domingo, 7 de junho de 2015

Autos de fé

“O nazismo matou em câmaras de gás, queimou livros, destruiu obras de arte, propagandeou a unidade totalitária e eliminou os que considerava diferentes. Somente as democracias produzem opositores e interlocutores. Regimes totalitários produzem dissidentes a serem linchados e eliminados”. 

As redes sociais possibilitaram maior interação entre as pessoas. Mas postagens podem gerar identidades ou desentendimentos. Uma delas, veiculada esta semana, expressa uma pérola do pensamento dos excluídos. Foi redigida por um morador da periferia, pessoa com preocupação social que apreendeu a linguagem dos excluídos ou um professor de Português que deu a uma redação o precioso estilo. Quem a escreveu expressou a defesa dos excluídos e certamente não agradou ao ‘andar de cima’ e pode ser considerado um transgressor que ousa defender os interesses do povo. Transcrevo:

“Jesus nasceu numa quebrada. Periferia da periferia mesmo. Passou a vida arrumando treta por questões sociais. Defendeu assassino, ladrão, puta, pobre e leproso. Juntou uma galera pra defender a causa. Começou a fazer barulho. Conquistou o desafeto da classe média e da elite (ponto pro cara). Considerado subversivo, foi preso pelo império. A classe média pedia pena de morte, mas o crime não a justificava. Pôncio Pilatos jogou o BO pra Herodes. Herodes se ligou na mesma coisa e devolveu o BO. Pilatos deixou pra galera decidir. Bem pensado, porque desde aquele tempo o povo já tava cheio de dateninha linchador. O cara foi executado ouvindo piadinha de justiceiro. E não foi morto ‘entre’ bandidos. Foi executado pelo Estado como bandido — subversivo, que de fato era. Enfim, o messias cristão foi um sujeito pobre, nascido na perifa, engajado em questões sociais, executado como bandido pelo Estado sob os aplausos dos justiceiros. Então, Jesus, se você estiver lendo isso e pensando em voltar, fica esperto! Essa ‘gente de bem’ de hoje em dia vai te matar de novo enquanto come bacalhau e ovo de páscoa.” 

Os excluídos nem sempre são objeto da atenção dos dominadores. Para eles foram reservadas as espadas, fogo em seus casebres, genocídios e, por último, fuzis, caveirões e o encarceramento em massa. A execução fica a cargo de outros excluídos cooptados pela ordem. E a defesa dos excluídos por quem era considerado cooptado ensandece a classe dominante. Na ‘Era da Mídia’, os autos de fé para execução dos hereges é a punição midiática, por vezes custeada por verbas de publicidade. E isto sustenta a crença dos esquizofrênicos no poder, incapaz de resolver suas próprias mazelas. 

O nazismo matou em câmaras de gás, queimou livros, destruiu obras de arte, propagandeou a unidade totalitária e eliminou os que considerava diferentes. Somente as democracias produzem opositores e interlocutores. Regimes totalitários produzem dissidentes a serem linchados e eliminados.



Publicado originariamente no jornal O DIA, em 07/06/2015, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-06-07/joao-batista-damasceno-autos-de-fe.html



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