Não formularei juízo de valor sobre a eleição de Miriam Leitão para a Academia Brasileira de Letras (ABL). Miriam, jornalista das empresas Globo, foi eleita para a cadeira 7 da ABL no dia 30 do mês passado, ocupando a vaga deixada por Cacá Diegues. Recebeu 20 votos. Seu concorrente Cristovam Buarque, ex-reitor da UNB, ex-presidente do Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), ex-governador do DF, ex-senador e ex-ministro da Educação recebeu 14 votos. A eleição chegou a ser justificada pelo aumento da representatividade feminina na instituição, que agora conta com cinco acadêmicas. A genial poeta Cecília Meireles foi a primeira mulher a ser premiada pela ABL. Mas nela não ingressou; era cigana.
Foi ampliado o poder da bancada de jornalistas da Globo na
instituição presidida por Merval Pereira. Miriam é mineira, da cidade de
Caratinga, MG, a mesma de Ziraldo, Agnaldo Timóteo e do acadêmico Ruy Castro. É
filha de um pastor protestante que, na direção de uma escola, possibilitou
outra educação que não a dos padres da cidade, embora igualmente confessional.
Até 1759, quando expulsos por Marquês de Pombal, os Jesuítas cuidavam da
educação no Brasil. No século XX as diferentes igrejas passaram a disputar o
poder educacional. Assim, tanto a Igreja Católica quanto as instituições
protestantes criaram escolas para formar fiéis. E o reverendo protestante pai
da Miriam o fez, brilhantemente.
Se a eleição na ABL foi orientada por critério identitário,
alguma coisa está fora do lugar. Não sei o que Machado de Assis acharia disso.
O identitarismo como critério precisa ser repensado. Vários grupos demandam
representação e são legitimados, mas outros sequer são cogitados. Embora todas
as instituições tenham em seus quadros integrantes de pequena estatura, nenhuma
se dispõe a ampliar seus quadros com a oferta de vagas a pessoas de pequena
estatura física, notadamente os anões. Reporto-me aos anões por dois motivos: o
primeiro é literário porque, em se tratando da ABL, é preciso lembrar que os
anões povoam a literatura nórdica e germânica; e o segundo é cordial, numa
referência ao meu amigo André Pestaninha, assassinado em 2016 nesta cidade do
Rio de Janeiro sem que até hoje a polícia tenha esclarecido o crime.
André Pestaninha foi o anão que liderou uma campanha para que
houvesse telefones públicos (orelhões) em altura que pudessem usar, assim como
as crianças. A TELERJ o atendeu. André Pestaninha nunca aceitou ser qualificado
por outro termo e por isso a ele não me refiro com outros vocábulos. Ele dizia
que era anão e que queria apenas acessos compatíveis com sua condição, sem
privilégios ou palavras que não o ajudavam.
As cidades não têm responsabilidade pelo que fazem seus
filhos. Carangola, MG, minha cidade natal, teve juízes de matizes diversas,
dentre os quais o ministro Victor Nunes Leal, do STF, e a juíza Denise
Frossard, além de outros e outras. Mas se manteve longe do poder eclesiástico e
recusou abrir espaço para a instalação do bispado, que certamente influiria nas
relações sociais locais. Mas Caratinga, terra da nova imortal, não! Na década
de 20 do século XX ganhou o bispado.
Em 1938, Dom João Batista Cavati foi nomeado bispo Diocesano
de Caratinga, ficando no cargo até 1956, quando renunciou. O motivo da renúncia
não foi esclarecido. Deu nome ao distrito de Caratinga, criado em 1948, que
emancipado em 1962 mantém o nome de município de Dom Cavati. Somente em 1987
Dom Cavati faleceu, na sede da Diocese de Caratinga, com grande prestígio
dentre seus pares e muita influência nas decisões locais e é lembrado como o
Bispo das Vocações Sacerdotais e das Escolas Católicas.
O contraponto ao educador católico na cidade foi o Reverendo
Uriel de Almeida Leitão, pai da nova imortal, que em 1943 proferiu entusiasmado
discurso no Ginásio Caratinga, falou sobre as finalidades da educação na
sociedade e assumiu a instituição como seu Diretor Geral. O Reverendo Uriel se
estabeleceu no ramo da educação privada e a cidade viveu o embate entre os
ensinos religiosos com fundamentação católica ou protestante.
Com o golpe empresarial-militar de 1964 a primeira lei de
diretrizes e bases da educação nacional, formulada por Anísio Teixeira e Darcy
Ribeiro, promulgada em 1962, foi desnaturada. Assim, em 1968, entrou em
vigência a “Reforma Universitária”. A partir dos anos 1970 foram estimulados os
cursos superiores privados. Em 1971, o coronel-ministro Jarbas Passarinho
implantou reforma educacional no ensino correspondente aos níveis fundamental e
médio. Houve aumento do número de concluintes do ensino médio, demanda por
curso superior e a instituição do Reverendo Uriel instalou a Faculdade de
Ciências Contábeis de Caratinga. Depois criou os cursos de Serviço Social,
Ciência da Computação, Comunicação Social e Direito. Em 2000 as cinco
faculdades compuseram as Faculdades Integradas de Caratinga e desde 2004 é o
Instituto Doctum de Educação e Tecnologia.
Ganhou a eleição na ABL a filha do Reverendo Uriel, fiadora
da Operação Lava Jato, cujo filho foi o escriba da atuação politizada do
“principado de Curitiba”. Perdeu a eleição da ABL um professor, um educador, um
homem das letras, que tem como referência teórica Darcy Ribeiro, Anísio
Teixeira e Paulo Freire e, tal como estes, tem uma vida dedicada à educação
pública, universal, gratuita e laica
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 17/05/2025,
pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/05/7057385-joao-batista-damasceno-a-imortalidade-de-miriam-leitao.html
Nem um nem outro. Depois de Merval, por que não Miriam?! Andamos sem sorte.
ResponderExcluir