terça-feira, 12 de novembro de 2013

PEC DA BENGALA


“Nas democracias o poder há de ser dividido e controlado. Para o controle não bastam os órgãos formais. Também é eficiente a limitação temporal nos cargos de mando. Ao invés da PEC que eterniza determinados oligarcas nas cúpulas institucionais seria mais proveitoso à cidadania uma que limitasse temporalmente a permanência nos tribunais, facultada a aposentadoria pelo tempo proporcional ou o retorno à classe inicial da carreira”.


Projeto de Emenda Constitucional pretende fixar o limite da permanência no serviço publico em 75 anos. É a PEC da bengala. Congressistas vivem sob pressão de cúpulas institucionais para a aprovação. Enquanto trabalhadores reclamam do aumento do tempo para a aposentadoria, causa estranheza o ‘desejo de servir’ por mais 5 anos após os 70. Um parlamentar relatou-me a abordagem e se disse assediado; outro, disse-me, ameaçado. Caravanas visitam o Congresso Nacional a fim de promover o ‘convencimento’. Não se tem tido o pudor de evitar o assédio a parlamentares sujeitos aos seus julgamentos. Parlamentares vivem o temor de decisões que possam causar inelegibilidades em ano pré-eleitoral. Só os que se limitaram ao gozo pela posse do poder e vivem para os cargos que ocupam, mas que julgam seus, pressionam parlamentares. Com outras razões existenciais não o fariam.

O paradigma utilizado para a defesa da PEC da bengala são os EUA onde os juízes permanecem em atividade enquanto bem servir, independentemente de idade. Mas, a cultura política e o sistema judicial estadunidense são outros. Nos EUA há juízes eleitos e nomeados pelo partido vencedor das eleições. A politização do processo de nomeação nos EUA não propicia grande interferência nos julgamentos, ante o sistema do precedente, pelo qual um julgamento vincula os pronunciamentos posteriores. O pronunciamento de um juiz sobre um tema o vincula e ao órgão que titulariza; o julgamento de tribunal o vincula, assim como a todos os juízos a ele ligados. No Brasil cada órgão judicial tem seu entendimento e o julgamento de um caso não é paradigma para julgamento posterior; a mesma matéria pode receber interpretações diferentes, para destinatários distintos, ainda que emanada do mesmo órgão judicante.

A atividade da função pública enquanto se vivesse era um pressuposto das monarquias hereditárias, assim como a concepção de que o rei não errava. Deste pressuposto decorria a presunção de veracidade dos atos daqueles que atuavam em seu nome. Mas, o Estado democrático e republicano tem outros fundamentos. Nas democracias o poder há de ser dividido e controlado. Para o controle não bastam os órgãos formais. Também é eficiente a limitação temporal nos cargos de mando. Ao invés da PEC que eterniza determinados oligarcas nas cúpulas institucionais seria mais proveitoso à cidadania uma que limitasse temporalmente a permanência nos tribunais, facultada a aposentadoria pelo tempo proporcional ou o retorno à classe inicial da carreira. Teríamos a horizontalização da magistratura, que não há de ser hierarquizada. Quem deseja bem servir o faz em qualquer lugar e não apenas nas cúpulas que encastelam e afastam da realidade.
 
Publicado originariamente na Tribuna do Advogado, Ano XLII, número 532, nov. 2013.
 

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