O imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) e saudoso presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Barbosa Lima Sobrinho, dizia que no Brasil sempre teve apenas dois partidos: O Partido de Tiradentes, nacionalista, autonomista e da independência e o Partido de Joaquim Silvério dos Reis, dos entreguistas e partidários da subordinação nacional.
Quando falamos em partidos o que nos vem à mente são as organizações criadas para a disputa do voto, visando aos cargos eletivos estatais. Partidos sempre existiram. Mas o direito ao voto é recente. Somente a partir da metade do século XIX, depois das revoluções liberais e publicação do Manifesto Comunista de 1848, o voto foi instituído e ampliado para a sociedade. Embora se dissesse universalizado, grandes parcelas das sociedades estavam excluídas. No Brasil a universalização do voto ocorreu com o advento da República, mas com exclusão de mulheres, analfabetos, mendigos, militares de baixa patente, indígenas, menores de 21 anos e religiosos sujeitos a voto de obediência.
Hoje, além da função de cabalar votos, os partidos também têm a função de organizar as correntes de opinião, formar quadros para a direção do Estado ou representar interesses. Mas antes que os partidos tivessem a forma atual, as aristocracias monárquicas já se dividiam em ‘partidos’, com tomadas de posições distintas relativamente a certos temas. Durante as guerras napoleônicas, no final do século XVIII e início do XIX, a Corte Portuguesa se dividia entre os partidários da Inglaterra e da França. Ganharam os partidários da Inglaterra, país que trouxe a Família Real para o Brasil em 1808 para fugir de Napoleão Bonaparte.
No mesmo ano em que os franceses fizeram a grande revolução burguesa, em 1789, no Brasil houve insurreição. Foi a Conjuração Mineira. E nela tivemos dois partidos: O de Joaquim José da Silva Xavier, O Tiradentes, e o de Joaquim Silvério dos Reis. Este inaugurou a delação premiada no Brasil e aquele “foi traído, mas não traiu jamais”, conforme o clássico samba-enredo ‘Exaltação a Tiradentes!’ da Império Serrano, de 1949, de autoria de Mano Décio da Viola, Penteado e Estanislau Silva.
Mineiro que sou, sempre admirei o ideário dos posseiros que partiram de São Paulo, contornaram a Serra do Mar visível ao fundo da Baía de Guanabara e fundaram Mariana e Vila Rica, hoje Ouro Preto, até serem chacinados pelos Emboabas que chegaram com suas escrituras de propriedade no início do século XVIII, sempre admirei o ideário dos conjurados de 1789, bem como dos liberais de 1842 que tinham à frente Teófilo Otoni.
Depois do ciclo da cana, espécie de agronegócio exportador, monocultor, devastador e latifundiário, no Nordeste e em Campos do Goytacazes, Minas Gerais foi a expressão da economia e cultura nacional. Ouro Preto é um monumento a céu aberto. São Paulo ganhou relevância posteriormente e o Rio de Janeiro foi povoado por mineiros que desceram a serra, O cidadão honorário iguaçuano, Zanon de Paula Barros, diz que a Conjuração Mineira desabrochou em Vila Rica mas foi gestada no Rio de Janeiro, tanto que igual movimento com ideias de liberdade e autonomia, expressando descontentamento com o domínio português, eclodiu em terras fluminenses em 1794. Mineiro ou fluminense ninguém nega o caráter autonomista e nacionalista dos movimentos e a grandeza de Tiradentes.
O pesquisador e historiador Cristiano Dornelas empreendeu estudo relevante sobre a sua genealogia e a ocupação da Zona da Mata mineira. Era zona proibida ao tráfego até a metade do século XIX, pois o ouro tinha que ser escoado pelos caminhos oficiais. Quem nela fosse encontrado era apenado por contrabando ou descaminho, crimes que subsistem na ordem penal brasileira. Somente com o fim do ciclo do ouro foram os sertões do leste liberados para ocupação. Após a Revolução Liberal de 1842 um ascendente comum ao pesquisador e a mim, Jacob Dornellas, migrou para a região e sua genealogia remonta aos avós de Tiradentes: Domingos Xavier Fernandes e Maria de Oliveira Colaça.
Paulo Mercadante, autor de A Consciência Conservadora no Brasil, escreveu que entre nós nenhuma revolução fora feita em nome da liberdade e que todas contestavam pagamento de imposto. É verdade! Mas em alguns momentos a cobrança de impostos ou taxações são formas de opressão e a resistência é uma luta pela liberdade e independência. Tiradentes morreu numa luta contra a finta, uma vez que já não subsistia o sistema de cobrança do quinto. Documento comprova que sua ancestral “Izabel de Carvalho Peixoto teve o valor de suas terras listado para o pagamento de finta, imposto cobrado das pessoas listadas como pertencentes à nação Judaica”. Não só pela ocupação e exploração das terras realengas da Capitania das Minas Gerais, tinha-se que pagar uma porção do que dela se retirasse, fosse o quinto ou a finta, como também havia cobrança sobre a qualidade da pessoa, por ser considerada “gente de nação”, como eram os ascendentes de Tiradentes, judeus sefarditas.
A luta de Tiradentes era contra a exploração colonial mediante cobrança abusiva de taxas, impostos e finta. Mas era sobretudo pela autonomia política, independência em relação à metrópole, liberdade de atuação, igualdade na tributação e solidariedade entre os nacionais. Barbosa Lima Sobrinho tinha razão. O Partido de Tiradentes era o Partido da Independência que se opunha aos vassalos do colonialismo, entreguistas personificados em Joaquim Silvério dos Reis.
Fonte: Publicado originariamente
no jornal O DIA, em 26/07/2025, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/07/7099141-joao-batista-damasceno-o-partido-de-tiradentes.html
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