A coisa mais comum em época
de eleição são os falsos atentados. Quem atua no interior convive com as falsas
ocorrências a cada eleição. Quase sempre ocorrem disparos de arma de fogo com
atingimento de candidatos em lugares não letais ou em bens de pequeno valor econômico.
Paralamas de carros, vidros laterais, parede de casa ou muro são alvos
preferenciais capazes de comprovar o “atentado”, sem causar dano considerável
aos bens ou risco real aos atingidos.
Eu era juiz eleitoral
durante a eleição municipal de 1996 em Magé, RJ. Benito Cozzolino era candidato
a prefeito. Seu sobrinho Charles Cozzolino era prefeito municipal e eu presidia
um processo de investigação eleitoral onde o MP o acusava de gastos de verbas
públicas em campanha eleitoral. A irmã do prefeito e sobrinha do candidato era a
deputada Núbia Cozzolino. Uma figura!
Faltando dois dias para a
eleição foi noticiado que durante a madrugada a deputada Núbia Cozzolino sofrera
um atentado. Ao chegar ao Fórum logo depois fui procurado pela deputada Núbia
Cozzolino que chegou com braço e perna engessados. Lembrei do gesso na perda de
Carlos Lacerda, no atentado da Rua Toneleiro que levou Getúlio Vargas ao
suicídio.
A deputada levou o carro ao
Fórum para que as perfurações pudessem ser vistas por mim, juiz eleitoral. O carro estava todo furado por projéteis de
grosso calibre. Tratando a ocorrência com aparente seriedade sugeri à deputada
que voltasse ao hospital e retirasse o gesso, pois não se pode engessar
ferimento, sob pena de seqüelas irreversíveis. \
O veículo oficial da
Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro 1ue servia à deputada havia
sido alvejado por 12 tiros de AR-15, na parte traseira e vidros. Segundo
relatava, ela chegava de um comício à casa de uma assessora quando os “matadores”
começaram a atirar com fuzis. Um vizinho da assessora, um policial reformado da
Policia Militar, reagira ao atentado e dissuadira os “matadores” disparando um
velho revólver 38.
Conversei com o delegado da
65ª DP/ Piabetá, Antônio Silvino. Ele não emitiu opinião sobre o “crime” que
apuraria. Mas, riu quando lhe falei que se poderia estar diante de uma falsa
comunicação de crime. Silvino sempre foi uma figura. Nunca enfiava em mão em
cumbuca. Mas, também não descumpria o que devia fazer. Creio que ainda esteja
em atividade.
O Comandante da 3ª Companhia
da Policia de Militar de Magé (ainda não tinha batalhão) era um major de nome
Mário. Um policial militar exemplar; destes que a polícia deveria ter mais. Ele
verbalizou que a narrativa das “vítimas” do atentado não correspondia à
realidade e que não seria possível debelar um ataque de várias pessoas portando
fuzis AR-15 com o emprego de um único e velho revólver 38. Além do mais,
somente o carro oficial tinha sido atingido. Nenhuma pessoa fora atingida, nem
veículos particulares.
O que realmente aconteceu
nunca me foi esclarecido. Fiquei com a versão oficial de que houvera um atentado.
O jornal Folha de S. Paulo publicou matéria sobre o assunto e a encerrou com a seguinte frase: “O delegado vê com desconfiança o relato
da deputada. ‘A princípio, houve muito tiro e pouco ferimento", disse ele
a policiais de sua equipe’.
Na mesma eleição municipal recebi
um telefonema do interior de Minas Gerais relatando um atentado contra uma jovem
familiar que concorria a cargo de vereadora numa pequena cidade. O pai da candidata
gostaria de concorrer mas não se dispondo a tanto colocou a filha na disputa,
quando mal completara 18 anos. Ela me relatou que parara o carro, entrara na
casa de um eleitor e que dois motoqueiros atiraram contra seu carro. Perguntei
se ela estava dentro do carro e ela respondeu que não. Perguntei em que lugar o
carro fora alvejado e ela respondeu que no paralamas dianteiro. Imediatamente
disse-lhe que não se assustasse e que perguntasse ao seu pai ou aos
coordenadores de sua campanha quem teria sido mandato produzir aquele falso
atentado para ganhar publicidade. O assunto foi encerrado e nunca mais ninguém
falou comigo sobre aquela ocorrência.
