quinta-feira, 6 de setembro de 2018

ATENTADO EM ÉPOCA DE ELEIÇÃO


A coisa mais comum em época de eleição são os falsos atentados. Quem atua no interior convive com as falsas ocorrências a cada eleição. Quase sempre ocorrem disparos de arma de fogo com atingimento de candidatos em lugares não letais ou em bens de pequeno valor econômico. Paralamas de carros, vidros laterais, parede de casa ou muro são alvos preferenciais capazes de comprovar o “atentado”, sem causar dano considerável aos bens ou risco real aos atingidos.


Eu era juiz eleitoral durante a eleição municipal de 1996 em Magé, RJ. Benito Cozzolino era candidato a prefeito. Seu sobrinho Charles Cozzolino era prefeito municipal e eu presidia um processo de investigação eleitoral onde o MP o acusava de gastos de verbas públicas em campanha eleitoral. A irmã do prefeito e sobrinha do candidato era a deputada Núbia Cozzolino. Uma figura!

Faltando dois dias para a eleição foi noticiado que durante a madrugada a deputada Núbia Cozzolino sofrera um atentado. Ao chegar ao Fórum logo depois fui procurado pela deputada Núbia Cozzolino que chegou com braço e perna engessados. Lembrei do gesso na perda de Carlos Lacerda, no atentado da Rua Toneleiro que levou Getúlio Vargas ao suicídio.

A deputada levou o carro ao Fórum para que as perfurações pudessem ser vistas por mim, juiz eleitoral.  O carro estava todo furado por projéteis de grosso calibre. Tratando a ocorrência com aparente seriedade sugeri à deputada que voltasse ao hospital e retirasse o gesso, pois não se pode engessar ferimento, sob pena de seqüelas irreversíveis. \

O veículo oficial da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro 1ue servia à deputada havia sido alvejado por 12 tiros de AR-15, na parte traseira e vidros. Segundo relatava, ela chegava de um comício à casa de uma assessora quando os “matadores” começaram a atirar com fuzis. Um vizinho da assessora, um policial reformado da Policia Militar, reagira ao atentado e dissuadira os “matadores” disparando um velho revólver 38.

Conversei com o delegado da 65ª DP/ Piabetá, Antônio Silvino. Ele não emitiu opinião sobre o “crime” que apuraria. Mas, riu quando lhe falei que se poderia estar diante de uma falsa comunicação de crime. Silvino sempre foi uma figura. Nunca enfiava em mão em cumbuca. Mas, também não descumpria o que devia fazer. Creio que ainda esteja em atividade.

O Comandante da 3ª Companhia da Policia de Militar de Magé (ainda não tinha batalhão) era um major de nome Mário. Um policial militar exemplar; destes que a polícia deveria ter mais. Ele verbalizou que a narrativa das “vítimas” do atentado não correspondia à realidade e que não seria possível debelar um ataque de várias pessoas portando fuzis AR-15 com o emprego de um único e velho revólver 38. Além do mais, somente o carro oficial tinha sido atingido. Nenhuma pessoa fora atingida, nem veículos particulares.

O que realmente aconteceu nunca me foi esclarecido. Fiquei com a versão oficial de que houvera um atentado.

O jornal Folha de S. Paulo publicou matéria sobre o assunto e a encerrou com a seguinte frase: “O delegado vê com desconfiança o relato da deputada. ‘A princípio, houve muito tiro e pouco ferimento", disse ele a policiais de sua equipe’.

Na mesma eleição municipal recebi um telefonema do interior de Minas Gerais relatando um atentado contra uma jovem familiar que concorria a cargo de vereadora numa pequena cidade. O pai da candidata gostaria de concorrer mas não se dispondo a tanto colocou a filha na disputa, quando mal completara 18 anos. Ela me relatou que parara o carro, entrara na casa de um eleitor e que dois motoqueiros atiraram contra seu carro. Perguntei se ela estava dentro do carro e ela respondeu que não. Perguntei em que lugar o carro fora alvejado e ela respondeu que no paralamas dianteiro. Imediatamente disse-lhe que não se assustasse e que perguntasse ao seu pai ou aos coordenadores de sua campanha quem teria sido mandato produzir aquele falso atentado para ganhar publicidade. O assunto foi encerrado e nunca mais ninguém falou comigo sobre aquela ocorrência.

