Uma
avassaladora onda moralista tomou conta mídia corporativa brasileira, acusando
o site The Intercept Brasil por publicar mensagens do membro do Ministério
Público Deltan Dallagnol e do ex-juiz Sérgio Moro. Acusam o The Intercept de
ter publicado mensagens obtidas por meio de crime. Ora, quase todas as
conversas telefônicas divulgadas pela mídia corporativa são obtidas por meio de
crimes. Sem a prática de crimes muito pouco poderia ser publicado. Por vezes os
crimes são praticados por particulares que ilegalmente violam as comunicações.
Noutras vezes, a captação da mensagem é feita legalmente, com autorização
judicial, mas divulgada por quem tem o dever de sigilo profissional, seja
polícia, Ministério Público ou pelo próprio juiz da causa.
Em data recente um juiz fluminense proibiu grande empresa de comunicação
de publicar trechos do inquérito que apurava a execução da Marielle. O
jornalista tinha cópia integral do inquérito. Mas, nem ele nem a emissora
poderiam ser acusados do crime de violação de segredo profissional. Papel de
jornalista é divulgar o que sabe. Se não informa, incide no padrão de
manipulação da notícia pela omissão. Quem cometeu o crime foi o policial que
forneceu as peças ao jornalista. A empresa de comunicação não publicou porque a
multa seria pesada. Mas, reclamou da justiça e alegou cerceamento da liberdade
de imprensa.
O
delegado Protógenes Queiroz foi condenado criminalmente e perdeu o cargo em
decorrência de acusação de ter fornecido à imprensa informações sob sigilo da
Operação Satiagraha. Mas, a Operação Lava Jato demonstra que a lei não é para
todos. Nem há coerência no padrão de comportamento das empresas de comunicação.
Na
divulgação da conversa da presidenta Dilma com o ex-presidente Lula não se pode
acusar a mídia de prática de crime. O crime foi do agente da Polícia Federal
que manteve a interceptação das comunicações telefônicas após a cessação da
autorização judicial. Também cometeu crime o ex-juiz Sérgio Moro que divulgou o
que deveria ter sido mantido em sigilo. Não tivesse divulgado indevidamente a
conversa da então presidenta, o hoje ministro teria cometido o crime de
prevaricação, por ter tido ciência do crime do policial e não tomado as
providências devidas. Mas, em se tratando da Lava Jato a lei não é para todos.
A
invasão de dispositivo informático é crime, assim definido no Código Penal, bem
como a violação de comunicação telefônica. Mas, de quem viola. Não do
jornalista que divulga, prestando relevante serviço à sociedade. A imprensa, em
tais casos, lança luzes sobre os que - dos escombros institucionais - lucram
com discursos moralizadores. Os jornalistas do The Intercept que publicam não
cometem crime. Realizam sua função: publicar. A Associação Brasileira de
Imprensa (ABI) promoveu ontem um ato de solidariedade ao jornalista Glenn
Greenwald e ao site de notícias The Intercept Brasil. A Casa de Barbosa Lima
Sobrinho retomou a defesa das liberdades públicas, que neste momento se faz
necessária.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 31/07/2019,
pag. 10. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2019/07/5667572-joao-batista-damasceno--abi-e-liberdade-de-imprensa.html
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