sexta-feira, 10 de março de 2017

Um Carnaval com ministro sem cultura


“Num dos capítulos do livro ‘Lavoura Arcaica’, Raduan Nassar narra a estória de um faminto que pedira comida a um homem rico. Este, simulando lhe entregar comida, perguntava sobre o gosto do que simulava oferecer. O faminto fingia degustar. Ao fim, o ‘mandão’ lhe deu pão, merecido porque demonstrou paciência. “O faminto, dobrando-se de dor, pensou com seus botões que os pobres deviam mostrar muita paciência diante dos caprichos dos poderosos, abstendo-se por isso de dar mostras de irritação”. Raduan não é faminto por prêmios e por isso irritou o ministro, senhor de sigla partidária que registrou para impedir que outros a usassem na luta do povo”.

O imbróglio no qual o ministro da cultura, Roberto Freire, se meteu na semana passada na solenidade de entrega do Prêmio Luiz de Camões ao escritor Raduan Nassar demonstra que o ministro não está à altura da pasta que ocupa. Se conhecesse o Brasil e a obra de quem se homenageava, o ministro teria ficado calado e não lhe teria buscado injuriar quando o momento era de celebração.

O ministro, senhor de Pernambuco, agiu como os chefes provincianos que apenas reconhecem o direito de fala do interlocutor quando quer ouvir e que mandam calar quando querem o silêncio. Os ‘donos do Brasil’ tratam a liberdade de expressão como uma dádiva que deferem ao povo quando querem ouvir.

Mas o povo inventou maneira de resistir e resiste. Darcy Ribeiro falou da classe dominante brasileira, inculta e por vezes com mero verniz de ilustração, razão de nosso subdesenvolvimento. Roberto Freire é exemplo dela: muita empáfia e pouco conteúdo; mero amanuense de um governo sem voto.

No ‘Manifesto Antropofágico’, certidão de nascimento da brasilidade, Oswaldo de Andrade escreveu que “nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval”. E fazer Carnaval é nosso jeito de zombar das ‘otoridades’ que se julgam sérias.

O governo golpista que tenta manter a tentativa de catequização do povo brasileiro, com bons modos vindos com as caravelas, e suas mulheres “belas, recatadas e do lar”, não tem lugar nesta terra onde o povo não se lhe submete nem se deixa dominar.

Melhor que o recato lusitano são as imagens que circulam nas redes sociais da bela moça tão bem vestida quanto uma índia e que já rendeu condenação de quem vazou tais imagens próprias para esta época carnavalesca.

Num dos capítulos do livro ‘Lavoura Arcaica’, Raduan Nassar narra a estória de um faminto que pedira comida a um homem rico. Este, simulando lhe entregar comida, perguntava sobre o gosto do que simulava oferecer. O faminto fingia degustar. Ao fim, o ‘mandão’ lhe deu pão, merecido porque demonstrou paciência. “O faminto, dobrando-se de dor, pensou com seus botões que os pobres deviam mostrar muita paciência diante dos caprichos dos poderosos, abstendo-se por isso de dar mostras de irritação”. Raduan não é faminto por prêmios e por isso irritou o ministro, senhor de sigla partidária que registrou para impedir que outros a usassem na luta do povo.

 


Publicado originariamente no jornal O DIA, pag. 9, em 28/02/2017. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-02-25/joao-batista-damasceno-um-carnaval-com-ministro-sem-cultura.html

 

Vendilhões e entreguistas


 “É emblemático que neste momento a nomeação de Moreira Franco para ministro de Estado esteja em discussão. Afinal, foi ele que, eleito em 1986 no Rio, pôs fim aos Cieps e restabeleceu a truculência na segurança pública que nos chantageia e nos faz reféns. Moreira é o melhor exemplar de um político sem voto e de uma classe dominante estéril e colonizada que quer transformar o povo em estrangeiro no seu próprio país”.

Torturas, esquartejamentos, estupros e roubos são apontados como as piores ocorrências institucionalizadas na ditadura empresarial-militar. Mas mesmo sem elas o regime teria sido deplorável. A concentração de renda e o êxodo rural formataram as condições nas quais vivemos.

