Dispõe a Constituição que é assegurado aos funcionários públicos revisão geral anual das
suas remunerações, sempre na mesma data e sem distinção de índices. Mas no Rio
de Janeiro tal direito encontra óbice na alegação do regime de
recuperação fiscal. Inegável a crise no Estado do Rio., sem igual desde que se
tornou capital do Brasil, em 1763. As indústrias migraram do estado, não se
tornou polo de tecnologia e conhecimento, a cidade do Rio deixou de ser capital
e, embora seja a mais bela cidade do mundo, sequer é o primeiro destino turístico.
Na Polícia Civil não há verba para implementação das gratificações por mestrado
e doutorado, nem assistência à saúde dos servidores policiais.
O cenário é triste. Mas não faltam recursos para certos tipos
de gratificações e certas promoções, dentre elas as gratificações para quem
atua na Coordenadoria de Recursos
Especiais da Polícia Civil do Rio de Janeiro (CORE) e para quem é beneficiado
com reconhecimento de bravura. Quem atua na CORE recebe gratificação pela
lotação e se lhe reconhecerem bravura ganha promoções e gratificação de 20%
sobre o vencimento. Mas há quem receba acréscimo de 40%. Promoção, gratificação
por lotação e gratificação permanente por bravura! É uma farra. De
novembro do ano passado a julho deste ano, a polícia civil promoveu 563
policiais por bravura. A cada dia foram promovidos por bravura dois policiais,
implicando aumento salarial dos agraciados e ocupação das vagas destinadas a promoções
por merecimento e antiguidade.
Em tempos passados a política de segurança do Estado do Rio
de Janeiro instituiu a ‘gratificação faroeste’. Tratava-se de uma recompensa em
dinheiro para o policial que se envolvesse em confronto armado. O resultado não
poderia ser pior. Aumentou-se a letalidade e não foram poucas as fraudes.
Policiais chegaram a simular confronto para o recebimento do ‘jabá fúnebre’.
A ideia de promoção ou recompensa por bravura é algo estranho
a uma política de segurança que vise a proteger vidas e estabelecer relações
cordiais entre os agentes do sistema de segurança e a sociedade. A recompensa
por bravura surgiu nas instituições militares em tempos de guerra e somente a
recebia o combatente que tivesse sido reconhecido por feito excepcional. Pelo ato
ordinário, durante uma guerra, nenhum soldado recebe recompensa por bravura,
pois combater o adversário é sua missão.
A CORE, que não processa inquéritos dada sua natureza
operacional, tem mais que o dobro dos policiais lotados na Delegacia de
Homicídios (DH), que investiga todos os homicídios ocorridos na Cidade do Rio
de Janeiro.
A gratificação e a promoção por bravura implicam violação aos
direitos daqueles que realizam trabalhos ordinários, imprescindíveis para as
investigações. A gratificação por bravura é irmã siamesa da ‘gratificação
faroeste’ que causou muitos danos à sociedade civil fluminense. E, neste
momento está vulgarizada. A ‘gratificação faroeste’ exigia enfrentamento, real
ou simulado, normalmente com relato de ação letal. Nas promoções por bravura há
relato de inclusões indevidas de apaniguados nos Registros de Ocorrências. Até
fato ordinário ocorrido em sede policial tem sido registrado como bravura,
pavimentado a folha funcional do agraciado a fim de garantir-lhe promoção e
gratificação. Há registro de policial que recebeu seis reconhecimentos de
bravura num mesmo dia. Nem
o personagem Rambo foi capaz de tal proeza.
Realizou-se na Assembleia Legislativa (ALERJ), no dia 28/08,
audiência pública, com a participação do Sindicato dos Delegados de Polícia
(Sindelpol-RJ). Mas a cúpula da direção do estado não compareceu para o debate e
publicização republicana de suas condutas. Enquanto se desenvolvia a audiência
na ALERJ, reuniram-se na Cidade da Polícia com parlamentar cujo histórico
registra honraria a miliciano. O objetivo da reunião na Cidade da Polícia foi a
comunicação de aumento do valor da gratificação de quem está na CORE fora da
atividade de investigação. Além da desorganização do serviço público, tal
prática pode vir a implicar na formação de grupos ou quadros eleitorais
oriundos de tal tipo de beneficiamento, aumentando a violência no período
eleitoral, com risco para a própria democracia.
A promoção e a gratificação por bravura prestigiam quem atua
com letalidade, em detrimento de quem investiga com inteligência e legalidade
exercitando a atividade fim. O prestígio à operacionalidade na Polícia Civil
enfraquece sua função investigativa, atividade que lhe é própria, favorece a
ação repressiva e propicia o aumento de letalidade. Enquanto isto os crimes
ocorridos não são investigados e aumenta-se a sensação de impunidade.
A CORE atua fora das atribuições institucionais da Polícia
Civil. A Polícia Militar tem a função de evitar ostensivamente a ocorrência dos
crimes. A Polícia Civil tem a função de apurar as ocorrências criminosas e seus
possíveis autores. Por isso a Polícia Civil não usa farda e sua atuação há de
ser com a discrição indispensável às investigações.
Se a remuneração por lotação em órgão operacional, mesmo sem
operacionalidade, e se as gratificações e promoções por bravura estiverem
vinculadas à eleição vindoura de 2026, quem as promove poderá ser responsabilizado
por abuso de poder político, caso esteja incidindo em favorecimento com fins
eleitorais. A gratificação por lotação na CORE, a farra das bravuras e as promoções
delas decorrentes hão de merecer atenção dos órgãos de controle, notadamente do
Ministério Público Eleitoral. É questão de preservação da democracia e justiça
com os demais trabalhadores policiais preteridos.
Publicado originariamente no
jornal O DIA, em 08/09/2025, pag. 12.