domingo, 14 de dezembro de 2014

Decoro parlamentar

“O Parlamento, em nome da sua grandeza, não pode admitir que suas tribunas sejam usadas para o vilipêndio à dignidade humana. As filhas solteiras de militares hão de eleger pessoa mais qualificada para lhes defender a indecência do pensionamento para a solteirice. Se do fato não resultar reconhecimento de falta de decoro, o Congresso estará inabilitado para qualquer cassação futura sob este fundamento”.

Parlamentar cuja atuação se destaca pela homofobia, proselitismo contra os direitos da pessoa humana, defesa das truculências da ditadura empresarial-militar e discurso pela manutenção do pensionamento para as filhas solteiras de militares protagonizou esta semana apologia de violência contra mulheres enquanto ocupava a tribuna da Câmara dos Deputados. 

O tribuno disse que não estupraria sua colega parlamentar por ela não merecer, naturalizando a violência contra as mulheres e demonstrando que seu limite para a transgressão é a falta de reconhecimento de atributo da pessoa a agredir. Faltou ao deputado, também, o reconhecimento dos limites éticos da convivência humana e dos parâmetros do Estado de Direito. 

Milhões de mulheres sofrem violência diariamente, por desqualificação, agressão, tortura e estupro. O Estado brasileiro é signatário de diversos tratados para combate à violência contra as mulheres. Na ordem interna muitos têm sido os esforços para buscar o fim das violações, como a Lei Maria da Penha. 

Rusgas de parlamentares pelos corredores ou nas ruas durante campanhas eleitorais podem não constituir fato significativo de comportamento exigido de parlamentar, ainda que urbanidade de todos seja exigível. Mas a ocupação da tribuna da Câmara para a pregação da violência não é outra coisa senão quebra de decoro parlamentar. 

A ocupação de cargo político exige responsabilidade e comportamento compatível. Daí é que a cassação por falta de decoro é imperativa. Não se trata de punição, tal como as decorrentes de condutas aferidas em processos criminais. Mas responsabilização por inadequação de conduta para o cargo. Um médico que sonega imposto pode continuar sendo um grande médico, e a cobrança do tributo ser feita em esfera distinta da atividade profissional. Mas um fiscal da Receita que faz a mesma coisa se inabilita para a função que desempenha. 

O Parlamento, em nome da sua grandeza, não pode admitir que suas tribunas sejam usadas para o vilipêndio à dignidade humana. As filhas solteiras de militares hão de eleger pessoa mais qualificada para lhes defender a indecência do pensionamento para a solteirice. Se do fato não resultar reconhecimento de falta de decoro, o Congresso estará inabilitado para qualquer cassação futura sob este fundamento.



Fonte: Publicado originariamente no jornal O DIA, em 13/12/2014, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-12-14/joao-batista-damasceno-decoro-parlamentar.html

domingo, 7 de dezembro de 2014

Honrando a medalha

“Mesmo num Estado Policial, os direitos humanos não são violados por completo. Eles sempre são garantidos para a parcela privilegiada da sociedade. A questão que se coloca é como garanti-los, também, à parcela da sociedade composta por pobres, negros, minorias e aqueles cuja posição na sociedade os coloca em situação de invisibilidade social. O problema não é a falta de alternativa para política de segurança humanizada, como demonstra a conduta de Zaccone; é a opção por uma política que criminaliza a pobreza e trata excluídos como indesejáveis a serem contidos ou exterminados”.

O delegado Orlando Zaccone recebeu dia 1º, no Circo Voador, as medalhas Pedro Ernesto, outorgada pelo vereador Renato Cinco, e Tiradentes, pelo deputado Carlos Minc. Medalhas e prêmios são, por vezes, recusados por quem não se sente à altura da honraria. Mas, por vezes, o recebimento pelo agraciado é que os honra.

