“Quem passa pelo
Aterro e vê a Igreja da Glória, uma das mais belas obras da arquitetura
colonial do Brasil, não imagina que tem este nome em decorrência da glória
sobre os tamoios. O nome evoca o genocídio dos povos originários, que,
recusando a escravização, se aliaram aos protestantes que por aqui buscavam
refúgio da intolerância religiosa em seus países de origem.
“Uma cidade não é
uma abstração. É o conjunto de pessoas que nela se estabelecem. O presente que
podemos dar ao Rio em seus 450 anos, reescrevendo a história, pode ser a convivência
sem exclusões, indiferenças e a negação de direitos aos ‘indesejáveis’”.
A cidade do Rio de Janeiro comemorou
neste domingo 450 anos de fundação por Estácio de Sá, sobrinho do terceiro
governador-geral do Brasil, Mem de Sá. Cidade de inigualável beleza natural e
acolhedora para alguns, mas tem na história a inglória dos maus-tratos aos que
considera indesejáveis.
No período das capitanias hereditárias,
a orla do Rio, desde Cabo Frio, estava no âmbito de São Vicente. As capitanias
não eram propriedades daqueles a quem se entregavam os títulos. Chamados
donatários, tinham apenas a concessão de uso da terra que deveriam cultivar e
proteger. Este modelo de ocupação possibilitava a retomada da terra improdutiva
ou desprotegida.
O centro do Rio é similar à planta de
Lisboa. Não fosse a derrubada do Morro do Castelo, teríamos dois ladeando o
Paço Imperial, que aqui passou a se chamar Praça 15, mas lá ainda é Paço.
Adentrando a cidade aqui temos a Praça Tiradentes, que já foi Largo do Rocio,
nome que ainda é ostentado por lá. Mas, em ambas, temos a estátua de D. Pedro,
que por aqui foi primeiro e por lá o quarto.
A história da cidade não pode estar
dissociada do período que antecede sua fundação. Dez anos antes, franceses
fugidos das perseguições religiosas na Europa se estabeleceram onde hoje é a
Praia do Flamengo, na foz do Rio Carioca, e também construíram um forte na Ilha
de Serigipe, atual Ilha de Villegagnon, que sedia a Escola Naval, atrás do
Santos Dumont. Foram dizimados, juntamente com os povos nativos que a eles se
aliaram. A união de tribos que lutaram com os franceses ficou conhecida como
Confederação dos Tamoios e reunia a nação tupinambá, os guaianazes e os
aimorés. Tal reunião fora motivada pelos ataques portugueses que capturavam
indígenas para trabalhar nas plantações de cana-de-açúcar na Capitania de São
Vicente, a única que prosperou além da de Pernambuco.
Quem passa pelo Aterro e vê a Igreja
da Glória, uma das mais belas obras da arquitetura colonial do Brasil, não
imagina que tem este nome em decorrência da glória sobre os tamoios. O nome
evoca o genocídio dos povos originários, que, recusando a escravização, se
aliaram aos protestantes que por aqui buscavam refúgio da intolerância
religiosa em seus países de origem.
Uma cidade não é uma abstração. É o
conjunto de pessoas que nela se estabelecem. O presente que podemos dar ao Rio
em seus 450 anos, reescrevendo a história, pode ser a convivência sem
exclusões, indiferenças e a negação de direitos aos ‘indesejáveis’.
Publicado
originariamente no jornal O DIA, em 02/03/2015. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-03-01/joao-batista-damasceno-rio-450-belezas-e-durezas.html
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