Eleição é assim. Tem atentados reais. Mas também tem muitos factóides e estes caracterizam – no mínimo - falsa comunicação de crime.



Matéria publicada na Folha de S.Paulo e 01/10/1996:



São Paulo, terça-feira, 1 de outubro de 1996http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/images/brasil.gif

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/images/brabar.gif

Encapuzados disparam tiros de fuzil AR-15 contra deputada do PSD no Rio
SERGIO TORRES 
ENVIADO ESPECIAL A MAGÉ (RJ)
Pelo menos 12 tiros de fuzil AR-15 foram disparados ontem de madrugada contra a comitiva da deputada estadual Núbia Cozzolino (PSD), que voltava de um comício em Magé (município a 60 km do Rio).

Nenhuma bala acertou o alvo. Núbia, 38, disse que, ao se atirar no chão para escapar dos disparos, sofreu torção no braço direito e escoriações nas duas pernas.

A se confirmar, o atentado contra a deputada é o segundo a ocorrer na Baixada Fluminense em menos de uma semana. Na quinta-feira, o prefeito de Belfort Roxo, Mair Rosa (PMDB), foi baleado.
Após ser medicada no hospital de Piabetá (distrito de Magé), a deputada disse não ter dúvidas de que o suposto atentado teve motivos políticos.

Núbia não quis apontar suspeitos, mas assessores procuraram jornalistas para dizer que o ataque teria sido ordenado por Nelson Costa Mello, candidato do PL à Prefeitura de Magé e adversário político da família Cozzolino.

A Folha não conseguiu localizar Costa Mello, conhecido em Magé por seu apelido de campanha, Nelson do Posto.
Disparos

O suposto atentado ocorreu à 0h15, no bairro Parque Santana, em frente à casa de Deise Rodrigues da Silva, assessora da deputada. Núbia chegou ao local em um Gol branco, acompanhada de Deise, da filha desta, Gisele, 10, e do motorista Renato de Medeiros.
O grupo voltava do comício de Benito Cozzolino -tio da deputada e candidato do PPB à Prefeitura de Magé-, encerrado minutos antes no bairro Fragoso.

Em frente à casa de Deise estava parado o Tempra oficial da liderança do PSD na Assembléia, usado pela deputada.
O atentado teria ocorrido quando Núbia e os acompanhantes saíram do Gol em direção ao Tempra.

A dupla na motocicleta teria se aproximado e disparado contra o grupo. A deputada disse que, para se proteger, entrou debaixo do Tempra.

Os autores do atentado teriam fugido depois que um vizinho de Deise, o policial militar aposentado Ledyr Melinovsky, saiu de casa disparando para o alto com um revólver calibre 38.
Os acompanhantes da deputada também disseram ter sofrido escoriações. Todos foram medicados no hospital de Piabetá.

O Tempra foi atingido por três tiros. O Gol teve os vidros dianteiro e traseiro destruídos pelas balas de fuzil.

O delegado-titular da 66ª DP (Delegacia de Polícia), em Piabetá, Antônio Silvino, recolheu 12 cápsulas de AR-15 no local e dentro dos carros.

Silvino disse que pretende interrogar na delegacia todos os quatro candidatos à Prefeitura de Magé: Benito Cozzolino, Nelson Costa Mello (PL), Washington Lobo (PDT) e Deladier Garcia (Prona).

O delegado vê com desconfiança o relato da deputada. "A princípio, houve muito tiro e pouco ferimento", disse ele a policiais de sua equipe.




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