estivesse em guerra com outro país, mas em Angra dos Reis – de dentro
do helicóptero no qual estava o governador – foram feitos disparos a esmo.
Enfim! Leis já temos. O que falta é respeito à dignidade da pessoa humana pelos
agentes do Estado e sistema de controle de suas atuações. A Constituição elenca
dentre as atribuições do MP o controle da atividade policial.
Durante a
ditadura empresarial-militar as instituições ficaram reféns da força bruta dos
que comandavam o Estado a serviço de interesses não explicitados. Agentes
públicos diversos, incluindo juízes, desembargadores e três dos melhores
ministros da história do STF, foram cassados e os demais intimidados. Não havia
garantias constitucionais na prática, embora inscritas na Constituição
outorgada pelo próprio regime, para inglês ver. Os chefes do Ministério
Público, fosse o procurador geral da república ou os procuradores de justiça
estaduais, eram nomeáveis e demissíveis pelo Presidente da República ou pelos
governadores do Estado, ao seu bel prazer. Foi a crença de que a falta de
autonomia do Ministério Público, como controlador dos demais poderes era o que
nos faltava para o regular funcionamento institucional, que possibilitou se desse
à instituição sua feição atual, como superpoder do Estado.
Mas, as
instituições são o que as pessoas que ocupam os cargos fazem na prática. E o
Ministério Público se convolou num superpoder com alguns membros imbuídos de
projeto de poder pessoal e enriquecimento. O conluio e as palestras remuneradas
do ´principado de Curitiba´ o demonstram. No tabuleiro do xadrez institucional
o MP anda para todos os lados e salta quantas casas quiser. Ninguém o controla.
É parte processual quando quer (e somente a ele cabe avaliar se será parte ou
não), é fiscal da lei, seus membros somente podem ser denunciados por crimes
pelos próprios membros da corporação, os mais antigos se reservam o direito de
acumular os cargos na instituição com o exercício da advocacia em seus escritórios
e ainda podem se licenciar para concorrer a cargos eletivos. Se perdem a
eleição ou encerram o mandato, podem voltar às funções ministeriais. Para quem
quer ser chamado de magistratura de pé, ou parquet, os membros do Ministério
Público devem ter as mesmas limitações dos magistrados e ter controle de suas
atividades por órgão que não seja da própria instituição, como basilar
princípio republicano.
Publicado
originariamente no jornal O DIA, em 07/09/2019, pag. Link: https://istoe.com.br/joao-batista-damasceno-para-todos-os-lados/
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