sábado, 10 de outubro de 2020

Parabéns ao Desembargador André Gustavo Corrêa De Andrade, diretor da EMERJ

 



Parabéns ao Desembargador André Gustavo Corrêa De Andrade, diretor da EMERJ

Parabenizo o Diretor da EMERJ, Desembargador André Gustavo Corrêa De Andrade, pela homenagem ao Desembargador Nagib Slaib Filho e entronização do seu retrato na Galeria de Conferencistas Eméritos da escola, nesta data.

Fui aluno do Nagib nos anos 80 do século passado. No final daquela década, recém formado, vi nascer a EMERJ com o Desembargador Cláudio Vianna de Lima, sem lugar para funcionamento.

Em 1993 ingressei na magistratura e o desembargador Cláudio Vianna chamou-me para a Escola. As conferências eram, sobretudo, nas salas das sessões do Tribunal de Alçada Cível. Às vezes, em razão de sessões extraordinárias, as salas tinham que ser desocupadas. Os encontros, as reuniões, debates e orientações de monografias não eram remunerados. Tudo se resumia a convivência de magistrados que tinham em comum o gosto pelo saber.

Nagib preparava umas apostilas, cujos capítulos – distribuídos aos estagiários - eram os temas de debates em cada encontro. Estas apostilas, se reunidas, seriam um curso completo de Direito. Bastaria reuni-las e lhes colocar uma capa dura para se transformarem em tratado.

Naquele momento de nascedouro da EMERJ, que inspirou outras escolas de magistrados pelo país, ao lado do desembargador Cláudio Vianna, estava o Nagib, ainda que após as conferências (o desembargador Claudio Vianna dizia que não eram aulas) tivesse que rumar para Santa Cruz, Campo Grande ou algum lugar depois do fim do mundo onde era titular.

O desembargador Cláudio Vianna primava pela autonomia da Escola e, já aposentado, entrou numa treta com um desembargador poderoso do Órgão Especial que queria interferir em seu funcionamento. Para publicizar a pendenga o desembargador Cláudio Vianna publicou um artigo no Jornal do Commércio intitulado “Ingerências indevidas na Escola da Magistratura”. O diretor Cláudio Vianna perdeu – juridicamente - aquela batalha. Uma resolução do Órgão Especial deliberou que a Escola era integrante do Tribunal de Justiça e subordinada aos seus órgãos diretivos. Mas, moralmente ele foi o vencedor e todos o parabenizaram. A resolução serviu para documentar o confronto entre o saber e o poder. O caminho para a autonomia da Escola foi, assim, pavimentado.

Foi sob a administração do Desembargador Cláudio Vianna que o 4º andar da lâmina I foi construído e instalado o elevador de acesso à Rua Erasmo Braga. Nagib era juiz auxiliar da Administração do Tribunal e Conferencista da Escola e participou do processo.

Em todos os momentos da Escola o juiz Nagib estava presente, que além de íntegro, técnico e competente, sempre foi também trabalhador. Não só no exercício da jurisdição, mas em atividades auxiliares ao funcionamento do Poder Judiciário. Foi quem introduziu no Tribunal os computadores de mesa com um esplêndido processador de 6 MHz, HD de 10 MB e disquetes de 5¼” de 1.2 MB de memória, substitutivos das máquinas de escrever manuais. Ah! O editor de texto era o adorável ‘Carta-Certa” que não formatava enquanto se escrevia e as impressoras eram matriciais gigantes mais barulhentas que um carro velho sem cano de escapamento. Era o melhor que havia. Uma revolução!

Naquele período, um desembargador, destes que ainda andam por aí ‘ensinando’ competentes e concursados, mas vitaliciandos, a serem juízes, chegou esbaforido ao antigo bar dos magistrados do 1º andar, o velho ‘Boca Maldita’, após reunião noturna semanal da AMAERJ. Reclamava que o Nagib com sua mania de computador havia instalado um aparelho em seu gabinete que estava prestes a explodir, pois estava expelindo umas bolas de fogo e que seu assessor tinha ido embora. Eu era o juiz mais novo e, naquele ambiente hierarquizado, solicitaram-me fosse socorrer o desembargador desesperado. Inexistia brigada de incêndio e DGSEI. Ao chegar ao gabinete do desembargador vi que se tratava de um descanso de tela, instalado pelo assessor, com imagens de fogos de artifício. Salvei os documentos abertos, desliguei o computador e tentei tranquilizar o desembargador. Mas, ele me olhava com desconfiança e dizia estar temeroso de que durante a madrugada aquela “máquina infernal do Nagib” ainda pudesse explodir.

Depois a Escola ganhou outros rumos. Numa fase quase foi chamada de “biombo das corporações” (instituições financeiras, operadoras de planos de saúde, empresas de telecomunicações, empresas de transporte...) que – por meio dela - convidavam magistrados e seus familiares para “congressos” em fins de semana em resorts, a fim de lhes contar suas agruras financeiras e dificuldades operacionais elisivas de responsabilidade civil. Noutra fase quase foi confundida com uma empresa privada prestadora de serviços educacionais, tamanha a simbiose.

