Os
trabalhadores de baixa renda que não têm acesso à casa própria pela via do
mercado, porque as zonas edificáveis foram apropriadas pelo capital
especulativo imobiliário, constroem precariamente com as próprias mãos e ajuda
de parentes e amigos. Igualmente sabem que para construir é difícil, mas para
destruir basta um palito de fósforo ou uma chuva de verão.
Enquanto os
trabalhadores rurais são criminalizados ou mortos, no último dia 10, o
Presidente da República editou a MP 910 que, a pretexto de “regularização
fundiária das ocupações em terras situadas em áreas da União”, permite a
grilagem por mera declaração quanto à ocupação e extensão. Trata-se da mais
espantosa apropriação de bens públicos imobiliários que se tem notícia na
história do Brasil, desde a Lei de Terras de 1850. O latifúndio e os fundos
imobiliários de investimento vão se fartar, até não mais haver terras para a
apropriação por quem pertence ao mundo do trabalho rural. Não haverá terra para
quem nela trabalha, assim como não há para a moradia urbana dos trabalhadores.
O Brasil está
em processo de desmonte. Os direitos conquistados pelos trabalhadores após a
Revolução de 30 correm o risco de ser dizimados pela sanha do capital, que
coloca a estupidez a seu serviço.
O princípio
constitucional de busca do pleno emprego é coisa do passado. O desemprego
estrutural que possibilitava a competição entre trabalhadores e o barateamento
dos salários transmudou-se em dispensa extensiva da mão de obra, ante
automação. A exigência cada vez maior de especialização exclui significativa
parcela da população do mercado de trabalho. Excluídos ou rejeitados pelo
capital são destinatários da única política lhes destinada: mira na cabecinha
ou prisões.
No dia 11 o
Senado aprovou projeto, originário da Câmara dos Deputados, falsamente chamado
de “Pacote Anticrime”, que torna mais rigorosa a legislação penal. Até
deputados comprometidos com a afirmação dos direitos humanos comemoraram a
aprovação. Disseram ter sido uma vitória contra o “Projeto Moro”, que era pior.
Mas, qualquer passo no sentido da barbárie é derrota. A “bomba punitivista” foi
mantida ativada, assim como os fundamentos e as condições que gestam o
genocídio da juventude preta e pobre.
Melhor seria o
debate franco e a derrota de peito aberto. Os campos estariam delimitados e a
sociedade poderia vir a fazer melhor escolha. Falar em vitória é enganação. É
preciso trabalhar com a verdade, como princípio ético. Ainda que seja a verdade
por coerência. Vitória é dizer-se derrotado, quando se é, e não desejar o
indigno lugar ocupado pelo vencedor. A retirada de um item do “Projeto Moro” e
a manutenção do resto é a vitória do punitivismo. Quem o propôs que ficasse com
a conta.
Desde a chacina
do PAN, em 2007, no Rio de Janeiro há quem defenda direitos humanos fazendo
concessões ao punitivismo, ao populismo midiático e ao genocídio, perdendo a
oportunidade de confrontar tais proposições e afirmar, na prática, o que se
defende em discursos: os direitos humanos. As concessões em matéria de direitos
humanos são inadmissíveis. Com princípio não se negocia. A aprovação do projeto
na Câmara e no Senado escancara a porta de entrada dos presídios e fecha a
porta da saída. Os encarcerados serão os de sempre. E não foi falta de aviso.
Ao invés de comemorar vitória, o que precisamos é dizer à sociedade que as
soluções lhe apresentadas são ilusórias, ante o que é estrutural e precisa ser
mudado.
Publicado
originariamente no jornal O DIA, em 21/12/2019, pag. 8. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2019/12/5842100-joao-batista-damasceno--vitoria-do-punitivismo.html#foto=1
Nenhum comentário:
Postar um comentário