segunda-feira, 16 de maio de 2016

Constituição de papel


“A admissão do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff pelo Senado é demonstração de que a Constituição é de papel e que os direitos e garantias que nela se contêm somente têm eficácia quando se encontra quem lhes queira atribuir efeitos”.

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“Em 12 de julho de 2014 dezenas de pessoas foram presas para que não pudessem se manifestar no final da Copa do Mundo e o ministro José Eduardo Cardozo afirmou que conversara com o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, e que este afirmara que as prisões não tinham sido arbitrárias. Outro ministro disse que a Lei Geral da Copa fora mantida pelo STF, em duas ações de inconstitucionalidade. “Tivemos zero problema na Justiça, durante a Copa”, disse. Provam agora do próprio remédio. O mesmo STF proporciona zero problema aos golpistas”.

 

A admissão do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff pelo Senado é demonstração de que a Constituição é de papel e que os direitos e garantias que nela se contêm somente têm eficácia quando se encontra quem lhes queira atribuir efeitos. Quem vive nas periferias brasileiras sabe, pela concretude da vida cotidiana, que a cidadania é algo a ser construído no Brasil. Direito é o poder de exigir de outrem a satisfação de um interesse. Mas, no Brasil, direito se suplica, pois quem ousa ser cidadão e o exigir acaba não tendo deferido o que é seu.

A lei 1079, editada em 10 de abril de 1950, fora arquitetada pela UDN visando ao impeachment de Getúlio Vargas, cuja eleição era previsível. A UDN somente reconhecia a legitimidade das eleições que vencia. Além da tentativa de golpe contra o presidente Vargas, tentou contra Juscelino Kubitscheck e contra o presidente João Goulart, até a sua deposição em 1964. As empresas de comunicação que naquela época apoiavam as tentativas de golpe, hoje atuam da mesma maneira. Se a democracia quiser se estruturar e sobreviver no Brasil será preciso pensarmos no desmonte do modelo de mídia comercial que atua por delegação do poder público.

Ao chegar ao poder, o presidente Lula e seu partido reiteraram erros que a classe dominante e as elites sempre praticaram. Imperdoável! Afinal, fora eleito para romper com tais estruturas. Em vez de se reforçar a cidadania pela construção de direitos preferiu-se a ampliação do consumo, dimensão liberal da cidadania. Uma cultura cidadã poderia evitar o golpe e a instauração de governo ilegítimo, cujas decisões são também ilegítimas e que não tem o direito de exigir obediência às ordens dele emanadas.

Em 12 de julho de 2014 dezenas de pessoas foram presas para que não pudessem se manifestar no final da Copa do Mundo e o ministro José Eduardo Cardozo afirmou que conversara com o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, e que este afirmara que as prisões não tinham sido arbitrárias. Outro ministro disse que a Lei Geral da Copa fora mantida pelo STF, em duas ações de inconstitucionalidade. “Tivemos zero problema na Justiça, durante a Copa”, disse. Provam agora do próprio remédio. O mesmo STF proporciona zero problema aos golpistas.



 
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 15/05/2016, pag. 15. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2016-05-14/joao-batista-damasceno-constituicao-de-papel.html

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