Tiradentes é o mais célebre condenado pela Justiça no Brasil, e Pedro Ernesto foi o primeiro prefeito do Rio a ir a uma favela conversar com moradores. Seus antecessores tratavam favelados como párias, indesejáveis que deveriam voltar aos seus lugares de origem, e não faziam melhorias nos morros, pois seria estímulo à permanência dos pobres na cidade, que haveria de ser maravilhosa apenas para alguns. Até hoje há quem pense assim. Quando do desabamento do Morro do Bumba, em Niterói, uma emissora de TV responsabilizou Brizola, morto em 2004, por haver instalado caixa d’água e rede elétrica ali, o que teria ampliado a ocupação. Não se falou do sistema excludente que gera a precariedade das moradias. Medalhas com os nomes de Pedro Ernesto e Tiradentes evocam a visibilidade dos injustiçados. E ninguém melhor que um delegado de polícia que defende os direitos dos excluídos para ganhar tais honrarias ou honrar tais medalhas ao recebê-las. 

Pode causar estranheza a existência de delegados de polícia que pugnam pela defesa dos direitos da pessoa humana num país onde imperam a política de extermínio de pobres e negros, os desaparecimentos, as torturas em sede policial, os flagrantes forjados, as escutas clandestinas, as imputações caluniosas e as condenações indevidas. Na 52ª DP, onde o conheci e tinha 400 presos, não faltou tratamento digno aos encarcerados, mesmo com falta de espaço físico e com instalações inadequadas. Foi um período no qual não houve rebelião ou fugas, por vezes falsamente anunciadas para encobrir o desaparecimento de mortos em sessões de tortura nas sedes prisionais.

Mesmo num Estado Policial, os direitos humanos não são violados por completo. Eles sempre são garantidos para a parcela privilegiada da sociedade. A questão que se coloca é como garanti-los, também, à parcela da sociedade composta por pobres, negros, minorias e aqueles cuja posição na sociedade os coloca em situação de invisibilidade social. O problema não é a falta de alternativa para política de segurança humanizada, como demonstra a conduta de Zaccone; é a opção por uma política que criminaliza a pobreza e trata excluídos como indesejáveis a serem contidos ou exterminados.

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 07/12/2014, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-12-06/joao-batista-damasceno-honrando-a-medalha.html


Confronto sem vencedor


O que se tem no presente momento é a difusão da sensação de violência, do desejo de vingança e da cultura da truculência, em contraposição à concepção de fraternidade que haveria de nos nortear para um mundo melhor. Daí o ataque aos direitos que nos são comuns a todos e às pessoas e instituições que os defendem. Maior pena para quem mata policial não retira a dor das mães, viúvas e filhos de quem morre. É preciso atuação competente para implantar política de segurança eficaz que não mate policiais.

Em 10 de dezembro o mundo comemorará 66 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Na História da Humanidade sempre houve excluídos da capacidade de ter direitos. Na Roma Antiga, havia direitos para romano e gentio. Mas, ao ‘homo sacer’ não era assegurado qualquer direito. Se alguém matasse um cachorro deveria indenizar seu dono. Mas, a morte de um ‘homo sacer’ não propiciava qualquer responsabilização.

No Brasil os negros escravizados eram considerados coisas, tal como mercadorias. Na Alemanha nazista as violações recaíram sobretudo sobre os judeus. Os horrores do nazismo nos levaram a restringir o poder do Estado e a considerar que todo humano é titular de um conjunto mínimo de direitos. Dos princípios declarados temos que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos; dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. 

Na contramão do direito internacional e da Constituição o governador criticou os grupos que atuam na defesa dos direitos humanos no Rio e propôs pena mais severa para quem matar policial. O governador já propusera um código penal estadual, mas ignora que policiais são mortos em razão da política de segurança militarizada, que expõe indevidamente a vida de policiais num confronto do qual ninguém sairá vencedor. Todos perderão. 

A morte de praças colocados em situação de vulnerabilidade torna mais acentuada a sensação de insegurança e propicia ações individuais marcadas pelo sentimento de vingança. É a ineficácia da política de confronto que submete praças à truculência e os expõe à morte. Mas para quem a ordena pouco importa se morre um policial, um traficante ou um trabalhador. Afinal, policiais são desrespeitados cotidianamente em seus direitos e começam a morrer ainda no treinamento para ingresso em razão dos maus-tratos a que são submetidos na escola de formação. 

