sexta-feira, 2 de maio de 2025

A cassação do deputado Glauber Braga

É certa a cassação do deputado Glauber Braga pela Câmara dos Deputados. Sempre que os direitos das minorias ou dos indivíduos são entregues aos sentimentos contrariados da maioria, aqueles são sacrificados. Na história há registros emblemáticos do que é capaz a maioria insatisfeita, dentre eles os julgamentos do filósofo grego Sócrates e de Jesus Cristo. Em ambos os casos a maioria enfurecida sacrificou a vida dos inocentes.

O deputado Glauber Braga é acusado de haver expulsado um provocador que há muito tempo o perseguia e que num determinado dia, no âmbito das dependências da Câmara dos Deputados, ofendia sua mãe que se encontrava no leito de morte. Em defesa da honra da mãe, o deputado expulsou o provocador da casa parlamentar que desrespeitava e na saída deu-lhe um chute na bunda. A acusação é de exercício de violência no recinto parlamentar e, portanto, quebra do decoro parlamentar. Mas tal Casa nunca foi tão intransigente com essa questão. Está mais que evidenciado o exercício regular de direito ou a legítima defesa da honra de terceiro. No caso, a honra da mãe do deputado. Ela morreu dias depois do episódio.

Tanto o exercício regular de direito ou a legítima defesa são causas de exclusão da ilicitude da conduta. Aquele que pratica fato previsto como crime, diante de causas excludentes de ilicitude, não comete crime. Comete o fato hipoteticamente definido como crime, mas crime não é porque se trata de conduta lícita. O médico que faz uma incisão cirúrgica num paciente, causando uma cicatriz, não pode ser acusado de lesão corporal. Isto porque a lesão causada está respaldada pelo exercício regular de direito, que é outra excludente de ilicitude da conduta.

Já tivemos ocorrências no âmbito da Câmara dos deputados e do Senado Federal de efetiva gravidade que jamais mereceram qualquer manifestação de censura aos autores. O deputado Arnon de Mello, pai do ex-presidente Fernando Collor de Mello, disparou tiros contra o senador petebista Silvestre Péricles, atingindo e matando o senador José Kairala. Apesar do assassinato, e ainda que tenha sido dentro do Senado Federal, na presença de inúmeras autoridades, Arnon de Melo não teve qualquer punição imposta pela Mesa Diretora. Em data recente, no âmbito do Congresso Nacional, um deputado fazia apologia à tortura e ao Coronel Brilhante Ustra, dirigente de centro de tortura reconhecido por uma de suas vítimas a deputada e atriz Bete Mendes. Igualmente não houve sequer submissão ao Conselho de Ética.

O problema não é o fato, ainda quando seja grave. Mas quem o pratica ou quem foi atingido pelo comportamento anterior do acusado. Cristo não foi crucificado porque curava no sábado ou perdoava prostitutas e publicanos corruptos. Mas porque acusava os sacerdotes de transformarem o templo em casa de comércio. Angariou a antipatia do alto clero, que insuflou o baixo clero e a massa.
No julgamento de Cristo o mais indignado era o Sumo Sacerdote, Caifás. Para disfarçar sua falta de seriedade fez cara sisuda e para convencer o povo a libertar Barrabás e levar Cristo à crucificação, teatralmente, rasgou as próprias vestes. Os discursos indignados dos acusados de improbidade geralmente decorrem de retórica para convencimento, sem racionalidade. Quem tem razão pode fazer a demonstração com o passo a passo do raciocínio. Não precisa de retórica acalorada.

No caso do julgamento de Cristo, o sumo sacerdote, com sua retórica e teatralidade, acirrou o sentimento da maioria contra o acusado. No caso do deputado Glauber Braga, depois da Comissão de Ética foi a vez da Comissão de Constituição e Justiça aprovar o julgamento feito pelo Pleno da Câmara dos Deputados. O baixo clero, oriundo dos grotões, que domina a cena parlamentar, não perdoará quem o acusa de malversação de verbas orçamentárias. Glauber será cassado e por suas virtudes.

A indignação de certos parlamentares com o deputado Glauber Braga é notável. Alguns são capazes de rasgar as próprias vestes para demonstrá-la. Ele vem denunciando as emendas secretas pelas quais seus pares no Congresso Nacional direcionam recursos do orçamento para suas bases eleitorais a fim de serem geridas pelas autoridades locais. Quem conhece o poder local no Brasil sabe o quanto essas verbas são relevantes para realização de festas diversas, muitas das quais superfaturadas. Rodeios, cavalgadas, shows sertanejos, contratação de bandas locais e muitos outros modos de gastos de verbas advindas de emendas do orçamento da União fazem a alegria de cabos eleitorais nos grotões, de quem é contratado e de quem recebe as `rachadinhas´. Isto sem contar as obras públicas, muitas das quais já veem com destinatário certo e onde o procedimento licitatório é mera formalidade para prestação de contas. Além disto, tem também as destinações a entidades declaradas de interesse social, que na verdade são entidades `pilantrópicas´. O ralo pelo qual se esvai o dinheiro público, por meio de emendas parlamentares secretas, é na verdade um bueiro.

A CPI dos Anões do Orçamento demonstrou, nos anos 90 do século XX, como agiam os que manipulavam o orçamento da União. Tal investigação não cessou com a prática. Ao contrário, a divulgou a ensinou a outros o caminho pelo qual poderiam trilhar rumo ao patrimonialismo. O Brasil tem jeito. Mas não será com pulverização de recursos federais para garantia de governabilidade. Pelo menos a sessão Plenária da Câmara dos Deputados que cassará o deputado Glauber Braga será pública, com voto aberto, e assim poderemos saber quem tem interesse no orçamento secreto com destino de verbas em envelopes fechados.

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 03/05/2025, pag. 15. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/05/7049201-joao-batista-damasceno-a-cassacao-do-deputado-glauber-braga.html

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