“Nas democracias o
poder há de ser dividido e controlado. Para o controle não bastam os órgãos
formais. Também é eficiente a limitação temporal nos cargos de mando. Ao invés
da PEC que eterniza determinados oligarcas nas cúpulas institucionais seria mais
proveitoso à cidadania uma que limitasse temporalmente a permanência nos
tribunais, facultada a aposentadoria pelo tempo proporcional ou o retorno à
classe inicial da carreira”.
Projeto de Emenda Constitucional pretende
fixar o limite da permanência no serviço publico em 75 anos. É a PEC da bengala.
Congressistas vivem sob pressão de cúpulas institucionais para a aprovação. Enquanto
trabalhadores reclamam do aumento do tempo para a aposentadoria, causa
estranheza o ‘desejo de servir’ por mais 5 anos após os 70. Um parlamentar
relatou-me a abordagem e se disse assediado; outro, disse-me, ameaçado. Caravanas
visitam o Congresso Nacional a fim de promover o ‘convencimento’. Não se tem
tido o pudor de evitar o assédio a parlamentares sujeitos aos seus julgamentos.
Parlamentares vivem o temor de decisões que possam causar inelegibilidades em
ano pré-eleitoral. Só os que se limitaram ao gozo pela posse do poder e vivem
para os cargos que ocupam, mas que julgam seus, pressionam parlamentares. Com
outras razões existenciais não o fariam.
O paradigma utilizado para a defesa
da PEC da bengala são os EUA onde os juízes permanecem em atividade enquanto
bem servir, independentemente de idade. Mas, a cultura política e o sistema
judicial estadunidense são outros. Nos EUA há juízes eleitos e nomeados pelo
partido vencedor das eleições. A politização do processo de nomeação nos EUA
não propicia grande interferência nos julgamentos, ante o sistema do
precedente, pelo qual um julgamento vincula os pronunciamentos posteriores. O
pronunciamento de um juiz sobre um tema o vincula e ao órgão que titulariza; o
julgamento de tribunal o vincula, assim como a todos os juízos a ele ligados. No
Brasil cada órgão judicial tem seu entendimento e o julgamento de um caso não é
paradigma para julgamento posterior; a mesma matéria pode receber interpretações
diferentes, para destinatários distintos, ainda que emanada do mesmo órgão
judicante.
A atividade da função pública
enquanto se vivesse era um pressuposto das monarquias hereditárias, assim como
a concepção de que o rei não errava. Deste pressuposto decorria a presunção de
veracidade dos atos daqueles que atuavam em seu nome. Mas, o Estado democrático
e republicano tem outros fundamentos. Nas democracias o poder há de ser
dividido e controlado. Para o controle não bastam os órgãos formais. Também é eficiente
a limitação temporal nos cargos de mando. Ao invés da PEC que eterniza
determinados oligarcas nas cúpulas institucionais seria mais proveitoso à
cidadania uma que limitasse temporalmente a permanência nos tribunais, facultada
a aposentadoria pelo tempo proporcional ou o retorno à classe inicial da
carreira. Teríamos a horizontalização da magistratura, que não há de ser
hierarquizada. Quem deseja bem servir o faz em qualquer lugar e não apenas nas
cúpulas que encastelam e afastam da realidade.
Publicado originariamente na Tribuna do Advogado, Ano XLII, número 532, nov. 2013.
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