domingo, 6 de março de 2016

Condução coertiva e Estado de Direito

"A decisão que determinou a condução coercitiva do ex-presidente Lula, sem que tivesse faltado a ato para o qual tivesse sido intimado previamente, e sem justo motivo, é manifestamente ilegal, viola a lei processual e violenta a Constituição da República. Constitui um exemplo a ser mostrado em sala de aula como caso emblemático de abuso de autoridade, de escalada do Estado Policial, de aniquilamento do Direito e de ascensão do fascismo.
"Mas, ao determinar a ocupação militar das favelas pelas Forças Armadas, onde atrocidades piores foram praticadas contra pretos e pobres, o presidente Lula semeou o arbítrio que hoje o atinge. Eu defendo o Estado de Direito, porque sei do que são capazes os homens armados pelo Estado, os membros do Ministério Público e os juízes em tempos de arbítrio. E nestas circunstâncias, tenho medo deles".
Pessoas podem ser intimadas a prestar depoimento como investigadas, processadas ou testemunhas, mesmo que ninguém possa ser obrigado a se autoincriminar. No processo penal, tanto o investigado como acusado, assim como as testemunhas, podem ser conduzidos se faltarem, sem motivo, a ato para o qual tenham sido intimados. No processo civil só a testemunha que faltar, sem motivo, pode ser conduzida.
O Código de Processo Penal diz que se o acusado não atender à intimação para ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. Igualmente a testemunha.
A condução coercitiva de quem deva comparecer, depois de intimado e tiver faltado sem justo motivo, se fundamenta na concepção de que todos devem contribuir para a realização da justiça, prática que há de permear as relações sociais. Mas o que se tem praticado no Brasil, notadamente na chamada Operação Lava Jato, são conduções coercitivas de pessoas e seus familiares sem que antes tenham sido intimadas para comparecer voluntariamente. Na última sexta-feira o ex-presidente Lula foi conduzido coercitivamente para depoimento, sem prévia intimação.
No processo de espetacularização da Justiça e das investigações, carros pretos e homens de preto, ostensivamente acompanhados de câmeras de TV, coagem pessoas até repartições policiais e efetuam prisões a fim de, pela tortura psicológica, obrigar o preso a se incriminar ou delatar terceiros.
A decisão que determinou a condução coercitiva do ex-presidente Lula, sem que tivesse faltado a ato para o qual tivesse sido intimado previamente, e sem justo motivo, é manifestamente ilegal, viola a lei processual e violenta a Constituição da República. Constitui um exemplo a ser mostrado em sala de aula como caso emblemático de abuso de autoridade, de escalada do Estado Policial, de aniquilamento do Direito e de ascensão do fascismo.
Mas, ao determinar a ocupação militar das favelas pelas Forças Armadas, onde atrocidades piores foram praticadas contra pretos e pobres, o presidente Lula semeou o arbítrio que hoje o atinge. Eu defendo o Estado de Direito, porque sei do que são capazes os homens armados pelo Estado, os membros do Ministério Público e os juízes em tempos de arbítrio. E nestas circunstâncias, tenho medo deles.

 


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 06/03/2016, pag. 14. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2016-03-05/joao-batista-damasceno-conducao-coercitiva-e-estado-de-direito.html

 

Um comentário:

  1. No caso das favelas dominadas pelo tráfico e milícias não vejo alternativa senão a entrada forçada do poder público, já que o Estado vacilou e perdeu o domínio sobre as favelas.

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