A jornalista paraense
Cristina Serra, em artigo no jornal 'Folha de S. Paulo', escreveu que “Bruno e
Dom foram mortos por todos os que incentivam o crime contra os povos indígenas,
suas terras, a floresta, suas águas, bichos e plantas. Por aqueles que
enfraqueceram os órgãos de fiscalização nos últimos anos”. Nenhuma análise
poderia ser mais precisa.
No campo e nas
cidades a incivilidade permeia as relações sociais e institucionais e torna o
Brasil um dos países com maior número de mortes proporcionalmente ao número de
habitantes do mundo. Nem mesmo algumas guerras matam tanto quanto se mata por
aqui, embora continuemos a promover o autoengano do “país abençoado por Deus” e
da cordialidade do brasileiro.
A estória de
que somos cordiais foi primeiramente lançada pelo “Imperador Carlos
Maximiliano” em carta ao seu primo D. Pedro II, numa tentativa de conseguir
apoio para governar, no México, o império que nunca existiu de fato. Carlos
Maximiliano era um fantoche de Napoleão III na América, num tempo em que as
potências disputavam a hegemonia sobre nós. Foi a França quem inventou a
expressão “América Latina” e quis, na metade do século XIX, que a América do
Sul e Central estivessem sob sua zona de influência, em contraposição aos
interesses dos EUA. O embusteiro Napoleão III acreditou que contrariando os
interesses dos EUA poderia fundar um império favorável à França no México.
Em carta ao
embaixador do México no Brasil, Alfonso Reys, o cônsul brasileiro na França,
Ribeiro Couto, romancista autor de Cabocla, escreveu em 1931 que nossa
contribuição ao mundo seria produzir o homem cordial. Esta expressão,
apropriada por Sérgio Buarque de Hollanda em artigo de 1935, virou livro em
1936 e povoa o nosso imaginário. Mas, o escritor Cassiano Ricardo desancou com
o pai do Chico Buarque e mostrou que cordialidade não é bondade, mas falta de
racionalidade. Daí que cordial tanto pode ser o comportamento amistoso quanto
raivoso.
Vivemos tempos
de fúria. As instituições que deveriam ser referência de ordem e redutoras das
incertezas do futuro foram tomadas por quem não lhes reconhece as atribuições.
A irracionalidade pauta as tomadas de decisões. Até mesmo o conhecimento
científico produzido ao longo de mais de século passou a ser deslegitimado em
nome de fantasias. Há quem recuse vacina contra vírus, mas toma vermífugo cuja
superdosagem pode afetar severamente a saúde, conforme advertência do próprio
laboratório que o produz. A ignorância, que sempre foi astuciosa, hoje campeia
com selvageria. Selva!
Mas não é
apenas a irracionalidade violenta que está produzindo efeitos. Há também o cálculo
daqueles que promovem o caos para, em razão dele, se locupletaram. Assim tem
sido a apropriação do que ainda resta de patrimônio público, que vem sendo
pilhado. A morte do indigenista Bruno Araújo e do jornalista inglês Dom
Phillips é a ponta do iceberg. Enrolados na bandeira do Brasil e com do apoio
do Partido Militar Brasileiro e das milícias que o orbita os saqueadores gritam
frases patrióticas e se apropriam das riquezas nacionais.
E foi por
oposição a este tipo de saque ao patrimônio público que as vidas de Bruno e Dom
foram ceifadas. O crime só mereceu apuração porque vitimou um jornalista inglês
e teve repercussão internacional. Diariamente brasileiros anônimos são
executados pelas forças do Estado e por grupos armados por elas apoiados e se
tornam mera estatística.
A jornalista
paraense Cristina Serra, em artigo no jornal 'Folha de S. Paulo', escreveu que
“Bruno e Dom foram mortos por todos os que incentivam o crime contra os povos
indígenas, suas terras, a floresta, suas águas, bichos e plantas. Por aqueles
que enfraqueceram os órgãos de fiscalização nos últimos anos”. Nenhuma análise
poderia ser mais precisa. Há os que matam, os que ordenam, os que facilitam a
execução e os que – por omissão – deixam de impedir os crimes. E quem de
qualquer modo concorre para o crime há de incidir nas penas a ele cominadas. É
o que dispõe o Código Penal.
As piores
agruras de um agente público com visão elevada de suas funções e compromisso
republicano ocorrem quando fica na contramão dos desvios de função das elites
dirigentes nas instituições aparelhadas para ilicitudes. Bruno é o retrato
desta ocorrência. Em todas as instituições somos capazes de encontrar situações
similares. O Estado mata e deixa matar em prol de interesses escusos. Não é
apenas a cultura e os povos indígenas que estão sendo eliminados. O desmando no
qual estamos imersos elimina a vida humana, a cultura dos povos originários e o
meio ambiente. Mas, o propósito é a apropriação dos bens públicos.
A classe dominante sempre teve projeto de pilhagem no Brasil: subtração do pau-brasil, retirada do ouro das Minas Gerais, escravidão para produzir açúcar e café e outras modalidades em ciclos econômicos posteriores.
No presente momento neoliberalismo apregoa o Estado mínimo e redução de sua capacidade de conter a pilhagem, mas com forte aparato armado para eliminar quem se oponha. Somente o Tribunal Penal Internacional (TPI) poderá responsabilizar a cadeia de comando e governantes pelos crimes contra a humanidade e genocídio que se praticam contra o povo diariamente.
Publicado originariamente no jornal
O DIA, em 02/07/2022, pag. 14. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2022/07/6434495-joao-batista-damasceno-parem-de-matar-parem-de-pilhagem.html
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