sábado, 27 de outubro de 2018

Revisitando a barbárie


“No presente momento, o mundo vive entre optar pelo retorno à barbárie ou continuar tentando construir-se como lugar de afirmação dos valores que nos caracterizam como humanos e solidários, na busca da felicidade”.

Assisti no Teatro Sesc, do Centro, a peça ‘Malala, a menina que queria ir à escola’. A peça conta a história de Malala Yousafzai, heroína do nosso tempo e mais jovem ganhadora do prêmio Nobel da Paz, conhecida principalmente pela defesa dos direitos humanos das mulheres e do acesso à educação em sua província natal, onde os talibãs locais impedem as jovens de estudar.

Ao longo da peça sentimos que o Afeganistão é aqui e que nossos talibãs também nos ameaçam. Crianças impedidas de estudar em razão de tiroteios, força pública que difunde o terror, necessidade de procurar abrigo durante as aulas e grupos armados se impondo pela força nos remetem ao que se vivencia em favelas brasileiras e nos faz sentir horror pela ameaça de difusão do ódio e da brutalidade.

O incômodo é crescente ao longo da peça. Mas, ao final quando mulheres brasileiras são lembradas por suas resistências, dentre as quais Marielle, o público é tomado de euforia e de sensação de que também podemos resistir à barbárie. O ativismo de Malala, que se tornou um movimento internacional, ganha expressão ao final da peça e em todos os rostos se vê emoção e esperança.

Por vezes a humanidade relaxa na construção da civilidade e surgem os que pretendem guiá-la rumo à barbárie. Isto talvez explique as crises que destruíram sociedade antigas. As sociedades podem se constituir com o que há de melhor em cada modelo. Mas, também podem se constituir com o pior de cada um deles.

Grandes civilizações foram exterminadas e delas restaram apenas fragmentos. De algumas, nem histórias. Da Mesopotâmia e da Babilônia, com seus jardins suspensos, pouco restou. Alguma coisa pode ser visitada em museus europeus. Do Egito temos as colossais pirâmides e fragmentos do que foi. Em Roma resta parte do Coliseu, alguns poucos monumentos e muita história escrita. Da América do Norte, Central e Peru temos os monumentos e grandes construções dos Astecas, Maias, Incas e de outros povos.

Depois da Idade Média, a Europa ressurgiu com o Renascimento e o Iluminismo que nos dá a racionalidade com a qual pretendemos nos construir. Mas, o século XX, o século dos horrores, conheceu também o fascismo e o nazismo, quando se testou o limite da desumanização.

No presente momento, o mundo vive entre optar pelo retorno à barbárie ou continuar tentando construir-se como lugar de afirmação dos valores que nos caracterizam como humanos e solidários, na busca da felicidade.A peça Malala voltará em nova temporada no Teatro Casa Grande. No cartaz diz que “falar sobre Malala é, antes de tudo, falar de amor. Amor ao conhecimento. Amor à liberdade. Amor à justiça. Amor às crianças. Amor à humanidade. Amor que transcende e transborda para o mundo”. É disso de precisamos: dos valores de Malala. Ou, então retornaremos à barbárie. A opção é nossa!



Publicado originariamente no jornal O DIA, em 27/10/2018, pag. 8. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2018/10/5586937-revisitando-a-barbarie.html#foto=1


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