Até a parcela do empresariado nacional não afinada com o regime sucumbiu. A extinção da Panair do Brasil para favorecer a Varig, com o apoio do Judiciário, nos ajuda a compreender o que foi feito. No plano educacional, a reforma feita pelo regime propiciou a formação que temos, gerando uma massa acrítica incapaz de compreender a própria miséria existencial na qual está inserida.

Os interesses que se articularam em 1964 e que aprofundaram o golpe a partir de 1969 não foram desarticulados com a redemocratização. Nesta semana, encontro patrocinado pelo investidor Jorge Paulo Lemann em Nova York contou com a presença do juiz Sergio Moro. Tratou-se de um evento para ajudar a “vender o Brasil no exterior”, termo que os vendilhões usam elogiosamente para o que fazem.

Na década de 70, Geisel visitou a Alemanha, e as publicações europeias estamparam, em matérias pagas, fotos da musa brasileira Rose Di Primo. O general-presidente, filho de pastor alemão, censurava no Brasil, em nome da moral, filmes e publicações. Mas externamente vendia o país como paraíso para o turismo sexual.

Hoje, o que está à venda são as riquezas nacionais, a começar pelo petróleo e o nióbio, e o futuro do povo brasileiro. O modelo educacional que se reimplanta é o tecnicista que retira a capacidade de pensamento crítico e reflexão.

Sexta-feira rememoraremos o 20º aniversário da morte de Darcy Ribeiro, que dedicou a vida à educação e que acreditava em nossa capacidade de nos construirmos como nação soberana e com igualdade na apropriação dos bens que nos são comuns.

É emblemático que neste momento a nomeação de Moreira Franco para ministro de Estado esteja em discussão. Afinal, foi ele que, eleito em 1986 no Rio, pôs fim aos Cieps e restabeleceu a truculência na segurança pública que nos chantageia e nos faz reféns. Moreira é o melhor exemplar de um político sem voto e de uma classe dominante estéril e colonizada que quer transformar o povo em estrangeiro no seu próprio país.

 


Publicado originariamente no jornal O DIA, pag. 9, em 11/02/2017. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-02-11/joao-batista-damasceno-vendilhoes-e-entreguistas.html

 

Revisitando a barbárie


“Que os vendilhões das riquezas nacionais o façam, considerando seus interesses pessoais, não é de se estranhar num país marcado pelo patrimonialismo. Estranha é a falta de reação da sociedade.

“Não só riquezas naturais estão sendo retiradas do alcance dos brasileiros. O sucateamento das universidades públicas é também meio de cercear o povo do acesso a bens culturalmente produzidos e busca de seu extermínio”.

Quem analisa as grandes civilizações por vezes se pergunta como coisas tão grandiosas foram construídas. Os Jardins Suspensos da Babilônia, as construções gregas e romanas, as Pirâmides do Egito e os monumentos dos Incas, Maias e Astecas nos mostram do que povos da antiguidade foram capazes.

Mas tais monumentos nos fazem indagar sobre os hiatos civilizatórios existentes entre algumas épocas. E a resposta talvez seja que de vez em quando a humanidade revisita a barbárie.

A Revolução Francesa de 1789 editou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e foi o prenúncio de um período de ouro na história da humanidade. Mas o século 20 conheceu o nazismo, que queria ‘embelezar o mundo’ destruindo tudo e todos que não fossem compatíveis com seu ideário de belo, e as maiores atrocidades foram cometidas contra seres humanos.

No pós-guerra, foi editada a Declaração dos Direitos Humanos pela ONU, que incluía homens e mulheres; outras declarações foram posteriormente proclamadas, buscando a extensão de direitos econômicos e sociais.

No presente momento, presenciamos retrocessos nos direitos individuais e sociais. Talvez estejamos revisitando a barbárie, e isto só é possível diante da naturalização de tais práticas, o que nos retira a capacidade de indignação. Degolas de dezenas de presos não causa indignação em amplos setores da sociedade. Ao contrário, as aplaudem.

A destituição de uma presidenta eleita por 54 milhões de votos, sem demonstração de prática de crime, não foi tratada como atentado à democracia.

O Brasil deixou de se construir como potência no ciclo da cana, no ciclo do ouro e no ciclo do café; agora, quando dispõe de imensas reservas petrolíferas que movem o mundo, está entregando suas riquezas aos abutres que levaram o presidente Getúlio Vargas ao suicídio e perdendo a capacidade de se construir como lar coletivo para as gerações futuras.

