Ao fim da ditadura empresarial-militar foi difícil
recolocar a tigrada na jaula. Todo o esforço de parcela da sociedade por um
pacto civilizatório não eliminou as ameaças à democracia, porque a porta da
jaula ficou aberta. Neste momento a tigrada ruge, incomodando a ordem
democrática. No seio do regime empresarial-militar havia, dentre outros, os
oriundos do movimento tenentista de 1922, socializados para o convívio com a
parcela não fardada da sociedade e com melhor formação intelectual, e a Linha
Dura, amestrados para a truculência. A disputa entre estes dois grupos foi
analisada com maestria por Paulo Mercadante, no livro ‘Militares e Civis: A
Ética e o Compromisso’.
A derrota, em 1974, do partido que apoiava o regime
propiciou que os militares, estrategicamente, iniciassem o processo de volta
aos quartéis antes que fossem apeados do poder. Isto enfureceu a Linha Dura que
passou a sabotar o próprio regime que compunha. Em 12 de outubro de 1977 o
general-presidente Ernesto Geisel exonerou o todo poderoso ministro do Exército
Sylvio Frota, antes que este desse um golpe. O general Augusto Heleno, então
capitão, era o ajudante de ordens do ministro golpista. O general Hugo de Abreu
participou da articulação para exonerar Sylvio Frota. Exonerar um ministro é
banal numa democracia. Mas não numa ditadura. Dois meses depois Hugo de Abreu
foi defenestrado do governo e escreveu um livro, narrando o infortúnio de ser
oposicionista numa ditadura, intitulado ‘O Outro Lado do Poder’. Sylvio Frota
também escreveu livro narrando as bandalheiras do poder militar: ‘Ideais
Traídos’.
O general-presidente Ernesto Geisel tentou
racionalizar os crimes do regime, implantado o Projeto Radar, com lista de
pessoas do Partido Comunista Brasileiro (PCB) que deveriam ser mortas para que
a redemocratização lenta, gradual e segura acontecesse sem abrir a
possibilidade de influência dos comunistas no meio operário. A Linha Dura
queria endurecer ainda mais um regime que sequestrava, torturava, matava,
desaparecia com pessoas e roubava os bens de suas vítimas. Afastada do poder a
tigrada não se aquietou. Ao contrário, passou a colocar bombas em instituições
públicas e residências de articuladores da reabertura. Foram colocadas bombas
na Câmara de vereadores do Rio de Janeiro, na ABI, na OAB, na casa do advogado
Marcelo Cerqueira, na casa de Roberto Marinho e em bancas que vendiam jornais
alternativos e de oposição.
A lei de agosto de 1979, que anistiou presos
políticos que se opuseram ao regime, igualmente anistiou os agentes do Estado e
grupos paramilitares. Mas muitas das bombas foram colocadas pela ‘direita
explosiva’, depois da lei que anistiou fatos passados. A última bomba foi a do
Riocentro que explodiu em 30 de abril de 1981 no colo dos terroristas oficiais.
O sargento Rosário morreu em serviço e o Capitão Machado sobreviveu, seguiu
carreira e foi reformado no posto de coronel. O Exército protegeu o terrorista,
segundo relato do Almirante Bierrenbach, ex-ministro do Superior Tribunal
Militar.
As ameaças e assassinatos que estão sendo
realizados pela direita arruaceira no presente momento não é resultado da
polarização eleitoral. Todas as eleições diretas após a redemocratização foram
polarizadas. Mas o único atentado efetivamente ocorrido foi em 2010 quando
uma bolinha de papel acertou a cabeça do candidato José Serra, jogada pelos
mata-mosquitos da SUCAM, que haviam perdido os empregos. Não é a
polarização política nem as armas as responsáveis pelos assassinatos. Quem mata
são pessoas e estas são as responsáveis. Igualmente tem responsabilidade
política quem incentiva este tipo de incivilidade.
O assassinato de Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu,
enquanto comemorava seu aniversário, é expressão do que é capaz a tigrada, que
tem sido incentivada a tais comportamentos, tal como Donald Trump incentivou a
barbárie no Capitólio. O arranjo institucional que possibilitou a
redemocratização do país conteve a tigrada quando foi pega com a bomba no colo
no Riocentro, a mandou de volta aos quartéis e a enjaulou. Mas deixou a porta
aberta, o que a deixa à vontade para nos mostrar os dentes. Se a Lei da Anistia
tivesse sido revista, porque o Estado não se pode anistiar por seus atos; se os
autores de atos terroristas posteriores à Lei da Anistia tivessem sido
responsabilizados e se não tivesse havido tolerância com as pregações contra a
democracia e apologia à tortura, inclusive no âmbito do Congresso Nacional, a
tigrada saberia o seu lugar. Mas ainda é tempo de rever a Lei da Anistia e
impor responsabilização aos algozes das liberdades, com cessação das remunerações
e pensionamentos indevidamente pagos aos que deveriam ter sido destituídos de
seus postos, por indignidade para a função.
Publicado originariamente no
jornal O DIA, em 16/07/2022, pag. 14. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2022/07/6443452-joao-batista-damasceno-tigrada-na-jaula-mas-com-porta-aberta.html
Ilmo João, você disse Projeto Radar, mas o correto é PARASAR.
ResponderExcluirO nome do programa era Operação Radar. Teve eficácia plena de 1973 a 1976. Abraço fraterno: https://forumverdade.ufpr.br/blog/2015/07/20/fragmentos-da-ditadura-a-operacao-radar-1973-1976-a-dizimacao-de-liderancas-do-pcb/
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