O que se tem no presente momento é a difusão da sensação de violência, do desejo de vingança e da cultura da truculência, em contraposição à concepção de fraternidade que haveria de nos nortear para um mundo melhor. Daí o ataque aos direitos que nos são comuns a todos e às pessoas e instituições que os defendem. Maior pena para quem mata policial não retira a dor das mães, viúvas e filhos de quem morre. É preciso atuação competente para implantar política de segurança eficaz que não mate policiais.

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 30/11/2014, pag. E4. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-11-30/joao-batista-damasceno-confronto-sem-vencedor.html


quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O Caso Rafael Braga


“O Caso Rafael Braga retrata o que é criminalização da pobreza. Morador de rua, em 20 de junho de 2013 foi preso porque levava duas garrafas plásticas, de água sanitária e detergente, com o que limpava locais onde dormia durante a semana, por falta de dinheiro para ir para casa todo dia.

“Rafael foi acusado de portar coquetéis molotov. Não houve perícia em fase judicial. A prova técnica foi a policial, tomada como verdadeira para a condenação, mesmo concluindo pela pequena capacidade de combustão do material apreendido. Mas, o pior: a denúncia acusou Rafael de fatos cometidos em 21 de junho, um dia após já estar preso”.

 

O Caso Rafael Braga retrata o que é criminalização da pobreza. Morador de rua, em 20 de junho de 2013 foi preso porque levava duas garrafas plásticas, de água sanitária e detergente, com o que limpava locais onde dormia durante a semana, por falta de dinheiro para ir para casa todo dia.

Rafael foi acusado de portar coquetéis molotov. Não houve perícia em fase judicial. A prova técnica foi a policial, tomada como verdadeira para a condenação, mesmo concluindo pela pequena capacidade de combustão do material apreendido. Mas, o pior: a denúncia acusou Rafael de fatos cometidos em 21 de junho, um dia após já estar preso.

Uma condenação ou absolvição se produz se os relatos se encaminham a favor ou contrariamente ao acusado. Em alguns casos, hipóteses passam a ser tratadas como versões e depois como ocorrências. Pouco importa se o objeto tinha capacidade de combustão.

A sentença repete que a ocorrência do fato criminoso se dera no dia 21 de junho. Em se tratando de um homem pobre e negro pouco importa o fato; se este ou aquele, bem como o tempo, se num ou noutro momento. Algum fato deve ter cometido, em algum tempo. O que interessa para o Estado Policial é que alguém pague para demonstrar sua capacidade de ser perverso.

Mesmo com imputação de fato em dia no qual não poderia praticá-lo Rafael acabou condenado a quase cinco anos de prisão. Fato é uma ocorrência concreta no mundo natural. Sua descrição há de ser minuciosa. Se Pedro matou José, mas a acusação é de que matou João há de ser absolvido. Pedro há de ser responsabilizado pelo que fez a José. Não é admissível a compensação dos fatos: pagar pelo que não fez por ter deixado de pagar pelo que fez.

Rafael nem parece compreender o mundo no qual está inserido. Um ano e meio de prisão não o fez raivoso. Das torturas que sofreu diz que apenas apanhava quando se esquecia de tratar os carcereiros de senhor. Imputa as torturas às suas próprias falhas: “Tirando estes castigos por causa das minhas displicências, correu tudo bem.”

Quem opera o sistema, por vezes, não concebe o inferno do mundo dos excluídos nem as agruras dos submetidos ao sistema penitenciário. E, por isso, há menos justiça quando se trata de pobres. A situação de Rafael poderia ser pior. Salvou-o o trabalho de jovens advogados do Instituto dos Defensores dos Direitos Humanos (DDH).