Que os vendilhões das riquezas nacionais o façam, considerando seus interesses pessoais, não é de se estranhar num país marcado pelo patrimonialismo. Estranha é a falta de reação da sociedade.

Não só riquezas naturais estão sendo retiradas do alcance dos brasileiros. O sucateamento das universidades públicas é também meio de cercear o povo do acesso a bens culturalmente produzidos e busca de seu extermínio.

 


Publicado originariamente no jornal O DIA, pag. 9, em 14/01/2017. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-01-14/joao-batista-damasceno-revisitando-a-barbarie.html

As cores do Brasil


 “O retângulo verde é a representação da Casa Real de Bragança, da qual veio D. Pedro I, e o losango amarelo, da Casa Imperial de Habsburgo, da qual pertencia a Imperatriz Leopoldina.

“A Casa de Habsburgo chegou a governar quase toda a Europa em certo período histórico. Mas era malvista pela realeza europeia, pois a acusavam de usar suas mulheres nas barganhas políticas. Esta prática se consolidou nas relações da elite política brasileira”.

Nas escolas se ensina que o verde da bandeira brasileira representa as matas; o amarelo, o ouro; o azul, o céu, e o branco, o desejo de paz. Poucos brasileiros são capazes de dizer a cor das letras da frase positivista “Ordem e Progresso”, bem como a origem do termo criado por Augusto Comte, o fundador da Sociologia que o governo Temer, numa reforma da legislação sem prévio debate com a sociedade, suprimiu da formação estudantil.

É estarrecedor que um ministro semiletrado tenha recepcionado o ‘Projeto Alexandre Frota’ e o transformado em base para a Educação nacional. As cores da bandeira não representam o que muitos continuam a repetir ao longo da vida. Militares são ensinados a se enrolar nela e são infantilizados para não perceber em nome de que interesses dedicam suas inglórias vidas funcionais.

O retângulo verde é a representação da Casa Real de Bragança, da qual veio D. Pedro I, e o losango amarelo, da Casa Imperial de Habsburgo, da qual pertencia a Imperatriz Leopoldina.

A Casa de Habsburgo chegou a governar quase toda a Europa em certo período histórico. Mas era malvista pela realeza europeia, pois a acusavam de usar suas mulheres nas barganhas políticas. Esta prática se consolidou nas relações da elite política brasileira.

Quando da Revolução de 30, Getúlio Vargas interveio em todos os estados da federação e nomeou tenentes para os seus governos, exceto em Minas Gerais, onde reconheceu a validade da eleição de Olegário Maciel. Mas teve o cuidado de substituir as tropas trazendo militares da sua confiança oriundos do Rio Grande do Sul. Não faltaram tradicionais famílias mineiras promovendo o acasalamento de suas filhas com estes militares, a fim de se aliarem às hostes governistas.

Uma revista semanal de circulação nacional que está nas bancas noticia em sua capa: “Marcela Temer, a aposta do governo.” E complementa: “Com sua agenda de aparições nacionais, a jovem e bela primeira-dama vira a grande cartada do Palácio do Planalto para tirar a popularidade do atoleiro.”

É vergonhoso para o jornalismo o que está estampado. Será muito mais vergonhoso para o presidente golpista se efetivamente estiver usando a imagem de sua jovem mulher, “bela, recatada e do lar”, para alavancar popularidade na falta de um programa de governo.

 


Publicado originariamente no jornal O DIA, pag. 9, em 03/01/2017. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2017-01-03/joao-batista-damasceno-as-cores-do-brasil.html

 

Invasão de templo é vandalismo


 “Para a repressão aos colegas, a polícia invadiu a Igreja de São José e atirava das janelas em quem estava na rua. Não há registro de fato desta natureza. Durante a ditadura empresarial-militar, uma bomba foi colocada no altar da Catedral de Nova Iguaçu; o bispo Dom Adriano Hipólito foi sequestrado; seu carro foi explodido num estacionamento, e a igreja, pichada.
“Dom Waldir Calheiros, em Volta Redonda, e Dom Paulo Evaristo Arns, sepultado ontem, em São Paulo, se colocaram ao lado do povo e enfrentaram a ditadura. Padre que auxiliava Dom Hélder Câmara, em Olinda, foi assassinado. Mas, à luz do dia, as igrejas por eles dirigidas não foram ocupadas pelos facínoras”.

