terça-feira, 23 de outubro de 2018

Instruções para esquivar o mau tempo



Paco Urondo

Em primeiro lugar, não se desespere[i] e em caso de agitação não siga as regras que o furacão quererá lhe impor[ii].
Refugie-se[iii] em casa e feche as trancas quando todos os seus estiverem a salvo.
Compartilhe[iv] o mate e a conversa com os companheiros, os beijos furtivos e as noites clandestinas com quem lhe assegure ternura.
Não deixe que a estupidez se imponha[v].
Defenda-se.
Contra a estética[vi], ética.
Esteja sempre atento[vii].
Não lhes bastará empobrecê-lo, e quererão subjugá-lo[viii] com sua própria tristeza.
Ria ostensivamente[ix].
Tire sarro[x]: a direita é mal comida.
Será imprescindível jantar[xi] juntos a cada dia até que a tormenta passe[xii].
São coisas simples, mas nem por isso menos eficazes.
Diga para o lado bom dia, por favor e obrigado[xiii].
E tomar no cu quando o solicitem de cima[xiv].
Dê tudo o que tiver, mas nunca sozinho[xv].
Eles sabem como emboscá-lo[xvi] na solidão desprevenida de uma tarde.
Lembre que os artistas[xvii] serão sempre nossos.
E o esquecimento será feroz com o bando de impostores que os acompanha.
Tudo vai ficar bem se você me ouvir.
Sobreviveremos novamente, estamos maduros.
Cuidemos dos garotos[xviii], que eles quererão podar.
Só é preciso se munir bem e não amesquinhar amabilidades.
Devemos ter à mão os poemas indispensáveis[xix], o vinho tinto e o violão.
Sorrir aos nossos pais como vacina contra a angústia diária.
Ser piedosos com os amigos.
Não confundir os ingênuos[xx] com os traidores[xxi].
E, mesmo com estes, ter o perdão fácil quando voltarem com as ilusões acabadas.
Aqui ninguém sobra.
E, isto sim, ser perseverantes e tenazes, escrever religiosamente todos os dias, todas as tardes, todas as noites.
Ainda sustentados em teimosias se a fé desmoronar.
Nisso, não haverá trégua para ninguém.
A poesia dói nesses filhos da puta[xxii].




[i] É sempre fundamental manter a calma e agir racionalmente.
[ii] Quem age por princípio sabe o que fazer nas horas de dificuldade e não segue o que o turbilhão impõe.
[iii] É tempo de nos refugiarmos em nossas casas para evitarmos as ações da tigrada.
[iv] Compartilhe o café, a cerveja, o suco, o dedo de prosa, os beijos furtivos e as noites clandestinas. E mantenha a ternura.
[v] Não deixe que a estupidez se imponha a você. Só existe um jeito de lidar com a estupidez: é tornando-se estúpido. Portanto, fuja da estupidez.
[vi] Não se deixe levar pelo transitório.
[vii] É preciso estar atento e forte.
[viii] Os mal amados gozam com a subjugação dos outros. Por isto gozam com a tortura. O gozo deles é o sofrimento da humanidade.
[ix] Não tenha vergonha de ser feliz e de mostrar sua felicidade, ainda que seja com o que pareça pouco.
[x] Sarcasmos, deboche e ironia é o que mais ofende aos mal amados.
[xi] Precisamos nos ver, nos reunir...
[xii] A tormenta sempre passa. Ela não é tão forte para durar para sempre.
[xiii] Seja generoso, a princípio, com todos. A generosidade vai lhe fazer bem.
[xiv] Seja insubmisso. Não se subordine.
[xv] Juntos somos fortes. Sozinhos somos ninguém.
[xvi] Não se deixe emboscar. Esteja sempre atento.
[xvii] Não existe artista truculento, nem do lado da tigrada. Pode existir quem pareça artista para tirar proveito sem sê-lo. Mas, os artistas estarão sempre do nosso lado.
[xviii] É preciso cuidar das gerações mais novas. Elas precisarão aprende a não se expor. Se estamos aqui é porque “os velhos” nos ensinaram a nos proteger.
[xix] Ler é uma boa referência de bem viver. Os livros educam a alma.
[xx] Os ingênuos não são maus. Estão iludidos.
[xxi] É preciso ter em mente quem são os traidores.
[xxii] O que os gorilas gostam é de dureza. Para eles o sensível é ofensivo.



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