OS JORNALISTAS E A INTERPELAÇÃO CRIMINAL
*João Batista Damasceno
Hoje, 07 de abril de 2025, rememoramos a derrubada de D. Pedro I, ocorrida na mesma data em 1831. O fato histórico, conhecido como Dia da Abdicação, na verdade se refere a uma deposição de um Imperador que a cada dia mais se aproximava de setores conservadores ou reacionários e demonstrava sua postura autoritária enquanto perdia prestígio social. Para o fato histórico foram imprescindíveis as atuações dos jornalistas Evaristo da Veiga e Líbero Badarò. Este foi assassinado dias após completar 31 anos e morreu dizendo: "Morro defendendo a liberdade". Nem um, nem outro tinham formação em jornalismo, comunicação social ou qualquer outro curso superior equivalente. Eram jornalistas, "sem diploma" por dois motivos: 1) No Brasil tínhamos os cursos de Engenharia, Direito e Medicina. Estes instituídos em 1827. Inexistiam cursos para se apurar fatos, descrevê-los em jornais ou expressar opiniões, e 2) Tal como hoje, inexistia lei que impusesse exigência de diploma para o exercício da comunicação social. Esta se rege pelos princípios próprios da liberdade de expressão, seja na mídia corporativa, nas mídias sociais ou em qualquer lugar onde inexista cerceamento às liberdades.
Assassinam-se muitos jornalistas mo Brasil ou simplesmente os calam por outros meios. A liberdade de comunicação tem sido a cada dia mais atacada. E um dos meios para o cerceamento é o lawfare, que se traduz no uso do Direito como instrumento de guerra ao desafeto considerado inimigo a ser eliminado ou silenciado. Quando não há fundamento para se instaurar diretamente um processo criminal não é incomum a utilização da interpelação criminal para silenciar o opositor sobre fato que o dever de transparência imporia esclarecimento.
A interpelação criminal é um procedimento preparatório para o ajuizamento de uma ação penal. Está prevista no Código penal e serve, de modo geral, para preparar e instrumentalizar uma futura ação penal.
A interpelação judicial é um instrumento previsto no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40), mais especificamente no art. 144 do Capítulo V, que trata dos crimes contra a honra.
Enquanto procedimento especial de jurisdição voluntária, que antecede a fase contenciosa (propositura de ação penal), a interpelação pode servir para pedir esclarecimentos que servirão de subsídio em ação futura. Igualmente atua como prova de ciência da parte interpelada.
A interpelação criminal é um procedimento preparatório para o ajuizamento de uma ação penal e somente pode ser utilizada quando houver ambiguidade ou equivocidade em frases ou expressões que – esclarecidas por quem se acredite ser um ofensor - possam caracterizar crime contra a honra.
É evidente a necessidade de compreender quando cabe, como se aplica e de que forma se elabora uma interpelação judicial.
Há controvérsia sobre a recepção da interpelação criminal ante a Constituição de 1988. Se há dúvida sobre a prática da conduta criminosa, por ofensa a honra, não há que se falar de crime. Afinal, havendo dúvida há de se decidir a favor do acusado. E, no caso, se dúvida há sobre o crime contra a honra não há que se falar em esclarecimento pelo próprio ofensor a fim de que venha a ser processado. Se há dúvida por quem se sentiu ofendido sobre a presença dos elementos ou requisitos para a propositura de uma ação penal privada, nos casos de crime contra a honra, é porque não há crime.
A interpelação criminal tem servido para admoestar, constranger ou censurar quem tenha se expressado e não tenha – efetivamente – praticado crime.
Durante a vigência da Lei de Imprensa, que cerceou a liberdade de expressão a ponto de exigir diploma para a atribuição da qualidade de jornalista a profissionais que atuavam na imprensa, era comum a interpelação a jornais e a profissionais da imprensa para que explicassem o que teriam dito. Em regra, os jornalistas se silenciavam a fim de não dar fundamento a perseguição por meio da ação penal.
Os crimes contra a honra são praticados contra pessoas físicas. Inexiste honra numa pessoa jurídica. Mas hoje até pessoas jurídicas têm utilizado a interpelação judicial para constranger quem com seus dirigentes tenha qualquer tipo de divergência. O fascismo está em ascensão e não é apenas nos espaços designados como império da direita.
A interpelação criminal diz muito mais sobre o interpelador que à conduta do interpelado. Em regra, é feita por quem deseja o silenciamento sobre determinado tema ao invés de esclarecê-lo diante da crítica ou afirmativas de quem se pretenda processar para calar.
Apenas o espírito persecutório, afastado dos princípios que orientam as democracias e o pluralismo, utiliza tal ferramenta no debate político e no âmbito das instituições onde há de reinar o pluralismo.
*João Batista Damasceno exerce a função de Desembargador no
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), é doutor em Ciência Política
(UFF) e professor no Departamento de Teoria e Fundamentos do Direito da Faculdade de Direito da UERJ.
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