“Durante a
ditadura empresarial-militar o apelo nacional era pela Seleção. Nelson
Rodrigues chegou a dizer que era a “pátria de chuteiras”. O orgulho pelo Tri de
1970 nos impediu ver as atrocidades do período. Poucos torcedores compreendem
as relações estabelecidas no seio dos desportos, o que as prisões decretadas na
Suiça dá dimensão. O orgulho pela Seleção, pelo nosso time e pelo nosso país
não pode nos cegar a ponto de nos impedir ver o que é essencial. Nosso orgulho
pode estar sendo manipulado por interesses de terceiros em prejuízo dos nossos
interesses coletivos”.
Eu sou brasileiro. Com muito
orgulho e muito amor. Mas, o demasiado orgulho da brasilidade pode nos tirar a reflexão
e nos subtrair a capacidade de buscar soluções para problemas que se perpetuam.
Bandeiras, hinos e o sentimento de nacionalidade são essenciais para a
dominação, produção de pertencimento e construção de subordinação a ideário que
nem sempre corresponde aos interesses do povo que se ufana. Não há razão que
perdure em clima de fim de campeonato; tudo é emoção. Foi o Conde Afonso Celso um
dos primeiros a escrever sobre orgulho de ser brasileiro - ‘Porque me ufano do
meu país’ foi publicado em 1900.
Mas, o capital não tem pátria. Os
donos do capital não se vexam de mudar quando seus lucros diminuem ou cessam. O
capital é volátil e foge para outro país que melhor lhe remunere. Gerard Depardieu,
consagrado artista francês, não titubeou em renunciar à nacionalidade francesa
e adotar a belga, a fim de pagar menos impostos. Entre os brasileiros há quem
se ufane com campeonatos e disputas diversas sob o grito de “É o Brasil! É o
Brasil!”, mas tem domicílio em Mônaco, onde a tributação é menor. Outros vivem
em Miami. A patriotada fica para quem não tem outra coisa a não ser a própria força
de trabalho com a qual sustenta honestamente a si e à sua família.
O orgulho por compor um grupo ou integrar
uma corporação desempenha a função de promover o sentido de pertencimento. Monteiro
Lobato dizia que o eleitor na Primeira República, em dia de eleição, ia para a
cidade votar e logo arrumava uma confusão com o adversário. Voltava ao final do
dia para os domínios do senhor rural com um galo na testa, certificado da
fidelidade, e devolvia o título ao coronel, que com ele ficava guardado para
melhor garanti-la. Quanto menos
desprotegido pela aristocracia rural, quanto mais medíocre e menos esclarecido
fosse o partidário, mais demonstrava seu orgulho para reafirmar o
pertencimento.
Durante a ditadura
empresarial-militar o apelo nacional era pela Seleção. Nelson Rodrigues chegou
a dizer que era a “pátria de chuteiras”. O orgulho pelo Tri de 1970 nos impediu
ver as atrocidades do período. Poucos torcedores compreendem as relações
estabelecidas no seio dos desportos, o que as prisões decretadas na Suiça dá
dimensão. O orgulho pela Seleção, pelo nosso time e pelo nosso país não pode
nos cegar a ponto de nos impedir ver o que é essencial. Nosso orgulho pode
estar sendo manipulado por interesses de terceiros em prejuízo dos nossos
interesses coletivos.
Publicado originariamente no
jornal O DIA, em 14/06/2015, pag. E6.
Nenhum comentário:
Postar um comentário