segunda-feira, 27 de abril de 2015

Entre o fuzil e a espada


“Policiais mandados para o confronto também são vitimados e não têm opção a não ser executar a política que lhes é ordenada. São vitimados quando mandados para o confronto bélico e desumanizados e brutalizados na implementação de uma política que não respeita a vida, ainda que alguns exercitem a violência por sadismo ou interesse. Os grupos paraestatais de extermínio e extorsão são expressão da corrupção do sistema e não existiriam sem o acobertamento de uma política que vilipendia os direitos fundamentais da pessoa humana. Mas o policial no desempenho de uma política oficial não pode ser responsabilizado sozinho. Afinal, é agente público que deve executar ordens transmitidas. A responsabilidade penal é do executor, mas quem planeja e ordena tem — no mínimo — responsabilidade política. E os ideólogos que legitimam o extermínio têm as mãos sujas com o sangue dos executados e igual responsabilidade”

A segurança pública que o estado vem implementando e que o secretário Beltrame chamou em 2007 de “política de enfrentamento” se traduz em política de extermínio de negros e pobres nas favelas. Não se trata de política em favor da vida, mas de sua eliminação. Não há criança nas áreas militarmente ocupadas que não receie ser alvejada.

Essa política transcende governos. Nunca o Estado matou tanto. Em 1997, em plena ‘Gratificação Faroeste’, foram 300 autos de resistência. Em 2008, foram 1.137; em 2009, 1,049; em 2010, 855; em 2011, 523, e em 2012, 415. A diminuição a partir de 2010 é proporcional ao aumento dos desaparecidos, como Amarildo.

Policiais mandados para o confronto também são vitimados e não têm opção a não ser executar a política que lhes é ordenada. São vitimados quando mandados para o confronto bélico e desumanizados e brutalizados na implementação de uma política que não respeita a vida, ainda que alguns exercitem a violência por sadismo ou interesse. Os grupos paraestatais de extermínio e extorsão são expressão da corrupção do sistema e não existiriam sem o acobertamento de uma política que vilipendia os direitos fundamentais da pessoa humana. Mas o policial no desempenho de uma política oficial não pode ser responsabilizado sozinho. Afinal, é agente público que deve executar ordens transmitidas. A responsabilidade penal é do executor, mas quem planeja e ordena tem — no mínimo — responsabilidade política. E os ideólogos que legitimam o extermínio têm as mãos sujas com o sangue dos executados e igual responsabilidade.

Pezão disse que o policial errou ao matar uma criança no Alemão. Mas as mortes, inclusive de crianças, não são defeitos da atuação policial; são efeito da política de ocupação militar. Além dos policiólogos, ideólogos da pacificação pela execução, a política de extermínio vem sendo legitimada por ONGs, pela especulação imobiliária e por setores da mídia. Sentados da primeira fila do espetáculo da matança, recebem retribuição por aplaudir. A sociologia policizada, que busca fundamento para legitimar a ocupação, é tão afastada da realidade que pretende interpretar e explicar quanto o eram as leis editadas pelos gorilas na ditadura-empresarial militar. Coincidem no afastamento com a concretude da vida. A punição de policiais não é a melhor política para reduzir a letalidade de um sistema alimentado por interesses não explicitados republicanamente. O que está estragado não é o vinho, é a garrafa.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 26/04/2014, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-04-25/joao-batista-damasceno-entre-o-fuzil-e-a-espada.html

 

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