 


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 23/11/2014, pag. E5. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-11-22/joao-batista-damasceno-o-caso-rafael-braga.html

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Nem deuses, nem demônios

“Nas discussões sobre imbróglio envolvendo juiz e agente público em Lei Seca não se analisaram o fato originário, a sentença ou o acórdão. Cada um falou e escreveu de acordo com sua imaginação. Roberto da Matta, antropólogo que fez tese sobre malandros e carnaval, sentenciou: "Mexeu com um juiz, mexeu com todos". "Todos" disse ele, desconsiderando a distinção das atuações no seio da magistratura de acordo com as concepções filosóficas e ideológicas. Nada como a Antropologia McDonald's para as generalizações, incompreensões dos funcionamentos institucionais e opinião sobre o que não se estudou”.
 
Nas discussões sobre imbróglio envolvendo juiz e agente público em Lei Seca não se analisaram o fato originário, a sentença ou o acórdão. Cada um falou e escreveu de acordo com sua imaginação. Roberto da Matta, antropólogo que fez tese sobre malandros e carnaval, sentenciou: "Mexeu com um juiz, mexeu com todos". "Todos" disse ele, desconsiderando a distinção das atuações no seio da magistratura de acordo com as concepções filosóficas e ideológicas. Nada como a Antropologia McDonald's para as generalizações, incompreensões dos funcionamentos institucionais e opinião sobre o que não se estudou.
 
Depois do imbróglio na blitz, a agente de trânsito — não se dando por satisfeita com sua 'autoridade no asfalto' — representou contra o juiz no Tribunal de Justiça e perdeu. Depois moveu ação indenizatória e perdeu. Recorreu ao tribunal que confirmou a sentença. Embargou e a decisão foi de novo confirmada. Foi buscar lã e voltou tosquiada; deixou de ganhar e foi condenada. Mas, a mídia lhe deu minutos de fama. É celebridade e uma revista cogita convidá-la para suas páginas. Para mim o problema é anterior àquela ocorrência concreta e se relaciona ao padrão de atuação dos agentes públicos.
 
Juiz é apenas o cargo a ser ocupado. Se ao invés de dizermos "sou juiz" disséssemos "ocupo um cargo de juiz" ou 'trabalho como juiz" tiniríamos o título e teríamos maior liberdade para sermos cidadãos, no dia a dia, e autoridade, no exercício da função. Mas, tribunais incentivam a confusão e a hierarquização indevida. Quando se quer atingir um juiz por ato praticado na vida privada diz-se que juiz é juiz o tempo todo. Num julgamento no STF em que um dos seus membros era réu por improbidade administrativa, falou-se que ministro não pode ser processado por um juiz. As competências estão nas leis, mas o discurso hierárquico salvou o ministro.
 
A ordem jurídica deve ser a referência dos agentes públicos. Juízes não podem andar com carro novo sem placa, salvo até o órgão de trânsito para o emplacamento, assim como agentes de trânsito não podem exigir teste de bafômetro de nenhum cidadão, salvo se envolvido em acidente de trânsito ou, justificadamente, sob fiscalização. É a lei. Policiais não podem revistar carros ou pessoas, salvo se diante de suspeita fundamentada. É a Lei. Em abordagens, todos devem ser tratados com urbanidade. Na disputa da prevalência da carteirada e de quem tem força no Estado Policial, perdem a cidadania e o Estado de Direito.
 
 
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 16/11/2014, pag. E7.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Manifestação em Audiência Pública/Segurança dos jornalistas, direito fundamental.



Manifestação na abertura da audiência pública realizada pelo Forum Permanente de Sociologia Jurídica e Sindicato dos jornalistas profissionais do município do Rio de Janeiro, na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro/EMERJ, no dia 12/11/2014.

Audiência Pública: SEGURANÇA DOS JORNALISTAS, DIREITO FUNDAMENTAL

O Forum Permanente de Sociologia Jurídica da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro/EMERJ promove sua 11ª Reunião, em audiência pública, com o tema “Segurança dos jornalistas, direito fundamental”.

Ainda que o tema ‘segurança’ tenha evocado nestes tempos de Estado Policial à segurança armada, por meio de vigilância e repressão, o que havemos de tratar nesta audiência pública é do direito à segurança no emprego, à autonomia funcional, à segurança no trabalho com o fornecimento de equipamentos de proteção individual e outros comportamentos dos quais resultem tranqüilidade e paz no exercício da profissão pelos trabalhadores das empresas de comunicação.

