“A concessão de habeas corpus não expressa
absolvição. Num Estado de Direito há procedimentalidade para as acusações. Sem
regular processo, o que se tem é o linchamento, comum na mídia”.
Pessoas pouco familiarizadas com o
sistema de direitos e garantias, notadamente com os direitos humanos, dizem que
a polícia prende e a Justiça solta. A única instituição que pode prender ou
soltar é a Justiça. Diz o Art. 301 do Código de Processo Penal que em situação
de flagrante delito as autoridades e seus agentes devem dar voz de prisão, e
qualquer do povo pode. Flagrante é a certeza visual do crime. Mas não só quem o
viu pode efetuar a prisão. Se alguém está no local do crime com a arma do
crime, pode ser pressuposto o autor do fato e portanto sujeito à prisão em flagrante,
desde que feita imediatamente. A voz de prisão e a condução para a delegacia
para a lavratura do auto de prisão somente subsistem se, ao serem comunicadas
ao juiz, em 24 horas, for decretada a prisão cautelar. Inexiste prisão sem que
seja decretada pela Justiça. Se a Justiça não a decreta, a pessoa, mesmo presa
em flagrante, estará em liberdade. Cabe ao delegado de polícia, única
autoridade competente para a lavratura do auto de prisão em flagrante, se
limitar a redigir termo circunstanciado, nos crimes de pequeno potencial
ofensivo, ou ainda registro de ocorrência.
A concessão de habeas corpus para
oficiais de alta patente da Polícia Militar não mereceu os mesmos comentários
que os deferidos a outras pessoas. Tanto jornalistas, policiais e Ministério
Público não se cansaram de falar da liberdade deferida às pessoas que invadiram
o Hotel Intercontinental, em São Conrado, depois de presas por quase 600 dias
sem terem sido apresentadas para julgamento. Falou-se da soltura, mas não se
falou da ilegalidade da manutenção daquela prisão. No caso da soltura do alto
comando da PM, não tivemos os comentários de sempre. Bem melhor assim. A
imprensa seria mais informativa se, ao invés de comentários, se limitasse à
informação.
A concessão de habeas corpus não expressa
absolvição. Num Estado de Direito há procedimentalidade para as acusações. Sem
regular processo, o que se tem é o linchamento, comum na mídia. O Brasil é o
terceiro país que mais encarcera no mundo. Mas ilegalmente. Diz a Constituição
que a prisão é exceção. A prisão provisória, banalizada por juízes sem
concepção do sistema de direitos fundamentais, somente excepcionalmente teria
cabimento. Contra tais arbitrariedades é que existe habeas corpus, remédio
contra a ilegalidade da prisão, pouco importando se o acusado é policial,
traficante, juiz, promotor de justiça ou trabalhador em outro ramo de
atividade. Para sua concessão adequada, a Justiça deve analisá-lo com a venda
nos olhos, sem escolher o destinatário.
Publicado originariamente
em O DIA, em 27/12/2014, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-12-27/joao-batista-damasceno-prende-e-solta.html
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