 Funcionários civis e militares protestavam contra tentativa de aprovar lei que lhes reduz direitos, quando a crise no Estado poderia ser minorada com a cobrança de dívidas dos ricos com o Erário, revogação de benefícios fiscais indevidos e desfazimento de contratos de locação esquisitos.

Aparelhos de ar condicionado, mesas e cadeiras e até tampa de vaso sanitário não são adquiridos pelo Estado. Mas alugados de empresas cujos quadros societários deveriam ser objeto de apuração pelo Ministério Público.
Para a repressão aos colegas, a polícia invadiu a Igreja de São José e atirava das janelas em quem estava na rua. Não há registro de fato desta natureza. Durante a ditadura empresarial-militar, uma bomba foi colocada no altar da Catedral de Nova Iguaçu; o bispo Dom Adriano Hipólito foi sequestrado; seu carro foi explodido num estacionamento, e a igreja, pichada.

Dom Waldir Calheiros, em Volta Redonda, e Dom Paulo Evaristo Arns, sepultado ontem, em São Paulo, se colocaram ao lado do povo e enfrentaram a ditadura. Padre que auxiliava Dom Hélder Câmara, em Olinda, foi assassinado. Mas, à luz do dia, as igrejas por eles dirigidas não foram ocupadas pelos facínoras.

Apresentei minha solidariedade ao cardeal-arcebispo Dom Orani Tempesta e lhe disse que lido profissionalmente com o aparato repressivo do Estado há 30 anos; que lhe diriam que é caso isolado; que não foi ato ordenado; que a tropa é despreparada; que a decisão foi tomada no calor dos acontecimentos; que tudo seria apurado e ao fim lhe pediriam desculpas. No dia seguinte o comandante da PM, na ausência de governo no estado, apresentou pedido de desculpas, disse que foi decisão no calor dos acontecimentos e que apuraria os fatos.

A teologia cristã registra que Cristo é amor, mas que expulsou os profanadores do templo. E não deve ter sido com jeitinho. Pilatos, governador da Judeia, lavou as mãos e sacrificou um inocente. Nem sempre havemos de aceitar desculpas.

Se um templo religioso, monumento com 410 anos, é invadido pela polícia para de dentro dele se atirar em manifestantes que protestavam, também, por não terem recebido seus salários, o que não se faz nas periferias e em favelas como Cidade de Deus a pretexto de vingar a derrubada de um helicóptero que a perícia concluiu não foi alvejado, mas caiu por problemas técnicos?


 
Publicado originariamente no jornal O DIA, pag. 11, em 17/12/2016. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2016-12-17/joao-batista-damasceno-invasao-de-templo-e-vandalismo.html

 

 

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

As faltas de Modesto e de Fidel


No Brasil se desmonta o projeto de Brasil para os brasileiros. Mas Fidel Castro liderou a maior referência de soberania e afirmação de nacionalidade do povo latino-americano; foi um Davi que venceu Golias. Por sua ação e de seus companheiros, Cuba deixou de ser cassino e bordel dos magnatas estadunidenses. A máfia, expulsa de Cuba, aplicou seus recursos em empresas de comunicação na América do Sul e por seus noticiários lhe difamam. Fidel é referência para os que lutam por um país soberano e assombra os que entregam as riquezas do povo em troca de assento na mesa da Casa Grande da banca internacional”.

2016 será marcado como o ano das tragédias institucionais no Brasil. Depois do golpe na presidenta eleita, da invasão da Câmara dos Deputados por facções totalitárias e da tomada da Alerj por agentes públicos armados — que afirmavam ser donos do Estado porque concursados e estáveis enquanto os deputados são renováveis a cada quatro anos —, tivemos a brutal repressão em Brasília aos estudantes (que protestavam contra a PEC 55), a chantagem de membros do MP ao Legislativo (porque não aprovou suas proposições) e a aprovação na Câmara da criminalização de juízes (por suas opiniões e exercício da jurisdição). Neste surto institucional, no Brasil, perdemos Modesto da Silveira, advogado desassombrado que enfrentou a ditadura empresarial-militar, e Fidel Castro, em Cuba.