Eleição é assim. Tem
atentados reais. Mas também tem muitos factóides e estes caracterizam – no mínimo
- falsa comunicação de crime.
Matéria publicada na Folha de S.Paulo e 01/10/1996:
São Paulo,
terça-feira, 1 de outubro de 1996
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Encapuzados disparam tiros de fuzil AR-15 contra deputada do PSD no
Rio
SERGIO TORRES
ENVIADO ESPECIAL A MAGÉ (RJ)
Pelo menos 12 tiros
de fuzil AR-15 foram disparados ontem de madrugada contra a comitiva da
deputada estadual Núbia Cozzolino (PSD), que voltava de um comício em Magé
(município a 60 km do Rio).
Nenhuma bala
acertou o alvo. Núbia, 38, disse que, ao se atirar no chão para escapar dos
disparos, sofreu torção no braço direito e escoriações nas duas pernas.
A se confirmar, o
atentado contra a deputada é o segundo a ocorrer na Baixada Fluminense em
menos de uma semana. Na quinta-feira, o prefeito de Belfort Roxo, Mair Rosa
(PMDB), foi baleado.
Após ser medicada no hospital de Piabetá (distrito de Magé), a deputada disse não ter dúvidas de que o suposto atentado teve motivos políticos.
Núbia não quis
apontar suspeitos, mas assessores procuraram jornalistas para dizer que o
ataque teria sido ordenado por Nelson Costa Mello, candidato do PL à
Prefeitura de Magé e adversário político da família Cozzolino.
A Folha não
conseguiu localizar Costa Mello, conhecido em Magé por seu apelido de campanha,
Nelson do Posto.
Disparos
O suposto atentado
ocorreu à 0h15, no bairro Parque Santana, em frente à casa de Deise Rodrigues
da Silva, assessora da deputada. Núbia chegou ao local em um Gol branco,
acompanhada de Deise, da filha desta, Gisele, 10, e do motorista Renato de
Medeiros.
O grupo voltava do comício de Benito Cozzolino -tio da deputada e candidato do PPB à Prefeitura de Magé-, encerrado minutos antes no bairro Fragoso.
Em frente à casa de
Deise estava parado o Tempra oficial da liderança do PSD na Assembléia, usado
pela deputada.
O atentado teria ocorrido quando Núbia e os acompanhantes saíram do Gol em direção ao Tempra.
A dupla na
motocicleta teria se aproximado e disparado contra o grupo. A deputada disse
que, para se proteger, entrou debaixo do Tempra.
Os autores do
atentado teriam fugido depois que um vizinho de Deise, o policial militar
aposentado Ledyr Melinovsky, saiu de casa disparando para o alto com um
revólver calibre 38.
Os acompanhantes da deputada também disseram ter sofrido escoriações. Todos foram medicados no hospital de Piabetá.
O Tempra foi
atingido por três tiros. O Gol teve os vidros dianteiro e traseiro destruídos
pelas balas de fuzil.
O delegado-titular
da 66ª DP (Delegacia de Polícia), em Piabetá, Antônio Silvino, recolheu 12
cápsulas de AR-15 no local e dentro dos carros.
Silvino disse que
pretende interrogar na delegacia todos os quatro candidatos à Prefeitura de
Magé: Benito Cozzolino, Nelson Costa Mello (PL), Washington Lobo (PDT) e
Deladier Garcia (Prona).
O delegado vê com
desconfiança o relato da deputada. "A princípio, houve muito tiro e
pouco ferimento", disse ele a policiais de sua equipe.
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