SAÚDE MENTAL DOS POLICIAIS: O SILENCIOSO PROBLEMA DA SEGURANÇA PÚBLICA[1]
Não poderemos falar em tranquilidade e bem-estar se aqueles que velam
pela nossa segurança não gozarem, previamente, de tal estado.
A questão da saúde dos profissionais da área de segurança é preocupante.
E não me refiro tão somente aos cuidados médicos em face de doenças físicas ou
acidentes. Mas sobretudo às doenças neuropsíquicas decorrentes das condições de
trabalho. E para produzir um doente psíquico ou um suicida nada melhor que
condições inadequadas de trabalho. E é somente isto o que abordarei.
Durante muito tempo estudei a questão da violência e dos grupos de
extermínio na Baixada Fluminense, onde fui juiz por 18 anos, anteriormente
chamados de Esquadrão da Morte, Mão Branca, Justiceiros e outros nomes que eram
dados ao mesmo fenômeno. Mas aprofundando a questão e indo às suas origens pude
constatar que o problema estava num tipo de política de segurança fundada na violação
aos direitos humanos, de cidadãos e dos próprios agentes do Estado designados
para sua execução.
E a origem remota foi um grupo de homens autorizados pelo General Amaury
Kruel, que dirigiu o Departamento Federal de Segurança Pública de 1957 a 1959
nesta cidade, a combater - à margem da legalidade - os crimes dos outros.
Todos os que se embrenharam na execução das ilegalidades acabaram
adoecidos ou descartados pelo poder a que serviram. Mas muitos dos que não
prestaram tais serviços igualmente adoeceram por preterições em suas carreiras
ou pelas inadequadas condições de trabalho.
Ainda hoje no Rio de Janeiro a bravura, com risco da própria vida e dos
cidadãos, é motivo para a rápida ascensão funcional em preterição aos que
empregam a inteligência.
A inadequada condição de trabalho do agente de segurança decorre não
somente da sua colocação em situação de risco de vida, mas também em situação de
afastamento de uma vida saudável ou de uma vida com abundância.
Condições
de trabalho adequadas e a promoção do bem-estar são essenciais para um ambiente
laboral saudável.
Bem-estar no trabalho refere-se
à preocupação com a saúde mental e emocional dos trabalhadores,
incluindo:
1. Um ambiente de trabalho que valorize a atividade
desenvolvida, a carreira, a saúde mental e física dos trabalhadores policiais;
2. Prevenção
de riscos psicossociais, por meio de identificação de possibilidade de danos decorrentes
do estresse ou das exposições
impróprias que possam afetar a saúde mental;
3. A oferta de apoio psicológico e programas de
bem-estar que contribuam para a saúde dos trabalhadores policiais;
4.
Treinamentos
sobre saúde mental e gestão do estresse que possam ajudar a lidar com os
desafios do trabalho;
5. Promoção
do equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Fui por algumas vezes titular em varas de interdição de incapazes,
adoecidos por problemas psíquicos. E lidei com pessoas com problemas neurais
(físicos), doenças mentais (transtornos mentais) e com transtorno da personalidade
antissocial (psicopatia ou sociopatia).
A sociopatia foi o que mais me impressionou em minha atividade
profissional, como juiz de interdição. A sociopatia é um transtorno de personalidade
caracterizado por um padrão persistente de desrespeito e violação dos direitos
dos outros. É frequentemente associado a comportamentos antissociais,
falta de empatia, falta de remorso e dificuldade em seguir as regras sociais.
Uma política de segurança que estimula a operacionalidade em desfavor da
inteligência é propicia ao adoecimento dos agentes do Estado, proporcionando-lhes
um quadro caracterizado por:
1.
Falta de empatia: Dificuldade em
entender e compartilhar os sentimentos dos outros.
2.
Falta de remorso: Não se sentir
culpado ou arrependido por ações prejudiciais a terceiros.