No Brasil se desmonta o projeto de Brasil para os brasileiros. Mas Fidel Castro liderou a maior referência de soberania e afirmação de nacionalidade do povo latino-americano; foi um Davi que venceu Golias. Por sua ação e de seus companheiros, Cuba deixou de ser cassino e bordel dos magnatas estadunidenses. A máfia, expulsa de Cuba, aplicou seus recursos em empresas de comunicação na América do Sul e por seus noticiários lhe difamam. Fidel é referência para os que lutam por um país soberano e assombra os que entregam as riquezas do povo em troca de assento na mesa da Casa Grande da banca internacional.
As mortes de Modesto da Silveira e de Fidel os fazem deixar de ser presenças e os transformam em referências permanentes. O impacto de suas mortes são seus legados. Com Fidel, aprendemos que não adianta chegar aos cargos apoiado em velhas forças. As transformações sociais somente foram possíveis em Cuba porque recusou o apoio do Exército de Batista para chegar ao poder; derrotou o Exército de Batista e se assentou nas forças do povo.
Hoje milhões de crianças dormirão nas ruas; nas periferias, vidas de jovens negros e pobres serão violentamente exterminadas, e milhões sentirão a falta da implementação dos direitos à saúde e à educação ou morrerão por causa disto. Mas nenhuma destas pessoas estará em Cuba. Isto é o que Modesto da Silveira também queria para os brasileiros e para tanto dedicou sua vida na luta. A maior homenagem a este notável advogado do povo será continuarmos suas batalhas.


 
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 03/12/2016, pag. 13. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2016-12-03/joao-batista-damasceno-as-faltas-de-modesto-e-de-fidel.html


No vale da sombra da morte


“Igrejas podem abrigar organizações com finalidades diversas, inclusive crimes contra o Estado ou a sociedade. O golpe que se opera no Brasil é formulado pelas elites e empresas de comunicação orientadas contra o povo, apoiadas pelo obscurantismo restante dos anos de chumbo e daqueles que cresceram sob suas asas. O futuro não é promissor. Poder político orientado por religiosos oportunistas e herdeiros dos porões da ditadura é o vale da sombra da morte”.

Evitando as guerras religiosas que devastaram a Europa, os portugueses não admitiram — por razão de Estado — em seu território outra crença que não a fé católica. Prevenindo conflitos, o Marquês de Pombal expulsou do Brasil os jesuítas em 1759, não sem premiar outras ordens para se aquietarem diante do martírio de seus irmãos, e anexou significativa parcela das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste à colônia. A relação do Estado e Igreja no Brasil sempre foi permeada por tensões e partilha de interesses.

No período Vargas, momentos de tensões e concessões entre Estado e Igreja se alternaram, tal como quando da edição de uma Lei de Divórcio por Getúlio Vargas — a fim de possibilitar que Amaral Peixoto (sogro de Moreira Franco, que é sogro de Rodrigo Maia) se casasse com sua filha Alzira Vargas. Homologado o divórcio, a lei foi revogada, e o assunto caiu no esquecimento. A Igreja quase sempre apoiou, taticamente, os projetos conservadores do Estado, que também eram seus, embora com distintos objetivos estratégicos.

Em 1964, a Igreja estava ao lado dos golpistas. Mas deles se distanciou e se tornou principal opositora. Os golpistas buscaram apoio na ala mais conservadora católica e no seio protestante, onde não faltaram concessões de rádio e televisão, apoio às denominações tradicionais e auxílio aos neopentecostais da teologia da prosperidade para cultos eletrônicos e de massa inspirados em Billy Graham.

O militar Paulo Leivas Macalão, um dos principais divulgadores das Assembleias de Deus no Brasil, fundador da Assembleia de Deus de Madureira e compositor da maioria dos hinos da Harpa Cristã, rendeu-se à Vila Militar. A supremacia dos senhores do porão afastou daquela igreja os sucessores do fundador. Contemporanemente o templo andou frequentado por Eduardo Cunha e Michel Temer.

Igrejas podem abrigar organizações com finalidades diversas, inclusive crimes contra o Estado ou a sociedade. O golpe que se opera no Brasil é formulado pelas elites e empresas de comunicação orientadas contra o povo, apoiadas pelo obscurantismo restante dos anos de chumbo e daqueles que cresceram sob suas asas. O futuro não é promissor. Poder político orientado por religiosos oportunistas e herdeiros dos porões da ditadura é o vale da sombra da morte.
 


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 19/11/2016, pag. 14.