segunda-feira, 14 de julho de 2025

Entreguistas traidores da pátria!

Em 1862 o governo inglês promoveu um conjunto de exigências impróprias ao governo imperial brasileiro, dentre elas uma indenização pelo saque da carga de um navio britânico que encalhara no Rio Grande do Sul, a demissão dos militares que haviam prendido uns oficiais ingleses que, bêbados, haviam se metido em arruaça no Rio de Janeiro e um humilhante e formal pedido de desculpas. Apesar de soltos logo depois de identificados, o embaixador inglês William Christie, arrogantemente, exigia que os militares brasileiros que efetuaram a prisão fossem demitidos. Não aceitadas as imposições, embarcações inglesas invadiram as águas nacionais, adentraram na Baía de Guanabara e apreenderam cinco navios brasileiros como indenização pelo que requeriam.

A crise com a Inglaterra levou à derrubada do governo que era presidido por Duque de Caxias, cuja atuação não contemplava o interesse nacional. Mas o incidente contribuiu para o fortalecimento do sentimento nacionalista e o Brasil passou a buscar maior autonomia em relação à Inglaterra. Até Teófilo Otoni, crítico do Imperador D. Pedro II, apoiou o monarca ante a necessidade de prevalência dos interesses nacionais.
O nacionalismo crescente e a vitória na Guerra do Paraguai, que terminou em 01 de março de 1870, influiu no ânimo dos militares que acabaram se sobrepondo ao Estado, culminando com o golpe da Proclamação República em 1889. Desde então várias foram as intervenções militares no funcionamento dos poderes do Estado. O judiciário contribuiu para que tal acontecesse, acolhendo o que se chamava “Objeção do Caso Político”. Tratava-se do afastamento da apreciação de um caso pelo judiciário, se a questão envolvesse interesses políticos. Rui Barbosa insistia que mesmo em casos com interesses políticos, cabe ao judiciário a arbitragem com fundamento na lei, no que tivesse sido alegado e no que tivesse sido provado. Mas Rui perdia sempre.

Os militares usurparam poder e se julgaram árbitros de conflitos políticos em toda a República. A Marinha, formada sob orientação de oficiais ingleses, sempre manteve pretensão aristocrática e antipopular. A Aeronáutica, pelo momento de sua criação em 1941, luta na Segunda Guerra Mundial e orientação dos EUA, tinha expressiva parte dos seus quadros ligados ao elitismo asséptico da UDN. A Força Aérea Brasileira teve seus quadros formados a partir da aviação do Exército. Este parecia uma Arca de Noé, com bicho de todo tipo e era plural até 1964.

O golpe empresarial-militar de 01 de abril de 1964, tramado por militares e empresários entreguistas brasileiros, com o apoio dos EUA, buscou suprimir das Forças Armadas os militares democratas, nacionalistas, liberais, socialistas ou com qualquer concepção que pudesse ser considerada popular ou à esquerda do espectro político. Restou a gentalha, também conhecida como “Linha Dura”, responsável pelo que se fez nos porões dos quartéis. Até os quadros oriundos ou influenciados pelo tenentismo foram perseguidos. Restaram os entreguistas, interesseiros, lambedores de botas ianques e grileiros de terras nas regiões submetidas aos seus comandos.

O golpe de 1964 foi tramado por brasileiros que colocaram seus interesses acima dos interesses nacionais e para satisfação dos EUA. A abertura dos arquivos dos EUA revelou a atuação do presidente Lyndon Johnson, a possibilidade de divisão do Brasil a exemplo do que fora feito com outros países (Coreia, Vietnã, Iemen etc) e o envio da Quarta Frota para apoiar os golpistas, nominada de Operação Brother Sam. O documentário ‘O Dia que Durou 21 anos’ expõe os documentos já publicizados nos EUA.
Neste momento, a decisão do governo Trump de impor sanções comerciais ao Brasil visando a pressionar o funcionamento do STF é mais um embate desses que já vivenciamos na construção da nossa soberania. Felizmente sempre tivemos brasileiros de matizes ideológicas diversas que tinham visão institucional e não se renderam às chantagens estrangeiras. Aqueles nacionalistas inadmitiram pressão sobre o funcionamento de nossas instituições que hão de ser harmônicas e independentes. Os poderes são harmônicos quando cada um se limita às suas funções e serão independentes se não precisarem, para funcionar, de autorização dos demais. Nem dos demais, nem de potências estrangeiras.

O nazifascismo é tosco e desumano. Sua indigência intelectual não lhe permite compreender padrões de civilidade. Por isso não compreende o conceito de soberania nacional, autodeterminação dos povos, independência de poderes e limites civilizatórios. O filme estadunidense ‘Amistad’, de 1997, de Steven Spielberg, baseado em eventos reais, retrata a luta de um grupo de africanos escravizados em território estadunidense, desde a revolta a bordo do navio ‘La Amistad’, em 1839, até o julgamento por um tribunal e sua libertação. A rainha da Espanha não compreendia a falta de poder do presidente dos EUA em liberar o navio apreendido e sua carga humana. Não adiantava a explicação de que a questão estava subordinada a um tribunal, que não haveria de sofrer ingerência para contemplação dos interesses de Sua Majestade.

Além da pressão ao STF para satisfazer entreguistas, o que contraria os EUA é a formação dos BRICs, a viabilidade de comércio intermediado pelas próprias moedas e a possibilidade de criação de uma moeda comum que não seja o dólar americano. Como escreveu o Estadão em seu editorial de quinta-feira (10), “que o Brasil não se vergue diante dos arreganhos de Trump. E que aqueles que são verdadeiramente brasileiros não se permitam ser sabujos de um presidente americano”, porque isso é “coisa de mafiosos’.

 

Fonte: Publicado no jornal O DIA em 12/07/2024, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/07/7091156-joao-batista-damasceno-entreguistas-traidores-da-patria.html


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