A segurança da qual hão de gozar os jornalistas não há de ser a segurança pública traduzida em medidas de vigilância e repressão, mas à percepção de se estar protegido de riscos, perigos ou perdas de quaisquer natureza, em decorrência do exercício da atividade profissional. O conceito de segurança dos jornalistas com o qual trabalhamos há de ser concebido como um sistema integrado envolvendo instrumentos de justiça e defesa dos direitos de todas as espécies, incluindo direito à saúde e direitos sociais.

O processo de segurança dos jornalistas do qual pretendemos tratar se inicia pela prevenção às violações aos direitos dos profissionais de imprensa e – se for o caso – finda com a adequada reparação do dano e no tratamento das causas para evitar se repita.

A morte do cinegrafista Gelson Domingos, na favela Antares, em Santa Cruz, retrata a falta de segurança física para a atividade profissional de jornalistas, fato que se repetiu com o cinegrafista Santiago Andrade, da mesma emissora de televisão. Do primeiro, morto em 2011, durante uma operação policial, descobriu-se depois que - além de dirigir o próprio carro - seu contrato de trabalho era de técnico, com salário menor ao que tinha direito. O segundo não usava capacete, equipamento de proteção individual indispensável na cobertura de conflito.

Em São Paulo o repórter-fotográfico Alex Silveira foi alvejado no olho esquerdo por uma bala de borracha disparada por forças policiais e, embora tivesse sido atingido enquanto trabalhava, a justiça o responsabilizou pela ocorrência, sob o fundamento de que estava voluntariamente no local sujeitando-se ao risco de dano.  De tal conclusão resultou a reforma da sentença de primeira instância que condenara o Estado pelo dano irreversível causado ao profissional.

A agressão ao repórter do G1 Henrique Soares, anteontem, num dos principais acessos ao Conjunto de Favelas do Alemão, é cabal demonstração da falta de segurança com a qual trabalham os profissionais da mídia tradicional. Sua ocorrência, ainda no acesso do conjunto de favelas e numa área que o Estado denomina pacificada, demonstra a falência da política de segurança militarizada que apenas acirra os conflitos e expõe os mais diversos tipos de trabalhadores aos seus efeitos, inclusive os profissionais da segurança pública de baixa patente.

No caso do assassinato da juíza Patrícia Acioli um jornalista correu o risco de perder o emprego depois que postou em edição eletrônica entrevista com desembargador que a vira solicitar segurança, negligenciada por este tribunal. Gestões do tribunal junto aos proprietários das empresa de comunicação colocaram a tranqüilidade do jornalista em risco. Salvou-o a dignidade do entrevistado que se recusou a assinar um desmentido lhe entregue.

O afastamento de editora de grande jornal carioca por ocasião das eleições deste ano e em razão dela é outro episódio a nos propiciar reflexão sobre as condições do trabalhos dos jornalistas.

Apenas estes relatos já denotariam a necessidade de segurança aos profissionais das empresas de comunicação. Mas, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) apurou mais de uma centena de casos de agressões físicas contra jornalistas durante as manifestações e protestos de 2013 e concluiu que agentes do Estado cometeram 75% delas, e manifestantes, 25%.

Ninguém, menos ainda um trabalhador no exercício da função, há de ser agredido. Mas, a violência que suportam os profissionais da comunicação não é apenas a simbólica, entremeada no produto de suas atividades. Nem a violência simbólica, nem a agressão direta hão de compor o cotidiano dos jornalistas.  

Já não bastam manifestos por uma cultura de paz. É preciso exigir o fim da violência política das forças desestabilizadoras da democracia. Ao Estado cabe possibilitar o desarmamento dos ânimos e fazer valer os preceitos da Constituição.

E por isso, para o bem da democracia e da civilidade, é imprescindível que trabalhadores das empresas de comunicação tenham segurança para o desempenho de suas atividades, por indispensáveis à opinião pública, base das decisões coletivas. Não desejamos jornalistas cobrindo eventos por meio das escotilhas de carros blindados, notadamente se do Estado; menos ainda tutelados por forças capazes de violações aos direitos humanos, por macular a notícia. Isto, sem dúvida, comprometeria a apuração das informações, colocaria a notícia sob suspeição e, inevitavelmente, implicaria acirramento dos ânimos contra os profissionais de imprensa, que no dia-a-dia, em contato com a sociedade, acabam por representar todo o complexo da indústria da informação.