3.
Manipulação: Utilizar estratégias
para controlar e influenciar os outros.
4.
Comportamento antissocial: Desrespeito
por normas sociais e leis.
5.
Ausência de culpa: Não se sentir
culpado ou responsável por suas ações.
6.
Narcisismo e egocentrismo: Foco
excessivo em si mesmo e em suas próprias necessidades.
7.
Desinibição e ousadia: Falta de medo
ou preocupação com as consequências de suas ações.
Quaisquer
dessas características acima podem decorrer de um ambiente inadequado para o
trabalho. E precisamos evitar que os agentes do aparato de segurança do Estado
sejam adoecidos nos seus ambientes de trabalho.
Além
deste adoecimento, um caso grave em relação à saúde dos agentes de segurança é
o suicídio, lamentavelmente crescente nas fileiras das diversas corporações
estatais (policiais militares, policiais civis, bombeiros militares, policiais
penais e guardas municipais).
O
número de casos de suicídio tem crescido em todo o mundo, em razão da crise do
mundo do trabalho, mas nos países periféricos muito mais. E dentre
profissionais da área de segurança muito mais ainda. Segundo a OMS, o ato de tirar a própria vida
“é um problema complexo, para o qual não existe uma só causa nem uma só razão”,
resultado de uma “complexa interação de fatores biológicos, genéticos,
psicológicos, sociais, culturais e ambientais”.
Se o trabalho
nem sempre é fonte de prazer e realização pessoal, não pode ser um ambiente que
se transforme em fator de risco à saúde psicofísica que possa causar danos
psicológicos, sociais e físicos ao próprio trabalhador ou à sociedade.
Nossa
jurisprudência sedimentou-se no sentido de que não é improvável a ideação
suicida por parte do trabalhador em razão das variadas formas de pressão
psicológica que sofre no ambiente laboral, havendo casos em que se pode se caracterizar
como evento equiparado a infortúnio trabalhista.
As normas
legais consideram como acidente de trabalho não apenas aquele ocorrido no local
e horário de trabalho que cause lesão, mas também diversos outros eventos,
alheios ao local e ao horário de serviço, desde que com estes relacionados.
Assim, os eventos danosos vinculados ao trabalho são equiparados a acidente de
trabalho ou doença ocupacional.
Por
isso é preciso estabelecer o correto enquadramento da sociopatia, causadora de
insegurança, como doença propiciada pelas condições do trabalho policial.
Não há
dúvida que os transtornos mentais adquiridos em ambiente de trabalho nocivo
podem levar aos males acima descritos, em prejuízo dos próprios trabalhadores do
campo da segurança pública e da sociedade.
O Estado
tem o encargo de promover a proteção à saúde psicofísica do trabalhador
policial. O descumprimento dos deveres gerais ou específicos de proteção,
prevenção e segurança em relação aos trabalhadores que se colocam sob suas
ordens e comandos gera a responsabilidade pelos danos que causarem a si próprios
ou a terceiros.
Cuidar
da saúde do trabalhador policial, em todas as suas esferas, há de ser uma
obrigação do Estado e uma preocupação de toda a sociedade, a fim de poder
exigir a segurança que almeja.
Assim,
parabenizo a OAB/RJ, na pessoa de sua presidenta, Dra. Ana Basílio, pela
instalação dessa Comissão Especial da Segurança dos Direitos dos Policiais
Civis e Militares da OAB/RJ, presidida pelo Dr. Orlando Zaccone, que é o
primeiro passo na preocupação social com a saúde do trabalhador policial.
João Batista
Damasceno, desembargador no TJRJ e
professor de Sociologia Jurídica da UERJ.
[1]
Manifestação durante a instalação da Comissão Especial da Segurança dos
Direitos dos Policiais Civis e Militares da OAB/RJ, no dia 27/05/2025 na sede da OAB/RJ.
Nenhum comentário:
Postar um comentário