Quando aluno de Ciências Sociais, no IFCS/UFRJ, um colega
afirmou em sala que as mulheres são mais sensíveis e melhores na direção das
instituições. A professora, notável antropóloga brasileira, questionou a
afirmativa: “Que pesquisa você fez que comprova sua hipótese?” Apesar de
professora associada à Fundação Ford, instituição estadunidense que contribuía
com a construção das bases ideológicas que afastavam a sociedade brasileira de
referências opostas aos interesses estadunidenses, tinha honestidade intelectual.
Em seguida, citou nomes de mulheres que exerceram poder com mão de ferro ou
desumanidade.
A primeira a ser citada foi Margaret Thatcher, apelidada de
“dama de ferro”, primeira-ministra do Reino Unido e cuja imagem até hoje é
usada para amedrontar os eleitores britânicos que pensam em votar nos
conservadores. Seguiram-se Golda Meir, Benazir Buttho, Imelda Marcos, Violeta
Chamorro e outras.
Golda Meir foi primeira-ministra de Israel de 1969 a 1974.
Embora as Cortes internacionais de justiça não a tenham condenado por crimes
contra a humanidade e genocídio, não há quem deixe de lhe imputar tais crimes.
Teria ordenado operações de caça e assassinato, pelo Mossad, de opositores do
sionismo, seus familiares e membros da Frente Popular para a Libertação da
Palestina (FPLP), além de negar a possibilidade de existência do povo
palestino. Benazir Bhutto, primeira-ministra do Paquistão de 1988 a 1990 e de
1993 a 1996, foi figura emblemática do Partido Popular do Paquistão. Imelda
Marcos, conhecida como "Borboleta de Ferro", exerceu várias funções
ativas no governo das Filipinas. Foi governadora da região metropolitana de
Manila, ministra dos Assentamentos Humanos, deputada na Assembleia Nacional e
embaixadora extraordinária e plenipotenciária. Violeta Chamorro, oligarca dona
de uma empresa de comunicação na Nicarágua, foi a expressão política dos
Contras que lutavam contra a Frente Sandinista de Libertação Nacional,
responsável por derrubar a ditadura de Anastasio Somoza. Foi eleita presidenta
em 1990. Os Contras, guerrilha anti sandinista, e o jornal de Violeta Chamorro
eram financiados pelos Estados Unidos, por meio da Central Intelligence Agency
(CIA), com recursos advindos de tráfico de armas e drogas, no que ficou
conhecido como Caso Irã-Contras. Órgãos e autoridades estadunidenses
financiavam seus parceiros na Nicarágua com o produto da traficância. Violeta
Chamorro não expressou a vitória de uma mulher na Nicarágua, mas dos interesses
estadunidenses contra o povo nicaraguense. Pouco importava o gênero. O que os
EUA precisavam era de fantoche que lhes garantisse a apropriação das riquezas
daquele país.
Depois de falar sobre estrangeiras chefes de estado, a
professora falou de Lygia Lessa Bastos e Sandra Cavalcanti, personagens
femininas brasileiras cujas atuações políticas se caracterizaram pela
desumanidade no trato com os direitos dos excluídos. A remoção das favelas e
alocação dos seus moradores em lugares distantes, favorecendo a especulação
imobiliária na Zona Sul do Rio de Janeiro, foi uma dessas políticas. Mas
aconteceram coisas piores.
Atualmente, a premiação da venezuelana Maria Corina Machado
com o Prêmio Nobel da Paz, ao invés de significar a luta de uma mulher pela
democracia na Venezuela, tem o objetivo de preparar uma incursão militar dos
EUA naquele país para subtrair seu petróleo. Sua premiação está a serviço do
imperialismo e do colonialismo.
Em momento no qual os critérios identitários são propostos
como fundamento para a próxima escolha para o STF, é relevante refletirmos
sobre a questão. Será tal critério o que melhor atende aos interesses sociais
ou pode servir para camuflar outros interesses? Que a sociedade manifeste seus
desejos de representação é legítimo. Mas a pressão de membros de poder ou de
empresas de comunicação é indevida ingerência na prerrogativa de escolha do
presidente da República.
Quando da implicância desarrazoada com o Programa Mais
Médicos, o humorista José Simão escreveu que pouco importava se o médico era
Cubano, Venezuelano, Colombiano ou Boliviano. O que ele esperava é que o médico
fosse humano. O Presidente Lula já caiu no conto do identitarismo, com
acentuado custo para a sociedade. Que a indicação recaia sobre quem tenha
compromisso incondicional: com os valores jurídicos próprios do Estado
Democrático de Direito; com a realização substancial e não apenas formal dos
valores, direitos e liberdades do Estado Democrático de Direito; com a defesa
da independência do Poder Judiciário não só perante os demais poderes como
também perante grupos de qualquer natureza, notadamente os econômicos e
internos da magistratura representativos do patrimonialismo; com a
democratização da magistratura, seja no ingresso, nas condições do exercício
profissional e na ascensão funcional; com o fortalecimento das prerrogativas
funcionais da magistratura de primeira instância, acessada por concurso; com a
Justiça considerada como autêntico serviço público que, respondendo ao
princípio da transparência, permita ao cidadão entender os mecanismos de seu
funcionamento; com a promoção e a defesa dos princípios da democracia
pluralista e a difusão da cultura jurídica democrática, bem como consciência de
que a função judicante há de ser exercida para a proteção efetiva dos direitos
da pessoa humana, individual e coletivamente considerada, notadamente os
vulneráveis. Seja quem for com estas características, o presidente da República
estará repetindo o virtuoso comportamento do presidente Afonso Pena quando
indicou Pedro Lessa, conforme relato do ex-ministro do STF Paulo Brossard.
Publicado originariamente no
jornal O DIA, em 18/10/2025, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/10/7147462-joao-batista-damasceno-stf-instituicoes-e-identitarismo.html
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