O ‘desenforcamento’ de Tiradentes
pelo TJ será muito importante. É salutar que o próprio tribunal que o condenou
reconheça — ainda que decorridos 223 anos — que é capaz de errar. Isto
possibilita sua humanização em momento no qual encarcera ativistas e contribui
para que o Brasil tenha a terceira maior população carcerária do mundo,
proporcionalmente à população. E, em momento no qual uns poucos desembargadores
‘apegados à arte de servir’ querem permanecer no cargo até os 75 anos, com base
em ato estadual, quando a Constituição impõe o limite para o exercício do poder
até os 70 anos.
O Tribunal de Justiça do Rio realizará júri
simulado para julgar Tiradentes na terça-feira, sugestão do professor Joel
Rufino, diretor de Comunicação e Difusão do Conhecimento do TJ. Em seguida,
representando o alferes, o ator Milton Gonçalves, encenando peça, seguirá o
trajeto feito pelo mártir. Sairá da Alerj, onde ficava a cadeia pública,
seguirá pela Rua da Assembleia, cruzará a Rio Branco — que não existia na época
—, passará pela Rua da Carioca e na Praça Tiradentes deverá dobrar à direita e
seguir pela contramão na Avenida Passos até onde era o Campo de São Domingos,
próximo ao Detran. Tiradentes rezou à porta da Igreja da Lampadosa, mas os
positivistas proclamadores da República subtraíram parte do trajeto a fim de
ocultar sua religiosidade e — falsamente — se registra que foi enforcado no
Rocio, atual Praça Tiradentes.
A sentença de morte incluiu açoitamento e
esquartejamento depois de morto, derrubada de sua casa e salgamento do terreno
para que nem mato crescesse. A condenação foi feita por desembargadores do
Tribunal da Relação do Rio, instalado em 1752, depois Tribunal de Suplicação, e
hoje Tribunal de Justiça do Rio. O alferes era um mestiço. Hoje se designaria
por afrodescendente, tais como o são os praças mandados para o enfrentamento e
morte na política de extermínio de outros afrodescendentes pobres das favelas.
Recebeu a pena mais grave dentre os condenados.
Mas o inusitado do julgamento de Tiradentes é que
tudo começou com a delação premiada de Joaquim Silvério dos Reis, instituto que
o juiz Sérgio Moro tem restabelecido no atacado, e seu julgamento foi feito por
desembargadores com investidura irregular. Silvério reclamou benefícios da
Coroa pela sua fidelidade ao Rei, e alguns poucos desembargadores requereram
suas efetivações no tribunal para evitar a nulidade das sentenças proferidas. A
Conjuração Mineira foi em 1789, e a execução de Tiradentes, em 1792.
O ‘desenforcamento’ de Tiradentes pelo TJ será
muito importante. É salutar que o próprio tribunal que o condenou reconheça —
ainda que decorridos 223 anos — que é capaz de errar. Isto possibilita sua
humanização em momento no qual encarcera ativistas e contribui para que o
Brasil tenha a terceira maior população carcerária do mundo, proporcionalmente
à população. E, em momento no qual uns poucos desembargadores ‘apegados à arte
de servir’ querem permanecer no cargo até os 75 anos, com base em ato estadual,
quando a Constituição impõe o limite para o exercício do poder até os 70 anos.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em
19/04/2015, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-04-19/joao-batista-damasceno-desenforcando-tiradentes.html
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