É certa a
cassação do deputado Glauber Braga pela Câmara dos Deputados. Sempre que os
direitos das minorias ou dos indivíduos são entregues aos sentimentos
contrariados da maioria, aqueles são sacrificados. Na história há registros
emblemáticos do que é capaz a maioria insatisfeita, dentre eles os julgamentos
do filósofo grego Sócrates e de Jesus Cristo. Em ambos os casos a maioria
enfurecida sacrificou a vida dos inocentes.
O deputado
Glauber Braga é acusado de haver expulsado um provocador que há muito tempo o
perseguia e que num determinado dia, no âmbito das dependências da Câmara dos
Deputados, ofendia sua mãe que se encontrava no leito de morte. Em defesa da
honra da mãe, o deputado expulsou o provocador da casa parlamentar que
desrespeitava e na saída deu-lhe um chute na bunda. A acusação é de exercício
de violência no recinto parlamentar e, portanto, quebra do decoro parlamentar.
Mas tal Casa nunca foi tão intransigente com essa questão. Está mais que
evidenciado o exercício regular de direito ou a legítima defesa da honra de
terceiro. No caso, a honra da mãe do deputado. Ela morreu dias depois do
episódio.
Tanto o
exercício regular de direito ou a legítima defesa são causas de exclusão da
ilicitude da conduta. Aquele que pratica fato previsto como crime, diante de
causas excludentes de ilicitude, não comete crime. Comete o fato
hipoteticamente definido como crime, mas crime não é porque se trata de conduta
lícita. O médico que faz uma incisão cirúrgica num paciente, causando uma
cicatriz, não pode ser acusado de lesão corporal. Isto porque a lesão causada
está respaldada pelo exercício regular de direito, que é outra excludente de
ilicitude da conduta.
Já tivemos
ocorrências no âmbito da Câmara dos deputados e do Senado Federal de efetiva
gravidade que jamais mereceram qualquer manifestação de censura aos autores. O
deputado Arnon de Mello, pai do ex-presidente Fernando Collor de Mello,
disparou tiros contra o senador petebista Silvestre Péricles, atingindo e
matando o senador José Kairala. Apesar do assassinato, e ainda que tenha sido
dentro do Senado Federal, na presença de inúmeras autoridades, Arnon de Melo
não teve qualquer punição imposta pela Mesa Diretora. Em data recente, no
âmbito do Congresso Nacional, um deputado fazia apologia à tortura e ao Coronel
Brilhante Ustra, dirigente de centro de tortura reconhecido por uma de suas
vítimas a deputada e atriz Bete Mendes. Igualmente não houve sequer submissão
ao Conselho de Ética.
O problema
não é o fato, ainda quando seja grave. Mas quem o pratica ou quem foi atingido
pelo comportamento anterior do acusado. Cristo não foi crucificado porque
curava no sábado ou perdoava prostitutas e publicanos corruptos. Mas porque
acusava os sacerdotes de transformarem o templo em casa de comércio. Angariou a
antipatia do alto clero, que insuflou o baixo clero e a massa.
No julgamento de Cristo o mais indignado era o Sumo Sacerdote, Caifás. Para
disfarçar sua falta de seriedade fez cara sisuda e para convencer o povo a
libertar Barrabás e levar Cristo à crucificação, teatralmente, rasgou as
próprias vestes. Os discursos indignados dos acusados de improbidade geralmente
decorrem de retórica para convencimento, sem racionalidade. Quem tem razão pode
fazer a demonstração com o passo a passo do raciocínio. Não precisa de retórica
acalorada.
No caso do
julgamento de Cristo, o sumo sacerdote, com sua retórica e teatralidade,
acirrou o sentimento da maioria contra o acusado. No caso do deputado Glauber
Braga, depois da Comissão de Ética foi a vez da Comissão de Constituição e
Justiça aprovar o julgamento feito pelo Pleno da Câmara dos Deputados. O baixo
clero, oriundo dos grotões, que domina a cena parlamentar, não perdoará quem o
acusa de malversação de verbas orçamentárias. Glauber será cassado e por suas
virtudes.
A
indignação de certos parlamentares com o deputado Glauber Braga é notável.
Alguns são capazes de rasgar as próprias vestes para demonstrá-la. Ele vem
denunciando as emendas secretas pelas quais seus pares no Congresso Nacional
direcionam recursos do orçamento para suas bases eleitorais a fim de serem
geridas pelas autoridades locais. Quem conhece o poder local no Brasil sabe o
quanto essas verbas são relevantes para realização de festas diversas, muitas
das quais superfaturadas. Rodeios, cavalgadas, shows sertanejos, contratação de
bandas locais e muitos outros modos de gastos de verbas advindas de emendas do
orçamento da União fazem a alegria de cabos eleitorais nos grotões, de quem é
contratado e de quem recebe as `rachadinhas´. Isto sem contar as obras
públicas, muitas das quais já veem com destinatário certo e onde o procedimento
licitatório é mera formalidade para prestação de contas. Além disto, tem também
as destinações a entidades declaradas de interesse social, que na verdade são
entidades `pilantrópicas´. O ralo pelo qual se esvai o dinheiro público, por
meio de emendas parlamentares secretas, é na verdade um bueiro.
A CPI dos
Anões do Orçamento demonstrou, nos anos 90 do século XX, como agiam os que
manipulavam o orçamento da União. Tal investigação não cessou com a prática. Ao
contrário, a divulgou a ensinou a outros o caminho pelo qual poderiam trilhar
rumo ao patrimonialismo. O Brasil tem jeito. Mas não será com pulverização de
recursos federais para garantia de governabilidade. Pelo menos a sessão
Plenária da Câmara dos Deputados que cassará o deputado Glauber Braga será
pública, com voto aberto, e assim poderemos saber quem tem interesse no
orçamento secreto com destino de verbas em envelopes fechados.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 03/05/2025, pag. 15. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/05/7049201-joao-batista-damasceno-a-cassacao-do-deputado-glauber-braga.html
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