A Escola tinha ficado rica e tudo passou a custar dinheiro e render dinheiro. Por ter participado de uma reunião por volta de 2009 ou 2010, durante o expediente forense, recebi um depósito bancário. Restitui o valor por meio de um cheque nominativo e cruzado, informando - por ofício - ao então Diretor da Escola que a reunião fora em horário de expediente forense e que já estava sendo remunerado. Ele mandou descontar o cheque, mas nunca mais me cumprimentou. Foi a primeira e única vez em minha vida que vi alguém ficar ofendido por repetição voluntária de indébito.

O desembargador Cláudio Vianna pensava a EMERJ como “A casa cultural do juiz”. Mas, depois de sua época, o tamanho das turmas, o formato das aulas, o valor da mensalidade e outras ‘idiossincrasias clânicas’ quase a transformaram num cursinho preparatório para concurso. Para forçar a presença dos juízes foi instituída a obrigatoriedade de frequência em cursos (alguns sofríveis) como requisito de inscrição para concorrência a remoção ou promoção por merecimento, apesar da Constituição dispor ser a frequência e aproveitamento nos cursos critério de aferição de mérito.

O Nagib sempre afirmou a importância dos cursos na EMERJ. Mas, não concordava em impô-los como requisito para inscrição para remoção ou promoção por merecimento, em contrariedade à Constituição.

No Órgão Especial, o Nagib foi o único desembargador a votar em quem não tinha impedimento e se caracterizava por produtividade e presteza no exercício da jurisdição, ainda que não frequentasse os cursos da EMERJ.

No Conselho da Magistratura – quando o compôs - somente o Desembargador Rogério de Oliveira Souza tinha igual entendimento. Recentemente, em razão de recurso ancorado em tese de voto vencido, no Conselho da Magistratura, do Desembargador Paulo de Tarso, o Órgão Especial, por unanimidade, declarou inconstitucional a exigência de curso como requisito para inscrição em promoção ou remoção por merecimento, restabelecendo o primado da Constituição sobre resolução do próprio tribunal.

Quando forem estabelecidos critérios objetivos para promoção ou remoção por merecimento, certamente a frequência e aproveitamento dos cursos da EMERJ serão considerados como critério objetivo de aferição do mérito. Assim, o filhotismo e o compadrio das oligarquias institucionais, capazes de formar ‘listas prévias’ com anos de antecedência, darão lugar a critério justo de aferição de efetivo merecimento.

Do quarto andar da lâmina I, a EMERJ foi para a Cidade do Samba, mas – desfilando - voltou para o complexo atual, ocupando o antigo prédio da Procuradoria Geral do Estado. Embora contrariado com a localização, Nagib não se recusou a ir para o Porto Maravilha. Foi, voltou e nela permaneceu por 28 anos.

A EMERJ cresceu muito em seus mais de 30 anos de existência e também já experimentou as agruras de quem vive no mundo, inclusive o cerceamento à liberdade de expressão, o mandonismo da ignorância, a tosca exclusão ideológica e o nepotismo. Mas, resiste!

Num período de reinado do mandonismo e de condutas violadoras dos princípios que devem nortear a administração pública, eu lembrei ao Nagib que deveríamos recitar aos truculentos o discurso, proferido em 12 de outubro de 1936, por Miguel de Unamuno, reitor da Universidade Salamanca, ante o ataque dos ‘Camisas Azuis’ da Falange apoiadora do general José Millán-Astray: “Vencereis porque tendes sobrada força bruta. Mas não convencereis porque para convencer há que persuadir. E para persuadir lhes falta algo que não tendes: razão e direito”.

A galeria dos conferencistas também cresceu e ganhou novas imagens. Nela há de tudo. Magistrados brilhantes, professores que honram o magistério e o mundo jurídico, mas também de quem cuja atividade preponderante é a que nos Estados Unidos foi regulamentada pelo Federal Regulation of Lobbying Act editado em 1946 e reformado pelo Lobbying Disclosure Act em 1995. Estes precisam de fotos em galerias, nomes em placas, diplomas honoríficos e medalhas, demonstrativos de prestígio.

Mas, na EMERJ e em sua galeria de fotos também há Nagibs, assim como ao tempo da Inquisição havia Galileus. O Desembargador Nagib Slaib Filho é uma das bases sobre os quais se assenta a Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro/RJ. Sua carreira foi orientada pela competência, independência e apurado senso de justiça, requisitos indispensáveis a todo magistrado, sem os quais as sociedades afundam na vileza e iniquidade.

A magistratura precisa honrar os magistrados para ser honrada pela sociedade. Nagib é a melhor representação do que é ser um juiz; é um ícone. A homenagem possibilitada pelo Desembargador André Gustavo Corrêa de Andrade ao Nagib é uma demonstração do retorno à EMERJ dos valores caros a toda a magistratura e que faltaram por curto, mas triste, período.

Parabéns à EMERJ pela entronização do retrato do Professor e Desembargador Nagib Slaib Filho em sua Galeria de Conferencistas Eméritos.

O retrato do Nagib, juntamente aos de outros Conferencistas do mesmo quilate ético e intelectual, honrará a galeria.

Rio de Janeiro, 09 de outubro de 2020.


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