“Golpes se fazem
com armas, com suborno, mas também com o clamor popular transitório. Este
último modelo é o bonapartista, alusão ao golpe do sobrinho de Napoleão, em
1851, que inspirou a frase de que a História só se repete como farsa. A
reeleição para cargos do Executivo é estranha à República brasileira e sua
prática demonstrou que acentua os vícios no processo eleitoral, promove a
desorganização administrativa e propicia confusão entre o interesse público e o
do governante”.
A reforma política em curso no
Congresso é tudo, menos a reforma institucional desejada pela sociedade, que
não a debateu ou foi consultada. É um arranjo de interesses transitórios, onde
a crença na República e na democracia foi substituída pelo casuísmo que
desrespeita a pluralidade. A incivilidade atropela o regimento e a racionalidade
que ajuda a construir instituições permanentes. Reformas casuísticas não
sobrevivem, pois ficam sujeitas ao movimento pendular da política e aos
retrocessos com o retorno dos prejudicados.
De tudo já se tentou,
transitoriamente, em matéria de política no Brasil desde a primeira eleição, em
1821, para representantes às Cortes portuguesas. O oportunismo da reforma de
1841 provocou as Revoltas Liberais de 1842. A coincidência de mandatos foi
tentada em 1982, com a prorrogação dos mandatos dos prefeitos eleitos em 1976.
A República instituiu a eleição de
presidente e governador e, visando à alternância no poder, proibiu a reeleição.
A proibição, para cargos executivos, pode restringir o uso da máquina política,
ainda que não seja a solução para os problemas da democracia. Foi o presidente
FHC, num golpe institucional, em momento transitório de alta popularidade e
venalidade de parcela do Congresso, quem instituiu a reeleição para chefes de
Executivo. Dois deputados grampeados falaram da venda dos seus votos e
renunciaram para não serem cassados.
Golpes se fazem com armas, com
suborno, mas também com o clamor popular transitório. Este último modelo é o
bonapartista, alusão ao golpe do sobrinho de Napoleão, em 1851, que inspirou a
frase de que a História só se repete como farsa. A reeleição para cargos do
Executivo é estranha à República brasileira e sua prática demonstrou que
acentua os vícios no processo eleitoral, promove a desorganização
administrativa e propicia confusão entre o interesse público e o do governante.
Os problemas da democracia
brasileira vão além do processo eleitoral. Tampouco as fraudes são os únicos
meios de viciamento da representação. Nem mesmo a criação da Justiça Eleitoral,
concebida como instância racional para solução de conflitos, sem interferência
política, se mostrou plenamente satisfatória. Até a escolha dos juízes
eleitorais, por vezes, não escapa a uma análise de quem busca falsidades em
declarações no seio das próprias Cortes eleitorais.
A reeleição de presidente,
governadores e prefeitos e a indeterminação do número de mandatos legislativos
tem possibilitado toda sorte de uso da máquina pública. A democracia e a
República pressupõem a alternância no poder e a temporalidade da representação.
Mesmo no Judiciário, é hora de se pensar em tempo máximo de permanência nos
tribunais. Mas a PEC da Bengala, outro casuísmo, possibilitou a permanência de
juízes até os 75 anos.
Publicado
originariamente no jornal O GLOBO, em 29/06/2015, pag. 12. Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/outra-opiniao-uso-da-maquina-16572384#ixzz3ea7fZ8yB
Nenhum comentário:
Postar um comentário