João Batista Damasceno.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Inutilidade das instituições


“Visando a minimizar os efeitos da exclusão e das ações dos trabalhadores, na Europa concebeu-se o estado do bem-estar social, com o reconhecimento de alguns direitos aos pobres. Na América Latina, as ditaduras empresariais-militares buscaram sufocar as discussões e as demandas dos trabalhadores por meio da truculência. Na ordem neoliberal o Estado e suas instituições têm se apresentado como uma inutilidade para a garantia do bem-estar social, da educação pública de qualidade, da saúde, do amparo à infância e das demandas dos excluídos.
 
“A resposta do estado neoliberal às ações dos excluídos continua sendo a truculência e o encarceramento. O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, proporcionalmente à sua população, ainda que um preso custe várias vezes mais que um aluno. Instituições, inúteis para o bem-estar social, são eficientes na criminalização dos excluídos e na tentativa de obstar a liberdade de expressão”.


 
O Estado Nacional foi necessário aos interesses de quem o criou em determinado momento histórico; inexistia na Idade Média, quando a ordem social se limitava aos feudos com funções sociais bem divididas: os nobres se dedicavam à arte da guerra e diziam proteger a todos, os sacerdotes se dedicavam à espiritualidade e rezavam por todos e os camponeses trabalhavam para o sustento de todos. Quem viaja pela Europa há de se encantar com os castelos e mosteiros, onde viviam nobres e religiosos.
 
O desenvolvimento das técnicas de produção gerou excedentes nos feudos, escoados por meio do comércio. Surgiram estradas e meios para o transporte da produção excedente. O descobrimento do Brasil ocorreu neste contexto, assim como os Estados Nacionais para defesa dos interesses da burguesia comercial emergente. Depois se desenvolveram as máquinas a vapor e as fábricas, na revolução industrial. O ouro das Minas Gerais ajudou a financiar esta etapa do desenvolvimento inglês.
 
O Estado Nacional gerido pela realeza fora importante, mas se tornou um entrave e a ordem foi alterada para contemplar os interesses dos novos donos das coisas. A burguesia tomou o poder e construiu o estado liberal no qual passou a gozar de todas as liberdades, inclusive para a exploração.
 
A teoria marxista entende que o estado burguês serve à classe que dele se apoderou e não aos pobres e trabalhadores. Para os marxistas, somente o estado socialista serviria aos trabalhadores. Para os anarquistas nenhum estado serve, pois todos se destinam à opressão. Os marxistas perguntam a quem o estado serve, pois dependeria de quem o controla, e os anarquistas respondem que nenhum estado serve. Estas são expressões filosóficas que o direito constituído pela burguesia, a partir da Revolução Francesa, admite seja discutido. Tão só discutido.
 
Visando a minimizar os efeitos da exclusão e das ações dos trabalhadores, na Europa concebeu-se o estado do bem-estar social, com o reconhecimento de alguns direitos aos pobres. Na América Latina, as ditaduras empresariais-militares buscaram sufocar as discussões e as demandas dos trabalhadores por meio da truculência. Na ordem neoliberal o Estado e suas instituições têm se apresentado como uma inutilidade para a garantia do bem-estar social, da educação pública de qualidade, da saúde, do amparo à infância e das demandas dos excluídos.
 
A resposta do estado neoliberal às ações dos excluídos continua sendo a truculência e o encarceramento. O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, proporcionalmente à sua população, ainda que um preso custe várias vezes mais que um aluno. Instituições, inúteis para o bem-estar social, são eficientes na criminalização dos excluídos e na tentativa de obstar a liberdade de expressão.

 


Originariamente publicado no jornal O DIA, em 09/11/2014, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-11-08/joao-batista-damasceno-inutilidade-das-instituicoes.html