“A ordem que se pretende
construir é a dos cemitérios, com suas rígidas disposições de jazigos. Mas a
sociedade é viva e precisa da liberdade para se reinventar. A paz que se
pretende construir é a paz das cidades aquietadas pelo medo e prestes a serem
saqueadas. A ordem a que se almeja é a que assegure a desordem da exclusão, do
genocídio, da violação aos direitos humanos, da militarização da vida a partir
da pedagogia do medo que nos tem ensinado a nos curvar ao primeiro agente
armado do Estado que apareça. O terrorismo com o qual havemos de nos preocupar
é o terrorismo do Estado e das políticas liberticidas que massacram o povo”.
O projeto de lei que criminaliza o terrorismo no
Brasil é caso raro no qual se pretende punir um fato inexistente. Terrorismo é
o uso de força física ou psicológica e ataques a pessoas ou instalações de um
governo ou da parcela da população que o apoia para causar medo. No mundo, é
prática de grupos minoritários que não dispõem de força política para lutar
abertamente — notadamente em regimes fechados que não reconhecem os opositores
como legítimos e os criminalizam. A prática é clandestina e incompatível com a
democracia pluralista que a todos assegura possibilidade de manifestação.
A história do Brasil se fez com a resistência
popular, com a conciliação entre a classe dominante para aplacar demandas
sociais, mas sobretudo pela derrota da radicalidade. A construção social do
país, as relações sociais e o processo político cuidaram de impedir a
florescência de extremados. No máximo vivenciamos alguma veemência na
reivindicação de demandas negligenciadas. O terrorismo que se praticou no
Brasil foi o de Estado, a partir da Operação Condor, atuação conjunta com
países do Cone Sul quando da ditadura empresarial-militar.
O que a Lei do Terrorismo pretende é a
criminalização dos movimentos sociais em momento de supressão dos direitos dos
trabalhadores. O crime de terrorismo previsto no projeto poderá encarcerar
qualquer um considerado risco à estabilidade institucional. O projeto descreve
como terrorista a prática de ato que seja interpretado como perigo à vida
alheia, à integridade corporal ou à liberdade de locomoção. Basta ser
considerado causador de risco! O projeto considera organização terrorista
qualquer grupo de duas ou mais pessoas que possa prejudicar a tranquilidade ou
a ordem pública. Trabalhadores em suas manifestações poderão ser considerados
terroristas.
A ordem que se pretende construir é a dos
cemitérios, com suas rígidas disposições de jazigos. Mas a sociedade é viva e
precisa da liberdade para se reinventar. A paz que se pretende construir é a
paz das cidades aquietadas pelo medo e prestes a serem saqueadas. A ordem a que
se almeja é a que assegure a desordem da exclusão, do genocídio, da violação
aos direitos humanos, da militarização da vida a partir da pedagogia do medo
que nos tem ensinado a nos curvar ao primeiro agente armado do Estado que
apareça. O terrorismo com o qual havemos de nos preocupar é o terrorismo do
Estado e das políticas liberticidas que massacram o povo.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em
05/04/2010, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-04-04/joao-batista-damasceno-terrorismo-no-brasil.html
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